No Reino Unido, um voto contra o sistema

Sem entusiasmar, sem prometer muito, Keir Starmer tem, assim, condições únicas para mudar o sistema e reparar tanto mal feito.

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Sem que as urnas tenham fechado, não há muitas dúvidas de que o Labour pode vir a conquistar uma maioria no Parlamento britânico como não se conhece há mais de um século. Olhando para o que se passou em França, e se tem vindo a passar em outras geografias, alguns tenderão a saudar a vitória trabalhista como a palmeira que, se não faz um oásis, poderá mostrar que nem tudo está perdido para as forças mais ao centro do espectro político.

Mas mesmo que o Labour seja um dos partidos tradicionais do Reino Unido, isto poderá ser uma ilusão, porque claramente prossegue a tendência de derrota estrondosa de quem está no poder e o resultado acaba também por corporizar um voto contra o sistema, seguramente contra o sistema conservador que governou o país nos últimos 14 anos.

Por muito que queiramos ler tendências gerais, cada eleição e cada país tem a sua história própria e os tories contribuíram decisivamente para uma história singular, que leva a que 48% dos inquiridos numa sondagem do YouGov tenham afirmado que votam nos trabalhistas, porque querem “mandar os tories embora”. Ninguém fala dele, mas o “Brexit”, que prometia amanhãs a cantarem em inglês, é a mais desastrosa decisão que passará como uma derrota para a história. Mas há outras boas razões para esta rejeição.

Desde logo, a vida conturbada do próprio Partido Conservador, com os seus primeiros-ministros bizarros, como Truss ou Boris, ou as constantes guerras e traições internas, que são sempre bom material para tablóides, mas não para cultivar a confiança dos eleitores.

Por outro lado, há uma série de indicadores que, seja por causa do “Brexit” ou da governação conservadora, mostram que estes últimos anos não deixaram saudades. Como a economia, a produtividade ou os rendimentos, estagnados desde a crise de 2008, ou a qualidade dos serviços públicos, que se tem vindo constantemente a degradar. Mesmo bandeiras conservadoras como a baixa dos impostos – a carga fiscal mais alta dos últimos 70 anos em percentagem do PIB – ou a central questão da imigração – a subir desde 2019 e a atingir recordes – ajudam a perceber como se chegou a uma derrota conservadora desta dimensão.

Sem entusiasmar, sem prometer muito, Keir Starmer tem, assim, condições únicas para mudar o sistema e reparar tanto mal feito. Esperemos que comece pelo pecado original, o “Brexit”, se não para o redimir, pelo menos para voltar a aproximar o Reino Unido do continente a que pertence.

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