Um segredo guardado desde 2014 levou Filipa Martins à final olímpica

A ginasta venceu o medo, arriscou e foi feliz. Com ajuda de um salto preparado desde 2014 vai à final do all-around da ginástica. O salto poderia ter acabado uma carreira, mas deu-lhe um novo brilho.

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Filipa Martins em acção em Paris JOS?? SENA GOUL??O / LUSA
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Havia um segredo bem guardado na cidade do Porto, fechado nos apontamentos da ginasta Filipa Martins. Ela levava, de vez em quando, esse caderninho para os treinos – fazia-o desde 2014.

Neste domingo, em Paris, em plenos Jogos Olímpicos, Filipa Martins garantiu que Portugal vai à final do all-around feminino da ginástica artística e fê-lo abrindo a tal página bem guardada. Gritou e fê-lo para todo o mundo ouvir: “O nome técnico é Yurchenko com dupla pirueta. É uma rodada com flic por cima da mesa e mortal com duas piruetas”.

Complexo? Para o comum mortal, sim. Para a ginasta portuguesa... também. “Estou a tentar aquele salto desde 2014, mas é tão arriscado que temos medo de o meter em competição. Aos 28 anos, pô-lo em competição... não temos palavras. Estávamos com medo. É difícil e arriscado”, apontou, em Paris, no final da prova.

Aos 28 anos, estes são os terceiros Jogos de Filipa Martins e, provavelmente, os últimos – a modalidade não costuma ser amigável com o corpo e a mente de atletas forçadas a longevidade curta.

Também por isso se justificou arriscar, em Paris, algo que teria, em caso de erro, um potencial enorme de sacrifício a tornozelos que já levam cinco cirurgias. Era o salto que poderia acabar com uma carreira.

Não só acabou como pode dar-lhe, possivelmente, o grande momento. “Para mim, foi o auge”, disse a ginasta, que vai levar Portugal à final feminina do all-around da ginástica artística.

Sorriso após cada aparelho

Quando se faz a agenda de um jornalista em Jogos Olímpicos é preciso algum poder de adivinhação.

- A Filipa vai à final?
- Se for, só saberemos à noite.
- Vamos guardar espaço para isso.

Este raciocínio foi feito neste domingo à tarde, mas nem era preciso. Acontecesse o que acontecesse à noite, com a classificação final do all-around feminino da ginástica artística, Filipa Martins valeria sempre um texto – e dos grandes.

A ginasta portuense mostrou, em Paris, um nível elevadíssimo e nem seria preciso olhar para as pontuações – ou sequer para os exercícios. Bastaria uma compilação das reacções da ginasta após cada aparelho para perceber que vinha dali algo bom.

Após o salto, ficou radiante. Depois das assimétricas, assim-assim. Depois da trave, pareceu aliviada. Depois do solo, com satisfação clara e, provavelmente, com esperança de ir à final.

Dia 1 há mais

Mas isto foi o que pareceu de fora. Dentro da cabeça da ginasta foram coisas diferentes. “O salto ter corrido bem foi o que deu força para o resto”, começou. “Nas assimétricas, senti que poderia ter feito um bocadinho melhor. Já fiz provas melhores”, acrescentou.

“A trave foi déjà-vu do Rio de Janeiro. Fui a última e fiquei imenso tempo à espera [nota demorada da ginasta anterior]. Poderia ter feito mais ligações, mas o importante era não cair e fazer o exercício mais seguro possível”, continuou.

Depois do solo, a emoção. “Eu estava quase a chorar e tentei conter-me. Estou muito orgulhosa do que fizemos. Podemos sonhar com a final. Estou um pouco emocionada. Fizemos algo que nunca imaginámos na ginástica portuguesa”, apontou, referindo-se ao salto inicial, o tal segredo de 2014 que Filipa Martins espera que abra horizontes: “O histórico foi fazer a “dupla” nos saltos. Vai abrir horizontes para não fazermos só o que estamos habituados”.

Depois de conversar com os jornalistas, conviver com a família e amigos – tinha bastante apoio na Bercy Arena, em Paris – e de ver as restantes adversárias, rezando para que poucas a ultrapassassem na pontuação geral, Filipa recebeu a notícia na sessão nocturna da ginástica.

Fica dentro das 24 apuradas para a final, entre 60, superando o 37.º lugar alcançado em Tóquio. Quinta-feira, 1 de Agosto, estará novamente em prova. Nesse dia, tudo o que vier é bónus.

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