Mendonça Mendes sobre suplemento às polícias: “Sou mais favorável a que se valorizem salários”

Falha nas negociações é “bom exemplo entre a facilidade de anunciar e a dificuldade de governar”. Mendonça Mendes avisa que “não há dinheiro” para tratar todos os funcionários públicos por igual.

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António Mendonça Mendes lembra que o PS ofereceu ao Governo ajuda para aprovar um orçamento rectificativo para acomodar aumentos para professores, polícias, SNS e oficiais de justiça. Rui Gaudêncio
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Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, o ex-adjunto de António Costa, António Mendonça Mendes, não adianta como o PS vai votar, nesta quinta-feira, as propostas do Chega para os suplementos e apoios de saúde aos polícias, mas critica as palavras de Montenegro, que ameaçam atear ainda mais o fogo nas negociações. Sobre o futuro do PS, defende que os estados gerais devem servir para reposicionar o partido e estudar estratégias para reconquistar o eleitorado jovem e o do centro.

As medidas que o Governo tem apresentado com alguma intensidade faz com que haja uma ideia de que o PS paralisou. Depois das cinco medidas praticamente aprovadas, quais são as próximas?
Eu não fico excessivamente impressionado com a apresentação desses pacotes por parte do Governo; é um clássico da comunicação [política]. Mas há uma diferença entre anunciar e fazer: praticamente nada está concretizado ao nível legislativo.

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Maria Lopes,Susana Madureira Martins (Renascença)

O suplemento para as forças de segurança faz parte desses anúncios que não têm consequência?
É um bom exemplo do que é a facilidade de anunciar e a dificuldade de governar. Não tenho a menor dúvida que as negociações com as forças de segurança são seguramente muito, muito difíceis. A declaração do primeiro-ministro e os termos em que a fez [“nem mais um cêntimo”] não abonam muito para uma posição negocial de poder fechar o acordo. É para atear fogo. Mas espero sinceramente que chegue a acordo e que não coloque em causa o equilíbrio das nossas contas. Porque é que insisto com o equilíbrio das contas? Quando chego a acordo com os professores, por exemplo, todos os outros funcionários públicos que estão em igual circunstância não podem ter um tratamento relativo diferente. E é para isso que não há dinheiro.

O PS também prometeu resolver a questão dos professores e queria a equiparação do subsídio entre as forças de segurança. Nas contas certas que o PS diz ter deixado há, ou não, dinheiro para estas coisas todas?
A questão das forças de segurança é muitíssimo mais complicada. Não tem só a ver com o valor, mas com a natureza do suplemento, das funções, com o que efectivamente se está a compensar. Sempre fui muito mais favorável a que se valorizassem os salários das forças de segurança do que centrar a discussão nos suplementos.

Aquele quase apelo do Chega a um cerco à Assembleia da República para esta quinta-feira é gasolina na fogueira?
Acho isso inadmissível, e tenho a certeza que as forças de segurança não são instrumentalizadas por qualquer partido político porque são elas que garantem o cumprimento do Estado de direito. Devem, dentro dos meios legais, reagir, protestar, mas confio que não respondem a esse apelo.

Como é que o PS vai votar nesta quinta-feira as propostas do Chega para as forças de segurança, nomeadamente a do aumento faseado do suplemento?
Teremos oportunidade de fazer a votação, mas há iniciativas de diferente natureza, umas de natureza legislativa, outras de projectos de resolução.

E a do suplemento?
Veremos. O secretário-geral do PS deu toda a margem ao primeiro-ministro para que fizesse as negociações com os vários grupos profissionais, e toda a abertura para viabilizar os instrumentos que no Parlamento fossem necessários para assegurar o sucesso da negociação.

Falou dos estados-gerais do PS. Vai ser um reposicionamento do partido para reconquista do eleitorado do centro, dos jovens? Qual é o objectivo?
É muito importante que um partido como o PS esteja permanentemente em renovação dos seus quadros e da sua proposta política, faça um balanço e um exercício de perspectiva do que deve ser o país a médio prazo.

Reconquistar o eleitorado do centro deve ser um objectivo. E deve reflectir sobre os jovens: hoje nós temos um problema de comunicação com os mais jovens que não tem a ver necessariamente com a utilização de plataformas de comunicação. A geração actual não tem uma percepção sobre como é que era este país há poucos anos, onde o Estado social era objectivamente fraco, as desigualdades eram muito elevadas. O PS tem que ser capaz de transmitir aos jovens o valor de um Estado social forte; é uma tarefa mais difícil, porque esta geração, felizmente, não viveu a privação de gerações anteriores.

Temos de procurar comunicar com estes jovens que estão mais disponíveis para ouvir soluções fáceis que os partidos populistas lhes vendem, ou partidos como a Iniciativa Liberal que tem uma visão mais simplista da vida pública.

O rótulo que Pedro Nuno Santos tem de líder esquerdista, afugenta esse eleitorado?
Acho que esse rótulo é injusto. É uma caricatura que querem fazer ao secretário-geral do PS e que não corresponde àquilo que é a sua actuação como membro do Governo e ao seu pensamento político. É alguém que está preparado, que tem uma grande experiência política e que está a construir o projecto político alternativo para o PS voltar ao Governo.

Falando em esquerda, o Livre há poucos dias apelou a uma grande coligação de esquerda para as autárquicas. Vê isso como algo que acrescenta ao PS ou sente que há uma colagem ao PS?
Quando o PS entender, e se entender, que deve promover uma convergência à esquerda, tomará a iniciativa e liderará esse processo.

Mas reuniu-se com o Bloco para uma convergência de esquerda. Ao Livre não respondeu.
O PS tem uma boa relação com os partidos à sua esquerda. Uma coisa são reuniões, outra são eventuais convergências eleitorais cuja tradição não existe do ponto de vista eleitoral – mas que não vejo nenhum drama que possam existir.

Responder ao Livre para falar sobre autárquicas era dar um sinal ao eleitorado de que o PS quer estar à esquerda e que anularia aquele objectivo de chegar-se mais ao eleitorado do centro?
O PS não tem nenhum drama relativamente ao seu posicionamento ideológico, nenhum. É um partido de centro-esquerda e que consegue abarcar o eleitorado quer mais à esquerda, quer eleitorado ao centro. É assim desde Mário Soares, continuará a ser assim.

Há vantagem, ou não, de uma coligação autárquica à esquerda em Lisboa, por exemplo?
Não me vai levar a mal se eu reservar a minha opinião para o Secretariado Nacional. Mas posso dizer que a experiência de 1989 que o Dr. Jorge Sampaio inaugurou foi de sucesso.

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