ONG de direitos humanos diz que a Guiné-Bissau está a caminho de se tornar “um regime totalitário”
Liga Guineense dos Direitos Humanos escreveu a António Guterres a pedir ajuda internacional face ao clima de violência policial, raptos e espancamento de jornalistas, activistas e opositores políticos.
A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) afirmou esta quinta-feira que os alicerces do Estado de Direito democrático da Guiné-Bissau nunca estiveram tão ameaçados e denunciou a detenção de mais de 60 cidadãos de forma arbitrária no país.
A denúncia foi feita em carta aberta enviada ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, à presidente da Comissão da União Europeia, Ursula Von der Leyen, e ao Presidente da União Africana, Macky Sall, nela, a organização pede uma “intervenção mais enérgica e vigorosa da comunidade internacional sob pena de contribuir indirectamente para a instabilidade permanente, com consequências sub-regionais.
Nesta carta, a ONG de defesa dos direitos humanos avisa que as conquistas objectivamente perceptíveis ao longo do percurso democrático do país “se encontram fortemente comprometidas desde a instalação do regime político vigente, cujo propósito principal se traduz no confisco gradual dos direitos e liberdades fundamentais para instalar um regime totalitário”.
Segundo LGDH, as autoridades políticas, com o apoio das forças de segurança e do poder judicial, recorrem sistematicamente a “métodos ilegais”, tais como “violência policial, intimidações, defensões arbitrárias, raptos e espancamento de jornalistas, activistas cívicos e opositores políticos”.
“A tudo isto, associam-se discursos políticos segregacionistas e de incitamento ao ódio, que estão a corroer os alicerces da coesão social e tolerância religiosa na Guiné-Bissau”, adverte a organização. Para a LGDH é “legítimo afirmar que os alicerces do Estado de Direito democrático nunca estiveram tão ameaçados na Guiné-Bissau como agora”.
“Esta conclusão é o resultado de uma análise exaustiva e objectiva dos padrões e tendências de actuação do regime em vigor”, refere, salientando que os factos descritos apontam para “cenários imprevisíveis a breve trecho”, se se tiver em conta a “fragilidade das instituições democráticas”.
“O quadro nebuloso dos direitos humanos é ainda ensombrado por um ostensivo clima de insegurança generalizada sustentado pela crispação política, à semelhança do motim ocorrido a 1 de Fevereiro no Palácio do Governo”, que provocou 11 mortos, salienta.
A LGDH afirma que em vez de ser feita uma investigação “séria” e em “estreita observância do quadro legal”, as autoridades “pautaram-se pela instalação de um clima de terror”, que levou, nomeadamente, ao ataque à Rádio Capital, que provocou sete feridos e a “raptos e detenções arbitrárias de mais de 60 cidadãos à margem da lei”, que não estão a ter acesso a advogados. A organização refere também a “invasão ilegal às instalações privadas sem mandado de busca e revista, acompanhada de disparos com armas automáticas e gás lacrimogéneo à residência do cidadão Rui Landim”.
Há também, denuncia a organização, “perseguições, intimidações e ameaças recorrentes de morte aos activistas e dirigentes da LGDH e de outras organizações da sociedade civil, jornalistas e comentadores políticos, críticos do regime político vigente, em particular, o ex-presidente da Liga Luís Vaz Martins”. A organização denuncia também a “reactivação de um esquadrão de raptos e espancamentos, que funciona como uma espécie de milícia do regime instalado, em especial do Ministério do Interior, onde as vítimas são levadas, em última instância, para simulação e arranjos processuais”.
No dia 1 de Fevereiro, homens armados atacaram o Palácio do Governo da Guiné-Bissau, onde decorria um Conselho de Ministros, com a presença do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e do primeiro-ministro, Nuno Nabiam, e de que resultaram oito mortos. O Presidente considerou tratar-se de uma tentativa de golpe de Estado que poderá também estar ligada a “gente relacionada com o tráfico de droga”. Na sequência dos acontecimentos, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) anunciou o envio de uma força de apoio à estabilização do país.
A Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, com cerca de dois terços dos 1,8 milhões de habitantes a viverem com menos de um dólar por dia, segundo a ONU. Desde a declaração unilateral da sua independência de Portugal, em 1973, sofreu quatro golpes de Estado e várias outras tentativas que afectaram o desenvolvimento do país