Entre a “esperança” e a “preocupação”, a comunidade portuguesa na Venezuela também está na expectativa do resultado das eleições

Os portugueses na Venezuela estão à espera de uma mudança política que vêem como “absolutamente necessária”. No entanto, há receio perante as acções que o Governo poderá tomar se a oposição ganhar.

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As expectativas partilhadas “pela comunidade portuguesa e os venezuelanos”, segundo o conselheiro das comunidades portuguesas na Venezuela, podem ser resumidas numa palavra: mudança Ivan Alvarado / REUTERS
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María Fátima de Pontes, venezuelana de pais portugueses, acaba de chegar do supermercado quando fala com o PÚBLICO. A conselheira das comunidades portuguesas na Venezuela foi uma das pessoas que se abasteceram de produtos antes das eleições presidenciais deste domingo. “Em cada canto da Venezuela, estão a preparar-se para o que vai acontecer este fim-de-semana. Quando estava na rua, vi que as pessoas estão um pouco assustadas com as ameaças”, diz.

Com a oposição a liderar as sondagens, Nicolás Maduro ameaçou que, se não ganhar, o país pode enfrentar um “banho de sangue”. “Há uma certa preocupação, porque as declarações do Presidente têm sido um pouco fortes, mas esperemos que o que aconteça seja o melhor para a Venezuela, para o país onde temos trabalhado toda a nossa vida”, afirma.

Na comunidade portuguesa na Venezuela, há uma mistura de preocupação, cepticismo e esperança sobre o que pode acontecer depois das eleições presidenciais. As expectativas partilhadas “pela comunidade portuguesa e os venezuelanos”, segundo Francisco Campos Topa, também conselheiro das comunidades portuguesas na Venezuela, podem ser resumidas numa palavra: mudança.

“Uma transformação política, sem dúvida, é absolutamente necessária. Estas eleições são talvez a primeira possibilidade real de haver uma mudança depois de mais de 20 anos, e isto é visto como algo muito positivo por muitos. Vive-se e sente-se que desta vez vai ser possível”, afirma.

Um dos cenários mais desejados é o retorno aos anos dourados do país, “quando tudo fluía de uma forma excelente”, afirma Francisco Campos Topa. Um retorno à “outra Venezuela”, na qual María Fátima diz ter vivido quando era jovem.

“Os meus pais, quando chegaram ao país, tiveram todas as possibilidade de prosperar. O meu pai ajudava os que chegavam de Portugal e depois essas pessoas também prosperavam, mas tudo mudou, a população empobreceu”, conta.

Francisco Campos Topa também sente que a mudança no país tem sido “praticamente de 180 graus”. “A Venezuela que eu conheci há 45 anos era uma que recebia pessoas de toda a América Latina e da Europa, mas agora muitos saem do país. Se a situação do país não mudar, provavelmente pode haver muitos venezuelanos, luso-venezuelanos e portugueses que vão continuar a emigrar."

Francisco Campos Topa: "Há muitos anos que estamos à espera de um despertar no país" DR
María Fátima De Pontes: "Esperemos que o que aconteça seja o melhor para a Venezuela, para o país onde temos trabalhado toda a nossa vida" DR
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Francisco Campos Topa: "Há muitos anos que estamos à espera de um despertar no país" DR

Mais de 7 milhões de pessoas fugiram do país nos últimos anos, de acordo com estatísticas da Agência das Nações Unidas para os Refugiados. A esperança, diz Fernando Campos Topa, é que as eleições possam marcar “um ponto de inflexão” e que possa haver um regresso dos que saíram da Venezuela.

Muitos dos portugueses e seus descendentes que moravam no país voltaram para Portugal, especialmente para a ilha da Madeira. “A quantidade de jovens que saíram da Venezuela é triste. O ano passado fui à Madeira e onde quer eu ia havia um venezuelano”, diz María Fátima de Pontes.

O filho de Simão Rocha, português que mora em Caracas, foi precisamente um dos jovens que decidiram emigrar. “Ele vive há bastante tempo na Espanha. A minha neta nasceu lá. Em mim, a ideia de sair do país está sempre latente”, conta.

Simão Rocha mora na Venezuela há 43 anos. Sempre trabalhou na área da padaria e da restauração, mas conta que tem sentido muitos problemas devido à crise económica. “[Muitos portugueses] vivem com pequenos subsídios do Governo português ou de dinheiro que mandam os filhos e os netos que moram fora. Outros vivem das poupanças que acumularam ao longo da sua vida, o que é mais ou menos o meu caso”, afirma.

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Simão Rocha: "[Muitos portugueses] vivem com pequenos subsídios do governo português ou de dinheiro que mandam os filhos e os netos que moram fora" DR

“Para as pessoas de fora, é difícil entender como é que neste país se consegue viver”, diz, por sua parte, Fernando Campos Topa.

Há diversos motivos pelos quais muitos portugueses como Simão Rocha permanecem na Venezuela apesar da crise. Além do “clima espectacular” e as “pessoas muito boas”, muitos ficam para preservar os seus bens materiais.

“Os nossos bens perderam muito valor. Depois de anos a trabalhar para criar um património, hoje as coisas não valem nada e as pessoas não querem vender tudo o que têm por quatro cêntimos. É um tema que não é fácil”, explica o conselheiro das comunidades portuguesas.

Sair do país à procura de oportunidades quando não se é jovem também é um tema complexo, afirma María Fátima de Pontes. “Com a minha idade, como faço para sobreviver fora do país? Se for necessário, terá de ser feito, mas emigrar é feio. Para um jovem talvez não, mas na minha idade é difícil”, opina.

“Há muitos anos que estamos à espera de um despertar no país”

Dentro da esperança perante o que as eleições poderão trazer, há “cepticismo”, salienta Francisco Campos Topa. Se a oposição ganhar, não há garantia de que o resultado seja aceite pelo actual Governo. “Todos os cenários são possíveis. Desde os resultados não serem aceites, a inventarem uma situação de intervenção de um país estrangeiro, ou mesmo aceitarem a derrota. Eu até acredito que este último possa acontecer de forma passageira, porque seria uma forma de ‘limpar’ a imagem do regime ditatorial que se tem do país na comunidade internacional.”

O conselheiro frisa que “há muitos factores a considerar”: “A Assembleia Nacional continuará ‘na mão’ do Presidente Maduro e a tomada do mandato presidencial é só daqui a seis meses. Por outro lado, a oposição venezuelana tem muitas debilidades. Neste momento, está unida porque o objectivo é tirar Maduro da presidência, mas a oposição é muito diversa do ponto de vista de ideologia política, o que na hora de governar se pode provar difícil."

Para além do resultado, este domingo marca um passo importante, frisa ainda. “O país merece umas eleições livres, limpas. Há muitos anos que estamos à espera de um despertar no país.”

Para María Fátima de Pontes, o sonho é que “o mundo saiba que a Venezuela pode ser e será melhor”. “Temos de acreditar que pode existir uma Venezuela próspera. E se volta a Venezuela que todos queremos, muitas pessoas vão voltar também.”​

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