Kabuki: uma viagem pela cozinha japonesa com um toque cada vez mais português
Com uma estrela Michelin, numa cozinha de fusão onde os sabores de diferentes continentes se cruzam, o chef Sebastião Coutinho admite que “o mais difícil é trabalhar a essência”.
Esqueça o sushiman que está de pé à sua frente a cortar finamente o peixe cru ou a finalizar um prato que chega da cozinha interior. No Kabuki Lisboa, Sebastião Coutinho parece passear por entre a equipa, com desenvoltura e muita simpatia, conversando com os clientes que escolheram sentar-se ao balcão, fazendo as suas recomendações. Contudo, o chef-executivo está atento a todos os pratos, bem como à fluidez com que tudo corre na sala, fazendo discretamente um apontamento aqui ou ali. É essa a função de um chef: ser gestor de uma equipa.
No restaurante que conquistou uma estrela Michelin poucos meses depois de abrir em Lisboa, em 2021, Sebastião Coutinho explica o conceito: trata-se de cozinha de fusão, onde a gastronomia japonesa se junta aos sabores mediterrânicos e, desde que assumiu a cozinha, a intenção é "aportuguesar" a carta. Tem sido esse o desafio, declara. A experiência neste espaço de fine dining, que nasceu em Espanha, onde também as estrelas Michelin o agraciam, pode ser à la carte ou escolhendo um menu de degustação, de seis a oito momentos. Há ainda menus executivos, apenas ao almoço.
A experiência da Fugas começa no bar, que fica no piso intermédio. O espaço está dividido em três andares. No primeiro fica o restaurante que acolhe os almoços (menu executivo 45€), com janelas largas e vista para o Parque Eduardo VII. No intermédio, está o bar Kikubari, onde nomes de cocktails conhecidos têm um twist japonês, como o Bloody Wasabi (um Bloody Mary onde o wasabi, yuzo e teriaki convivem com o vodca, 16€) ou Kabuki Pisco Sour (com matcha, 16€). Por fim, na cave, sem um único ponto de luz natural, fica o restaurante que acolhe os jantares.
Por detrás do balcão, onde os sushimen trabalham, há um enorme painel colorido que representa os cinco elementos, entre estes está o éter, descreve Sebastião Coutinho, que começou a sua carreira no Kabuki mal este abriu, como sous chef, mas ascendeu com a saída de Paulo Alves, no final do ano passado. A carta agora apresentada tem o seu cunho, orgulha-se. "A mudança foi 'aportuguesar', trabalhar mais a sazonalidade, os nossos sabores com técnica japonesa", resume.
E, voltando ao painel, o chef explica a filosofia do Kabuki, localizado no Hotel Ritz: "O éter é o vazio, é as pessoas ficarem-se pelo essencial porque o mais difícil é trabalhar a essência", diz. E a "essência" são os produtos que chegam à mesa e os sabores que conquistam com a intervenção humana. Esta é uma cozinha consensual, por exemplo entre os clientes japoneses? Sebastião Coutinho admite que os "mais puristas" podem não gostar, mas que tem tido boas reacções. Há os que ficam "deslumbrados e os coreanos também gostam", acrescenta, ressalvando que cerca de 60% dos clientes são portugueses, muitos já habituais, que pedem à la carte, num menu extenso em opções. "Muito versátil", reforça.
A proposta para a Fugas é experimentar o menu de seis momentos (125€); existe o "ampliado" com oito momentos (150€); e dois veganos (100€ para os seis momentos e 120€ para o "ampliado"). Há ainda a experiência de harmonização dos vinhos, da responsabilidade do sommelier Miguel Ribeiro, que varia entre os 90€ e os 105€ — vinhos que vão dos nacionais aos espanhóis e franceses.
E a experiência começa com a chegada de uma caixa negra rectangular em laca que é aberta à nossa frente. Lá dentro estão seis aperitivos que são descritos, um a um, por Gabriel, que também nos recomenda o modo como se comem: de baixo, ao centro, seguindo o movimento dos ponteiros do relógio, para terminar com um limpa-palato, que nos prepara para o próximo prato, um salmonete com algas, que "extrai todos os sabores do oceano", define Sebastião Coutinho. Miguel Ribeiro serve um Bourgogne blanc.
De seguida, chega em simultâneo o akami (a parte mais magra do atum) com caviar, e lírio dos Açores à Bulhão Pato, onde as amêijoas não foram esquecidas. Para acompanhar o carabineiro com molho feito com as cabeças dos mesmos e o arroz de sushi, o sommelier serve um vinho fortificado "super-seco e oxidado", descreve, com uma média de idade de 80 anos, de Jerez de la Frontera. De seguida, Miguel Ribeiro chega com uma caixa cheia de copos de sake e convida-nos a escolher um, no qual verte a bebida fermentada. É então que é apresentado um conjunto de nigiris — de sardinha (lembra as sardinhas na grelha), de barriga de lírio (inspirado no Algarve, com muxama ralada), de atum (com um toque à Brás) e de gamba fresca.
Sebastião Coutinho regressa ao balcão para ensinar a comer os nigiris. "Com a mão e o peixe tem de tocar na língua, ou seja, tem de fazer uma reviravolta", descreve, ao mesmo tempo que faz o gesto. E o sake? "É ir bebendo", responde com um sorriso. Para finalizar chega um nigiri com um ovo de codorniz estrelado e trufa — este não sai da carta devido ao seu sucesso, tal como o carabineiro, reconhece.
À noite são servidos cerca de meia centena de jantares e a equipa é constituída por perto de 30 pessoas. Como se mantém uma equipa motivada? "Inovamos todos os meses e isso é divertido e motivante", responde o chef, acrescentando que é preciso angariar, formar e manter as pessoas, com "iniciativa e paciência". O ambiente é bom, resume.
O fim aproxima-se com a chegada da sobremesa, que é também daqueles momentos em que não se mexe, uma versão do pastel de nata onde a canela e o açúcar em pó não foi esquecida. A estrela Michelin foi conquistada "antes do tempo", avalia Sebastião Coutinho, agora é para manter — o exemplo vem do Kabuki Presidente Carmona, em Madrid, que abriu em 2000, conquistou a estrela em 2008 e nunca a perdeu. "A autenticidade conta muito", conclui o chef.
A Fugas foi convidada para experimentar o Kabuki Lisboa