Luís Montenegro e como 4 pode ser maior do que 5
Uma semana de quatro dias com redução salarial levaria os trabalhadores mais pobres a procurarem um segundo emprego. Institucionalizar uma desigualdade classista não é, de todo, o objectivo.
No último debate quinzenal, Luís Montenegro, no seguimento dos resultados positivos da experiência da semana de quatro dias, disse que iria “aprofundar” o seu pensamento sobre o tema. Contudo, rapidamente acrescentou que a sua visão da semana de quatro dias passaria, inevitavelmente, por um de dois caminhos: a acumulação da carga horária nos restantes dias ou a redução do salário na mesma proporção. Espero que o primeiro-ministro tenha oportunidade para estudar o tema, mas fico contente por saber que não será necessário aprofundar demasiado para se aperceber que os caminhos que propõe são economicamente, socialmente e historicamente errados.
As vantagens da semana de quatro dias são conhecidas e os resultados dos diversos estudos corroboram as inferências: maior conciliação da vida familiar, melhores índices de qualidade de vida, melhoria da saúde mental, mais disponibilidade para outras actividades. Em suma, maior felicidade. Os resultados alinham-se com os objectivos de uma sociedade mais justa e igual: a redução da exploração laboral, diminuição do desgaste e aumento do tempo não sujeito aos ditames do mercado para outras actividades, sejam elas comunitárias, culturais, educativas ou artísticas.
Dito isto, será difícil a conciliação destas vantagens se encaixarmos todas as horas de cinco dias de trabalho em quatro, pois o impacto na vida familiar seria gigantesco. Parece, então, que a proposição de Luís Montenegro nos leva inevitavelmente para a segunda opção: uma redução salarial em linha com a horária. Este caminho não faz sentido, pois além de assumir uma métrica de produtividade ultrapassada cria uma desigualdade gritante. A implementação da semana de quatro dias, com redução salarial, levará a que os trabalhadores mais pobres ponderem um segundo emprego para obter mais rendimento. Institucionalizar uma desigualdade classista não é, de todo, o objectivo. Por isso, é muito mais sensato exigir, simultaneamente, um aumento salarial a par de uma redução horária (com vista à semana de quatro dias). As duas propostas têm de ir de mãos dadas e são indissociáveis para a criação de uma sociedade justa. É possível? Sim, por várias razões.
Primeiro, os aumentos acumulados de produtividade ao longo dos anos não têm sido transferidos para os trabalhadores e esta poderá ser uma compensação por anos de aumentos míseros. De facto, nas últimas décadas, a produtividade tem subido de forma exponencial sem que isso se tenha reflectido significativamente na vida do trabalhador comum.
Segundo, porque o aumento salarial e a redução horária levam a que empresas pouco produtivas saiam de cena e permitem que esses recursos (financeiros e humanos) sejam utilizados por outras mais dinâmicas e com maior valor acrescentado.
Terceiro, o aumento do tempo disponível, aliado a um rendimento disponível maior, levará a um maior consumo e a um estímulo criativo e intelectual que pode ter vários spillovers.
Quarto, historicamente, ambos fizeram-se de forma simultânea com resultados bastante tangíveis. A Front Populaire original de León Blum (na qual a Nova Frente Popular se inspira) instituiu a semana de 40 horas ao mesmo tempo que aumentava salários. Nem por isso ocorreu o descalabro da economia. Pelo contrário, verificou-se o aumento da qualidade de vida dos trabalhadores e a construção de uma sociedade mais dinâmica e igual.
Este tipo de comentários de Luís Montenegro apenas reforça a ilusão de que a produtividade é dependente do número de horas de trabalho cumpridas. Embora isso seja mais verdade em determinados sectores, na realidade, a produtividade depende do valor acrescentado em cada etapa do processo de produção social. Não deve, por isso, ser individualizada ao limite nem circunscrita a visões produtivistas do século XIX. Isto não invalida vários problemas que possam existir na semana de quatro dias, nomeadamente não termos ainda uma visão totalmente aclarada para os trabalhadores independentes ou para alguns sectores. Para isso, exige-se mais testes. Com o mesmo (ou mais) salário, claro.