Netanyahu quer esperar por Trump, Biden quer ter o fim da guerra no seu legado
Há semanas que os jornais israelitas descrevem um primeiro-ministro “a ganhar tempo até Novembro, correndo contra o relógio, na expectativa de uma vitória de Trump.
Quando Joe Biden anunciou que desistia da reeleição, no domingo, faltavam poucas horas para Benjamin Netanyahu partir de Telavive com destino a Washington para um discurso no Congresso e uma semana de encontros de alto nível: os três principais mantêm-se, mas dois dos seus interlocutores, o Presidente e a sua vice, Kamala Harris, mudaram de estatuto. Para o primeiro-ministro israelita, o encontro mais importante seria o terceiro, com Donald Trump, mas a decisão de Biden também pode tê-lo obrigado a perceber que talvez seja demasiado cedo para apostar tudo numa derrota democrata em Novembro.
Até Janeiro, será Biden a controlar “a entrega de munições norte-americanas a Israel, bem como o nível de apoio diplomático dos Estados Unidos nas Nações Unidas, numa altura em que o escrutínio global de Israel raramente foi tão alto”, escreve o diário The New York Times. “É claro que Netanyahu beneficia de um Biden fraco”, mas também “precisa dele”, disse ao jornal Mazal Mualem, comentadora israelita e biógrafa do primeiro-ministro.
Na verdade, vários analistas consideram que este novo Biden, que reaparecerá no exercício de funções precisamente para receber Netanyahu, esta quinta-feira, será um chefe de Estado menos enfraquecido do que este esperava encontrar.
Biden acaba de se tornar um Presidente lame duck (“pato manco”, expressão usada para titulares de cargo em fim de mandato) especial: em vez dos habituais dois meses, entre Novembro e Janeiro, tem seis meses para encerrar a sua presidência, um período em que a certeza da partida fragiliza, mas também liberta.
“Se olharmos para os próximos seis meses, uma das coisas mais importantes para Biden é acabar com a guerra em Gaza, chegar ao dia depois”, disse ao jornal Financial Times Dennis Ross, diplomata e membro do think tank Washington Institute for Near East Policy. “De certa forma, esta Administração vai ter mais liberdade para o fazer e as pessoas que a integram vão ter ainda mais sentido de missão para o conseguir.”
Há semanas que os jornais israelitas descrevem um primeiro-ministro “a ganhar tempo até Novembro, correndo contra o relógio, na expectativa de uma vitória de Trump e de uma administração republicana que colocaria menos restrições a Israel do que a actual no que diz respeito à condução da guerra” (The Jerusalem Post).
Isso explicaria a decisão de acrescentar novas condições ao acordo negociado pelos EUA para impor um cessar-fogo em troca da libertação dos reféns, na atitude “mais descarada e perturbadora do que tudo o que [Netanyahu] fez antes”, escreveu o jornal digital Politico, notando que isso aconteceu logo depois de o Hamas deixar cair a exigência que até então era o maior obstáculo a um entendimento, aceitando deixar o fim da guerra para uma fase posterior das negociações.
Em teoria, a capacidade de Biden pressionar Netanyahu diminuiu; na prática, o líder israelita já agia como se Biden estivesse de partida – e agora tem de adaptar a sua estratégia à candidatura de Harris.
A vice-presidente fez críticas duras a Israel (alguns analistas falaram numa estratégia “polícia bom, polícia mau”, por parte da Casa Branca) e poderá atrair algum eleitorado jovem e progressista, crítico do apoio a Israel, mas, no essencial, “é uma democrata moderada com fortes laços na comunidade judaica”, resume o Jerusalem Post. O maior constrangimento actual de Biden será mesmo não prejudicar a sua candidatura.
Biden, escreve o colunista Herb Keinon no diário israelita, também sabe que Netanyahu – e o mundo – esperam menos dele. E é precisamente por isso, sugere, que “pode muito bem usar a reunião com Netanyahu para pressionar publicamente o primeiro-ministro, demonstrando ao mundo que ainda está no comando”.