Sonho europeu de Portugal acabou devolvido pelo poste

Pelo segundo jogo seguido, o destino da selecção no Euro 2024 decidiu-se no desempate por penáltis. Desta vez, Diogo Costa foi apenas humano, tal como João Félix. Aproveitou a França

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Lisi Niesner / REUTERS
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A despedida de Pepe da selecção (com lágrimas). A despedida de Cristiano Ronaldo dos Europeus (sem lágrimas). A despedida de Portugal do Euro 2024 (com frustração q.b). No fim de 120 minutos de futebol e de nove grandes penalidades (0-0 e 3-5), foi isto que sobrou em Hamburgo, nos quartos-de-final do torneio, diante de uma França que soube especular com o jogo e aceitar o risco de um desempate da marca dos 11 metros. O sonho da selecção portuguesa, acalentado por milhares de adeptos incansáveis e de garganta oleada, acabou por ser devolvido pelo poste.

Instantes antes do apito inicial, quando a escolha de campo e bola obrigou a uma troca de trincheiras, Diogo Costa deteve-se durante alguns segundos à conversa com Rafael Leão. Para reforçar as indicações que traziam do balneário? Não sabemos, mas ficou claro desde o início que o extremo do AC Milan tinha via verde para acelerar pelo corredor esquerdo sem limite de velocidade.

O plano de jogo passava muito por atrair o adversário à direita (ou centro/direita) para depois poder servir Leão à esquerda, com ou sem ajuda de Nuno Mendes. E mesmo sem variar o centro do jogo com a diligência que se pedia, Portugal conseguiu colocar Jules Koundé e companhia em sentido, quase sempre com movimentos verticais.

Acabava por ser natural, tendo em conta que o 4x3x1x2 da França, com Griezmann como pivot e a pressionar Palhinha na saída de bola, se dispunha muitas vezes em losango no meio-campo, “oferecendo” a largura ao adversário. E se pela direita Portugal não foi tão expedito (até porque a sombra de Mbappé aconselhava prudência), foi insistindo pelo lado contrário.

De resto, o espaço entre Koundé e Upamecano, sempre que falhavam as ajudas de Kanté ou Tchouaméni, era um chamariz para Leão, mas também para Bruno Fernandes e Vitinha, quando conseguiam invadir o espaço entre linhas. E foi num desses momentos que o médio do Manchester United atirou com relativo perigo, de fora da área, para um desvio que resultou em canto.

Havia um pouco mais iniciativa de Portugal, a contrariar a tónica dos cinco primeiros minutos, mas a França também procurava situações de superioridade nos corredores, especialmente o direito. Quando chegava com bola ao último terço, fazia-o em bloco, baixando Kanté ou Tchouaméni para entre os centrais com o intuito de subir os laterais — foi assim que Théo Fernández testou a atenção de Diogo Costa, aos 19’, com um remate de fora da área.

Para o bem e para o mal, confirmava-se, Portugal não abria mão do seu mapa de previsibilidade, quer nas escolhas para o “onze”, quer na estratégia para o jogo. A única verdadeira surpresa surgiu já aos 42’, quando foi quebrado o monopólio de Cristiano Ronaldo no negócio dos livres directos — desta vez, bateu Bruno Fernandes e a bola saiu por cima da trave da baliza.

Chegava ao fim uma primeira parte praticamente sem balizas, em que o receio de errar pesou sempre mais do que a coragem para provocar o erro. Compreensível, dado o contexto, mas a este nível esperar por uma asneira daquelas que se cometiam no recreio, no intervalo das aulas, é simplesmente desafiar a lógica.

Felizmente para os adeptos — e os de Portugal estiveram irrepreensíveis no apoio à equipa — a dinâmica foi outra no segundo tempo. Vitinha decidiu usar a varinha de condão (e quase marcou aos 63’, após combinação com Leão ) e João Cancelo ofereceu a Bruno Fernandes um encontro imediato com Maignan (61’). O preço a pagar pelo descaramento foram dois quase-golos da França, da quase-autoria de Kolo Muani (valeu o corte de Rúben Dias) e de Camavinga (valeu a sorte).

Isto, sim, já era algo que se assemelhava a um Portugal-França, um poço de talento com alguns baldes a chegarem à superfície. Dembélé já tinha dado descanso, entretanto, a Griezmann e, por conseguinte, dores de cabeça a Portugal. Aos 75’, foi a vez de Roberto Martínez renovar a ala direita, com Nelson Semedo e Francisco Conceição, abdicando de Bruno Fernandes.

Se era velocidade e verticalidade que Portugal queria dar ao jogo, a França tinha como responder e, aos 86’, Thuram saltou para o relvado, sem ser necessário mexer na estrutura (saiu Kolo Muani). E só não fez estragos aos 90’ porque Pepe foi apagar uns algarismos no cartão de cidadão e voltou a tempo de o desarmar no momento de remate, depois de um sprint em campo aberto.

Siga para prolongamento e para nova alteração, com Fofana a render Camavinga, depois de Ruben Neves ter ocupado o lugar de Palhinha. Mas seria Conceição a fazer tremer os alicerces da defesa francesa, com uma arrancada que só não deu golo porque Ronaldo rematou para onde estava virado — e, convenhamos, neste Europeu esteve poucas vezes virado para a baliza.

Pelo menos do ponto de vista anímico, foi importante para manter o adversário em sentido, até porque o plano francês já se cingia apenas a ataques rápidos, como o de Dembélé aos 96’, que terminou em hesitação em vez de finalização.

O cerco tinha sido montado por Portugal, mas isso não significa que não fosse necessário repelir uma ou outra tentativa de invasão francesa. Mesmo com o ariete Mbappé a dar a vez a Barcola, aos 105’, todas as precauções eram poucas. E o mesmo terá pensado Maignan a respeito de Conceição, que inventou um cruzamento para a cabeça desgovernada de João Félix, já no espaço de Leão.

Um último fôlego de parte a parte, reservado para os derradeiros instantes, serviu apenas de rampa de lançamento para o desempate por penáltis. Aqui vamos nós outra vez, só que desta feita Diogo Costa, o segredo mais bem guardado da selecção portuguesa, já estava nas bocas da Europa. Os franceses estavam avisados, iam ser precisos nervos de aço, até porque voltou a ser escolhida a baliza debaixo dos inexcedíveis adeptos portugueses.

Dembélé quebrou o enguiço e a partir daí foi mais fácil. Vieram Fofana, Koundé, Barcola, Theo Hernández. E pelo meio houve Ronaldo, Bernardo Silva, mais tarde Nuno Mendes, e um poste que, com João Félix como intermediário, se interpôs entre Portugal e as meias-finais do Euro 2024.

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