Crise no alojamento estudantil em Portugal: camas (não) vão faltar

Numa sociedade em que a formação é um requisito, Portugal aposta na qualidade mas corta na quantidade. Os valores das rendas para estudantes são um dos principais motivos para a desisistência.

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Me Paulo Pimenta
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Quando entrei no Ensino Superior em 2013, em Medicina Veterinária no ICBAS, recordo-me que fui provavelmente o último dos meus amigos a procurar casa para viver no Porto. No mesmo dia em que vim à cidade com uma amiga para procurar casa, acabamos por escolher a primeira opção que visitámos, que na altura era um absurdo: 450 euros por um T2 na rua Cândido dos Reis, colado à Torre dos Clérigos. Hoje em dia, 11 anos depois, o quarto onde dormi durante dois anos é alugado a 129 euros por noite. Olhando para esta fonte de rendimento brutal, os poucos senhorios que arrendam a estudantes sentem-se tentados a aumentar as rendas. E eu compreendo.

Em cidades maiores como o Porto ou Lisboa, os preços dos arrendamentos privados dispararam, reflectindo uma especulação imobiliária desenfreada e uma falta de regulação eficaz. Assim, é simples dizer maior inimigo do estudante em Portugal é o turista. O maior poder de compra destes últimos obriga os jovens portugueses a aceitar condições de habitação cada vez piores de forma a conseguir arcar com o custo do arrendamento — custo este que muitas vezes ultrapassa os 50% do seu rendimento mensal, o que é insustentável a longo prazo. Os estudantes começam a ser partilhar quartos com quatro pessoas, a fazer uso de cozinhas incompletas, sem espaço de armazenamento de comida suficiente, sem condições térmicas ou recurso a água quente.

A crise do alojamento estudantil em Portugal tem atingido proporções alarmantes, revelando-se para alguns estudantes um obstáculo significativo para o acesso e permanência no Ensino Superior. Se por um lado, a tendência geral é a de abertura de um número de vagas cada vez maior no Ensino Superior, por outro, a oferta de residências estudantis públicas é extremamente limitada, não acompanhando o crescente número de matrículas. Esta situação coloca os estudantes e suas famílias sob uma pressão financeira insustentável, comprometendo o futuro académico de muitos.

Por outro lado, temos um aumento de 25% de estudantes com o estatuto trabalhador-estudante ao longo dos últimos cinco anos. Estes tópicos têm alguma relação? Sem dúvida, tendo em conta o cenário actual. É um esforço por parte dos estudantes, muitas vezes dificultado pela falta de respeito pelo estatuto tanto pelas universidades como pelas empresas, mas não deixa de ser injusto, sobretudo para quem frequenta o Ensino Superior pela primeira vez. O trabalho e o estudo competem, sobrecarregando o estudante, e é impensável obrigar a escolher entre um e outro. Mas acontece.

Contudo, há uma pequena esperança. O Conselho de Ministros aprovou, em Maio, duas medidas com algum impacto neste campo: alunos não-bolseiros passarão a receber 50% do apoio ao alojamento a estudantes universitários deslocados e o estabelecimento de parcerias com Pousadas da Juventude e a Fundação Inatel para o reforço de 709 camas a nível nacional. Junta-se ao Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior que prometia, até ao final de 2026, a disponibilização de 18 mil camas para estudantes deslocados — apesar de ter falhado as suas metas em 2020, 2021 e contemplar obras com início atrasado desde 2022.

Para já ficamos com um plano útil mas não passa de um remendo numa manta que está demasiado rota.

Neste momento sou estudante de Medicina no ICBAS e sou trabalhador estudante. Na Medicina, quando não sabemos a causa de uma patologia ou não tem cura, fazemos tratamento sintomático (aliviamos os sintomas da doença sem resolver a causa). Não sei se no caso da crise estudantil estamos a aplicar o tratamento sintomático porque não temos cura, ou não queremos saber da causa.

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