Tony Hudgell, 9 anos, herói amputado: Medalha do Império Britânico e chá com a rainha
Com as pernas amputadas, caminhou até criar uma fundação para ajudar vítimas de maus-tratos como ele. Ao mais jovem britânico a receber a medalha juntou-se outra “heroína”: Lyla, 11 anos.
Tony Hudgell, o menino com as pernas amputadas após sofrer maus-tratos — e que angariou mais de 1,5 milhões a caminhar para ajudar o hospital que o devolveu à vida — foi uma das estrelas da tarde num chá e cerimónia com a rainha Camila, em Buckingham.
Com 9 anos, “o nosso pequeno herói”, como é chamado na fundação que leva o seu nome, foi acompanhado neste chá especial com a monarca, no Palácio de Buckingham, por outra convidada especial: Lyla O’Donovan, de 11 anos, que angariou fundos para crianças doentes enquanto lidava com um tumor cerebral raro.
O evento foi criado propositadamente para as duas crianças, porque Tony e Lyla não puderam ir a uma festa anterior para a qual tinham sido convidados, a real Festa de Jardim, que recebeu cerca de oito mil convidados. A rapariga adoeceu; o rapaz ficou preso no trânsito. “Presos na M20 nas últimas duas horas. Não vamos chegar [a tempo] à Festa de Jardim do rei”, escreveu, na altura, a mãe de Tony na rede social X. Um desabafo que não ficou sem resposta: “Lamentamos, Tony! Também estávamos ansiosos por te ver. Queres tentar novamente noutro dia? Deixa connosco...”. Bem dito, bem feito.
A dica deixada na conta oficial da família real levou a crer que o rapaz voltaria a ser convidado para uma próxima festa. Mas, para um menino especial, que, aos 5 anos, angariou 1.338.117 libras (mais de 1,57 milhões de euros) para ajudar o londrino Hospital Infantil Evelina, era preciso uma solução igualmente especial.
Assim, Tony, que o rei Carlos decidiu agraciar, no final do ano passado, com uma Medalha do Império Britânico (BEM, na sigla original), foi convidado para um chá com Camila, para o qual também foi chamada Lyla, além das respectivas famílias.
“O Tony conversou com a rainha como se fossem velhos amigos, e ela foi encantadora com ele, e [foi] um momento excepcionalmente muito especial quando a rainha deu ao Tony o seu BEM”, contou Paula Hudgell. “Gostaríamos de agradecer a todos os que fizeram deste um dos dias mais memoráveis que alguma vez teremos”.
Ao receber a Medalha do Império Britânico, Tony tornou-se o mais jovem cidadão da história com a alta distinção. Este “recorde”, aponta a BBC, pertencia até agora a Tobias Weller, um rapaz com paralisia cerebral e autismo que, também com a superação de desafios, angariou fundos (mais de 150 mil libras) para apoiar outras crianças: tinha 11 anos em 2012 quando foi agraciado com a medalha.
A outra estrela do chá real, Lyla, que no mês passado também recebeu um prémio, o de Criança de Serviços Inspiradores do Ano do Conselho de North Yorkshire, também se mostrou feliz com o convite. “Todos nos fizeram sentir tão confortáveis”, comentou. “Fizeram-me sentir superespecial, por isso, obrigada por isto”, disse a menina sobre o encontro com a rainha.
A força inspiradora de Tony
Em 2020, Tony, inspirado pelo capitão Tom Moore, que, graças às suas voltas ao jardim, apoiado por um andarilho, amealhou para o Serviço Nacional de Saúde britânico mais de 36 milhões de euros, tinha a intenção de caminhar todos os dias de Junho, até perfazer dez quilómetros, com o objectivo de angariar 500 libras (554 euros, ao câmbio da época). A iniciativa da criança tornou-se notícia por todo o mundo e acabaria por conseguir reunir mais de 1,3 milhões de libras. Até porque a história de Tony já era bem conhecida por muitos, ainda que pelas piores razões.
Com apenas 41 dias de vida, ele deu entrada no hospital, quatro dias depois de a mãe biológica ter ligado para uma linha de saúde a relatar sintomas de uma constipação. No entanto, a 18 de Novembro de 2014, como foi dito em tribunal, o bebé exibia várias fracturas (tanto nos fémures como na parte inferior das pernas, um osso deslocado na parte inferior da perna direita e no respectivo tornozelo e fracturas na base do polegar esquerdo e dois ossos do dedo grande do pé), falência múltipla de órgãos e septicemia.
Os médicos não esperavam que o minúsculo bebé sobrevivesse, mas lutaram durante seis semanas para o salvar, sendo obrigados, mais tarde, a amputar ambas as pernas do menino, do joelho para baixo.
Os pais biológicos de Tony — Jody Simpson, na época com 24 anos, e Tony Smith, de 46 anos — foram considerados culpados e condenados a dez anos de prisão por causarem ou permitirem danos físicos graves a uma criança e por actos de crueldade a menor de 16 anos — refira-se, porém, que as consequências dos ferimentos, como a dupla amputação, nunca foram relatadas no processo, tendo o tribunal tido conhecimento do facto já após a deliberação da sentença.
O processo deu origem a uma alteração da lei: desde 2022, pessoas condenadas por maus-tratos graves, que causem a morte de uma criança, podem incorrer em penas de prisão perpétua no Reino Unido; agressões que deixem danos graves passaram de um máximo de dez anos de prisão para 14.
Tony foi adoptado por Paula e Mark Hudgell, namorados de infância, que se reencontraram 22 anos depois do fim do secundário, numa altura em que, entre os dois, já tinham cinco filhos. Juntos, tiveram mais três e, depois de todos criados, decidiram ser uma família de acolhimento. Foi assim que acolheram Tony. Um ano depois, decidiram adoptá-lo. Tony tinha apenas 17 meses.
Actualmente, o rapaz é co-fundador da Fundação Tony Hudgell, que se dedica a melhorar a vida das crianças que foram afectadas por abusos físicos, emocionais ou psicológicos.