Portugal preso ao Europeu pelas luvas de Diogo Costa
Guarda-redes fez defesa impossível aos 115’ e parou todos os penáltis no desempate ante a Eslovénia. Um herói improvável numa noite em que a selecção voltou a falhar ofensivamente.
O alargamento do Campeonato da Europa para 24 selecções pode ser um trampolim para o futebol emergente, mas traz com ele também uma âncora, difícil de desencalhar. Um jogo dos oitavos-de-final mascarado de jogo de preparação não é a melhor bandeira para a UEFA promover o torneio, mas serviu para provar duas coisas. A primeira é que a Eslovénia (ainda) não pertence a este clube de elite, a segunda é que Portugal (ainda) não encontrou forma de contornar blocos baixos. Seja como for, alguém teria de seguir em frente e foi Diogo Costa quem manteve a selecção no Euro 2024 (3-0 no desempate por penáltis após 120 minutos sem golos), presa não por um fio, mas por quatro defesas magistrais.
Em Frankfurt, não houve surpresas nas escolhas, de um lado ou do outro. Face ao jogo anterior, Portugal mudou praticamente tudo, como se esperava, a Eslovénia só mudou uma peça (entrou Balkovec para o lado esquerdo da defesa porque Janza estava castigado), como se previa. No plano de voo, a mesma coisa: Portugal tomou conta do palco e pouco ou nada deixou ao adversário para mostrar serviço. O 4x2x3x1 de Roberto Martínez brilhava mais do que o 4x4x2 de Matjaz Kek, não por superioridade estratégica, mas pelo valor facial dos activos.
Ficou claro desde o primeiro instante que a Eslovénia não estava disposta a correr o mínimo risco. Percebeu-se isso pelo modus operandi na primeira fase de construção (batia sempre longo à procura do jogo aéreo de Sporar e das segundas bolas) e pela forma como abdicava de pressionar o portador, optando por baixar linhas e sobrepovoar o corredor central. Ia ser preciso paciência, como Bruno Fernandes tinha previsto no lançamento do encontro, mas também mais diligência com bola, mais velocidade na circulação, mais invasão do espaço entre linhas.
Acabou por ser pelo corredor direito, uma espécie de desaparecido em combate na fase de grupos, que Portugal mais criou. Bruno Fernandes (declaradamente uns metros mais à frente do que tem sido hábito), Bernardo Silva e João Cancelo procuraram Ronaldo no segundo poste e quase o encontraram em posição privilegiada, mas os centrais eslovenos já sabiam o que esperar. Eles e todos os adeptos que tenham estado atentos ao Europeu.
Com João Palhinha a fazer o papel de Adamastor, comprovando que é um dos melhores médios defensivos do torneio, e Vitinha a encarnar Pedro Álvares Cabral, descobrindo linhas de passe nunca antes exploradas, a selecção portuguesa ditava os ritmos do jogo, com e sem bola. Cristiano Ronaldo ainda ameaçou de livre directo e Palhinha, no último sopro do primeiro tempo, atirou junto ao poste, mas o intervalo chegava mesmo sem golos. Portugal, que tinha trocado de campo no arranque, não ia conseguir oferecer aos adeptos um golo na “sua” baliza.
E por falar em livres, houve segundo assalto aos 54’, com Oblak a afastar um pontapé de Ronaldo a meia altura, dez minutos depois de a Eslovénia ter feito o primeiro remate no jogo, pela estrela da companhia, Benjamin Sesko. Ainda assim, teve de ser de fora da área, porque não havia capacidade instalada para sequer pisar as zonas de definição sem uma garrafa de oxigénio.
A diferença era abissal, mas poderia esbater-se em função do risco crescente que Portugal estivesse disposto a correr. Aos 65’, Roberto Martínez trocou Vitinha (um dos melhores) por Diogo Jota para ganhar mais um activo entre linhas, baixando Bruno Fernandes para perto de Palhinha. Mas quem verdadeiramente subiu de nível foi João Cancelo, responsável pelos dribles e pelos raides que mais dores de cabeça criaram à defesa eslovena, sempre a partir do corredor direito.
O que ganhou a equipa com este ajuste? Em rigor, nada, porque a questão era simples e complexa ao mesmo tempo: para ter superioridade no espaço entre linhas, teria de juntar Bruno Fernandes a Diogo Jota e Bernardo Silva, com os laterais abertos, mas sem Vitinha em campo Palhinha precisava de ajuda no corredor central, 15 metros mais atrás. E como nenhum dos jogadores portugueses, por mais brilhante que seja, tem o dom da ubiquidade...
A Eslovénia estava confortável, limitou-se a trocar pernas cansadas por frescas (Sporar por Celar, avançado por avançado, foi a primeira substituição) e a deixar correr o marfim. Sesko ainda esticou o jogo uma ou duas vezes, mas sem que o elástico fosse suficiente para chegar à baliza do solitário Diogo Costa. E do lado contrário as muitas solicitações para o coração da área redundaram numa mão-cheia de nada.
Ia haver prolongamento, estava visto. Mas não sem antes Ronaldo, superiormente servido por Diogo Jota, ter disposto da melhor ocasião, com um remate em posição privilegiada que Oblak travou sem aparente dificuldade. O que aconteceu aos 105’, porém, já foi algo de outro nível, de parte a parte. Diogo Jota arrancou um penálti e o capitão de Portugal encarregou-se da marcação, como sempre. Oblak voltou a sair por cima, desta vez com uma defesa digna de um dos melhores da actualidade. E logo na baliza que era propriedade dos adeptos portugueses.
Diogo Costa não quis ficar atrás e aos 115’, na única vez na partida em que foi realmente chamado a depor, arrancou uma defesa impossível, que evitou uma noite (uma vida?) de insónias a Pepe, após uma perda de bola comprometedora. Afinal de contas, Sesko também não tinha trazido os golos na bagagem e para que os adeptos pudessem celebrar alguma coisa ia mesmo ser preciso avançar para as grandes penalidades.
Era, em tese, o momento da Eslovénia. No melhor dos cenários, tudo o que tinha feito durante os 120 minutos só poderia conduzir até aqui. Estavam onde queriam estar, com um guarda-redes especialista na matéria e um adversário ferido no orgulho, com a confiança em mínimos históricos.
O sorteio da baliza, pelo menos, foi favorável. A tal baliza portuguesa, lembram-se, foi para essa que se encaminharam todos. E Diogo Costa correspondeu, frustrando Ilicic. A seguir veio Ronaldo emendar o que sucedera aos 105’. E Diogo Costa voltou a voar, para desespero de Balkovec. Bruno Fernandes também não tremeu. De repente, o momentum virara e Diogo Costa já parecia três vezes maior entre os postes — Verbic que o diga, que foi o terceiro a falhar, antes de Bernardo Silva fechar as contas do sofrimento. No dia 5, é muito possível que a tormenta continue, mas agora com a França, um interlocutor à altura da ocasião.