Direita espanhola em guerra: Vox abandona executivos regionais onde governa com o PP

Dirigentes conservadores querem evitar eleições e admitem governar em minoria. Abascal justifica ruptura com o acolhimento de dezenas de menores migrantes não acompanhados.

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Santiago Abascal acusa Feijóo de "romper unilateralmente" os acordos JON NAZCA / REUTERS
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Santiago Abascal assumira o colapso dos governos das cinco comunidades autonómicas onde o partido de direita radical e extrema está coligado com o Partido Popular, mas foi preciso esperar pelas 21h30 (hora local, 20h30, em Portugal continental) para que o líder do Vox fizesse o anúncio oficial. Todos os dirigentes que integram estes executivos (como vice-presidentes ou conselheiros, o equivalente a ministros), vão abandonar os seus cargos, enquanto os deputados dos parlamentos vão passar para a a oposição, afirmou, deixando o PP a ter de decidir se governa em minoria ou se avança para eleições antecipadas.

Segundo Abascal, terão sido os conservadores a “romper os acordos” que estiveram na base dessas alianças quando aceitaram (muito a contragosto) participar na distribuição de menores migrantes não acompanhados acordada com as ilhas Canárias, onde há neste momento 6000 crianças sozinhas (três vezes mais do que a capacidade do arquipélago).

Em causa estão, segundo a imprensa espanhola, 209 crianças e adolescentes, o suficiente para o líder do Vox acusar o PP de "continuar uma política de fronteiras abertas e de invasão de menores".​ A secretária-geral do PP diz que cada uma destas regiões vai acolher “entre dez e 30 menores não acompanhados”, acusando o Vox de “irresponsabilidade”. Na opinião de Cuca Gamarra, trata-se de uma reacção "absolutamente desproporcionada”, que mais soa a “desculpa”.

O próprio Abascal referiu-se à questão dos menores como a gota de água que fez transbordar o copo. "Cedemos demasiadas vezes para salvaguardar estes governos que conseguiram coisas importantes e procurámos criar uma alternativa nacional ao Governo corrupto, mas ninguém pode governar com quem quer impor", afirmou Abascal, referindo-se ao PP e ao seu líder, Alberto Núñez Feijóo, que acusa de ter tomado uma decisão “unilateral”, sabendo que o Vox se opunha.

"Pareceu-lhe conveniente negociar com esse autocrata", disse, numa referência ao chefe do Governo de Espanha, o socialista Pedro Sánchez.

“Imolam-se com medo de Alvise”, sugeriu um dirigente conservador citado pelo jornal El Mundo num texto onde se explica como os presidentes destas comunidades já tinham começado a desenhar o “dia depois” (face às ameaças de Abascal)

Alvise é Alvise Perez, o influenciador digital de extrema-direita, antigo apoiante do Vox, que fundou o partido Acabou-se a Festa, conseguindo obter três lugares nas eleições europeias de Junho, numa votação em que o Vox passou de quatro para seis eurodeputados, mas manteve a tendência de perda de votos, baixando para 9,6% em relação aos 12,4% que teve nas eleições gerais de há um ano.

Ver Alvise irromper assim no Parlamento Europeu, com um movimento fundado a 30 de Abril, terá deixado Abascal muito desconfortável e pode ter desencadeado esta mudança de estratégia. Isto numa altura em que ainda tentava recuperar da desilusão de não ter chegado ao Governo nacional, em aliança com o PP: a entrada nos governos regionais deveria ter servido para abrir caminho a esse objectivo, frustrado porque os dois partidos não somaram votos suficientes e Sánchez conseguiu apoios para governar.

Aprovação de Feijóo

Apesar de Abascal acusar Feijóo de ter “tentado desde o início impedir os pactos regionais” negociados com o seu partido depois das autonómicas e municipais de Maio de 2023, a verdade é que foi o líder popular a assumir normalizar a formação extremista, fechando os acordos de governação em quatro regiões autonómicas e em mais de 140 municípios.

A primeira experiência acontecera ainda em 2022, em Castela e Leão, apesar das dúvidas do então presidente do PP, Pablo Casado, mas com a aprovação de Feijóo, que assumiria a liderança do PP poucas semanas depois do anúncio do acordo.

Os dirigentes do PP nestas comunidades mostraram-se atónitos com os argumentos do Vox, sublinhando que os acordos entre os dois partidos não incluem políticas de imigração ou de asilo – uma competência do Governo nacional, apesar de as autonomias assumirem algumas responsabilidades, nomeadamente em políticas sociais e laborais.

Em Múrcia, o acordo de governabilidade “está a ser cumprido ponto por ponto”, garantiu o porta-voz Marcos Ortuño, numa conferência de imprensa depois da reunião semanal do executivo, que foi boicotada pelos dois conselheiros (equivalente a ministros) do Vox. Segundo Ortuño, o acordo de 30 pontos só faz uma breve referência à imigração, quando fala na intenção de apostar “na coordenação da polícia local e das forças e corpos de segurança do Estado para prevenir a criminalidade, erradicar eficazmente a acção dos bandos organizados e lutar contra as máfias de imigração ilegal”.

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