Carta de amor e devoção a Fausto

Lembraremos as tertúlias, amigo Fausto. Cantaremos as tuas belas canções com a mesma entrega de sempre, como da primeira vez que soou a tua voz nas ondas da rádio na cidade de Vigo.

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Caro amigo

O barco vai de saída, mas foram tantas as travessias, conversas e aventuras juntos que ficaram gravadas na minha memória...Serei sempre grata pela aprendizagem e pela descoberta das tuas canções, que me emocionam e inspiram. Obrigada por seres parte da minha vida, por teres aceitado unir nossas vozes na canção de amor Alba, do grupo Na Lúa, lá pelo ano de 1989, no disco Ondas do Mar de Vigo, sendo eu uma jovem e entusiasmada cantora, por vires cantar solidariamente Rosalinda à Galiza das praias cheínhas de alcatrão, na era do Prestige e do Nunca Máis.

E também por ter participado no festival “Galego no mundo, Latim em pó”, promovido pela Vice-Reitoria da Universidade de Santiago de Compostela, de Elías Torres, com curadoria de Xurxo Souto e Emilio Cao, onde assistimos a um interessantíssimo e apaixonado debate sobre a portugalidade, o Brasil, a lusofonia e a nossa terra.

Desde então, muito caminho andado e muitos encontros. Lembro-me de quando, depois de um delicioso jantar n'O Dezaseis, te levei pela noite adentro para ouvir tua música que tocava e se dançava religiosamente todos os dias no bar Avante. Vi teu rosto a chorar de felicidade ao saber que Madrugada dos Trapeiros, com a capa gigante estampada em uma das paredes do bar, continuava a ser um disco de culto, venerado também pelos mais jovens. O teu legado é para sempre, não morre.

Na tua voz ecoa a terra, as luzes e sombras de Portugal, corridinhos e chulas, a África que embalaste entre ritmos e marés. O teu cântico é antigo e novo. Histórias contadas em vozes milenares, nos sons de tambores, eco de tempos, de memórias singulares, alegrias e dores, esperanças, sonhos e amores na tua obra imensa e magistral. Voz ibérica, quase peninsular, que cantaste com Luis Pastor e o eco das muitas conversas com o nosso amigo comum Suso Iglesias.

O sol ardente, o mar que te abraçou desde o berço naquele barco a caminho de Angola e ao qual regressas agora. “Ó Mar, leva tudo o que a vida me deu, tudo aquilo que o tempo esqueceu, leva que eu vou voltar, ó Mar, como quem vem e regressa ao fundo do ventre da mãe.”

Parafraseando teus versos, o que sinto agora “são saudades que eu tenho, leve memória do que já fui, que já não sou, mas se tudo levaste, leva enfim esta dor que ficou”.

Lembraremos as tertúlias, amigo Fausto. Cantaremos as tuas belas canções com a mesma entrega de sempre, como da primeira vez que soou a tua voz nas ondas da rádio na cidade de Vigo, com a vontade de mostrar como a música pode ser porto seguro onde habitam os teus mestres Adriano Correia de Oliveira, José Afonso e o José Mário Branco. Lugar aonde não chega a miséria de um mundo que está virando para a intolerância e o superficial, para os que mandam querendo ganhar. O mundo das guerras, os confrontos, os mercados, o petróleo.

Os Couple Coffee, os teus queridos Luanda e Norton, convidaram-me a participar há uns sete anos em um disco lindo de homenagem e recriação, o Fausto Food, resgatando algo não tão conhecido, mas belíssimo: Por um Bocado de Vida, que cantei na apresentação do disco contigo presente e muito contente por nos revermos.

Não tenho hoje uma rosa para ti, mas sim a lembrança do vento nordeste a soprar forte numa praia de Moledo e uma mesa com frutos do mar, histórias divertidíssimas e uma cervejinha gelada.

Até sempre, camarada! Desde meu coração e desde a Galiza, já o sabes bem, a nossa devoção eterna.

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