Ranking quê?

Os rankings escolares, além de inúteis, são perversos e injustos.

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Provavelmente, não há nada que não tenha já sido dito sobre o assunto, mas esta excitação anual com o ranking das escolas não deixa de causar sempre alguma perplexidade a quem tem consciência da sua futilidade e insanidade intelectual e moral.

O que é uma boa escola segundo estes rankings? A resposta não é diferente da boutade atribuída ao psicólogo Alfred Binet quando lhe perguntaram o que é ‘inteligência’. Terá respondido: “Inteligência é o que os meus testes medem.” E que medem os rankings das escolas? A resposta é também semelhante àquela que foi dada por alguém numa conferência, no Canadá, há cerca de duas décadas, com ironia: “Os testes estandardizados são medições maravilhosamente exactas do tamanho das casas à volta da escola”, das profissões dos pais, das suas marcas de automóvel, etc., colocando as escolas num ranking que as agências imobiliárias sabem utilizar… Há dias, o director de um Agrupamento de Escolas disse, com muito acerto, que os rankings são uma forma de “publicidade gratuita para as escolas privadas”.

O contexto histórico-político do aparecimento dos rankings e dos seus tests é o chamado ‘neoliberalismo’, termo que se generalizou a partir dos anos 1990, no contexto da expansão da globalização, para designar uma ideologia de amplo espectro, geralmente com uma conotação negativa. Com efeito, o neoliberalismo apresenta-se como ideologia do “mundo livre”, do progresso social através da liberalização e privatização da economia, com vantagens para tudo e para todos. A sua ‘causa’ não é, todavia, a liberdade das pessoas, mas sim a liberdade dos mercados, de circulação de mercadorias, serviços e capitais. É um fundamentalismo económico, um hipercapitalismo, cujo mundo é um mercado sem fronteiras nem escrúpulos, através do enfraquecimento e submissão dos Estados e da instrumentalização das pessoas, reduzidas à condição de mão-de-obra e consumidores, cuja utilidade conta mais do que a sua dignidade. Resumindo: o economicismo neoliberal absolutiza a economia e relativiza a política, a dignidade humana e a justiça social. Tem uma lógica coisificante potencialmente tão bárbara como o biologismo nazi. ‘Capital humano’ é, de resto, uma expressão com uma lúgubre ressonância nazi e estalinista.

Na educação, o neoliberalismo exacerbou o debate público-privado e desencadeou uma onda de políticas de privatização, com argumentos económico-financeiros e político-ideológicos: redução da despesa pública, liberdade de escolha, igualdade de oportunidades, qualidade das aprendizagens. No entanto, da diversidade de muitos estudos levados a cabo em vários países pode-se concluir que, globalmente, a privatização da educação não tem obtido o sucesso prometido. O neoliberalismo na educação pressupõe dogmaticamente a superioridade do público sobre o privado; perverte a dimensão-liberdade e empobrece a dimensão-social da educação; estimula a concentração da função da escola na preparação para o testing e fomenta a sua manipulação para favorecer o seu ranking; é propício a práticas de afastamento de estudantes que possam prejudicar a classificação da escola, isto é, que não contam como ‘activos’ mas como ‘passivos’; promete mais equidade, mas agrava a desigualdade, pois acaba por converter o capital económico e social em capital cultural, aumentando a discriminação e exclusão. Em suma: as políticas neoliberais são redutoras da integridade do conteúdo normativo do direito à educação, da globalidade pessoal e social da missão da escola e da plenitude do profissionalismo docente.

Pasi Sahlberg, que tem sido o mais mediático embaixador, talvez, do ‘milagre’ escolar finlandês, qualificou a onda neoliberal na educação como uma “expansão viral” infecciosa que se tornou “uma nova ortodoxia educacional”. Epidemia e ortodoxia promovidas pela OCDE através dos seus programas internacionais de avaliação das aprendizagens escolares, o mais conhecido dos quais é o PISA [1]. Todavia, segundo uma das suas publicações, se “os estudantes que frequentam escolas privadas tendem a obter resultados significativamente melhores nas avaliações”, os “estudantes de escolas públicas em contexto socioeconómico similar ao das escolas privadas tendem a obter resultados igualmente bons”. De resto, “não há provas que sugiram que as escolas privadas ajudem a elevar o nível dos resultados do sistema escolar como um todo”. Na realidade: “Países com uma ampla percentagem de escolas privadas não obtêm melhores resultados no PISA.”

Os rankings escolares, além de inúteis, são perversos e injustos. No topo de qualquer avaliação da qualidade da educação escolar – que tenha como critério a qualidade da educação como direito humano – devem estar as escolas que, cercadas por desigualdades sociais politicamente injustas, conseguem, utilizando linguagem bíblica (Mateus 3:9), fazer das pedras “filhos de Abraão”...

Os estudantes das escolas privadas conseguem frequentemente melhores resultados que os das escolas públicas. No entanto, essas escolas têm geralmente condições mais favoráveis: qualidade das instalações; número de estudantes por turma; preparação, horário, assiduidade e, eventualmente, remuneração dos professores e professoras; recursos de aprendizagem, etc. E há variáveis inobserváveis, como o contexto familiar.

Há uma frequente tendência para valorizar mais a educação privada que a educação pública. Tem uma dupla explicação, talvez: por um lado, está associada à ideia geral de superioridade do que é ‘privado’, porque não é para todos; por outro, a qualidade da educação pública é frequentemente muito insatisfatória. Em contraponto está a conotação política do ‘público’ com ‘esquerda’ e do ‘privado’ com ‘direita’.

Considerando que as vantagens e desvantagens comparativas da educação pública e privada podem ser atribuídas sobretudo às respectivas diferenças de encargos, meios e condições, uma alternativa às deficiências da educação pública e às inconveniências da educação privada pode ser:

  • investir em todos os factores da qualidade da educação como serviço público para a satisfação do direito à educação, nomeadamente noutra visão da profissão docente;
  • integrar na educação pública os benefícios de uma autonomia profissionalmente competente, propícia à criatividade e fonte de qualidade.

Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), criticou os "critérios simplistas" usados para ordenar as escolas tendo em conta apenas os resultados dos alunos nos exames nacionais, lembrando que existem muitas outras variáveis.

Os directores escolares criticam a divulgação de 'rankings' de escolas, defendendo tratar-se de um retrato parcial que serve como "publicidade gratuita para os privados" sem mostrar realmente a qualidade e trabalho feito nos estabelecimentos de ensino.

[1] Numa carta dirigida ao secretário-geral da OCDE, comentando os resultados do PISA 2012, o secretário-geral da Internacional da Educação (a maior federação internacional de organizações profissionais no campo da educação) conclui, designadamente: "Se for tida em conta a origem social dos estudantes, há pouca diferença entre o rendimento das escolas do sector privado e do sector público." Uma perversidade do PISA é o seu efeito redutor do conteúdo normativo do direito à educação.

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