Pacote anticorrupção: protecção de denunciantes, menos recursos e mais bens revertidos para o Estado
O pacote de medidas anticorrupção assenta em quatro pilares fundamentais: a punição efectiva; a celeridade processual; a protecção do sector público e a prevenção.
Criar um novo paradigma de perda alargada de bens a favor do Estado, reforçar a protecção dos denunciantes em casos de corrupção (designadamente em processos judiciais retaliatórios e infundados) e limitar o número de recursos que podem ser apresentados. Estas são três das 31 propostas da agenda anticorrupção a que o PÚBLICO teve acesso e que está neste momento a ser finalizado pelo Governo, na reunião de Conselho de Ministros que decorre no Palácio de São Bento.
O pacote de medidas que será anunciado no final da reunião do executivo assenta em quatro pilares fundamentais: a punição efectiva; a celeridade processual; a protecção do sector público e a prevenção.
No capítulo da prevenção, a regulamentação da actividade de lóbi é o primeiro compromisso assumido pelo executivo. Depois de ter sido repetidamente interrompida pela dissolução da Assembleia da República há dois anos, e pela queda do Governo em Novembro, a regulamentação do lóbi regressa à agenda, o que reflecte também a vontade da Iniciativa Liberal, do Livre e do PAN, que nas reuniões com a ministra da Justiça tinham assinalado esta medida como uma das suas prioridades.
A ministra da Justiça quer também reforçar o recurso aos gabinetes jurídicos do Estado, "evitando o uso excessivo de assessoria jurídica externa" e diminuindo assim a exposição a interesses de terceiro.
No capítulo da punição efectiva, o Governo propõe a criação de uma “lista negra” de fornecedores do Estado, ou seja, garantir que há maior informação quanto às entidades que corrompam agentes públicos e estejam impedidas do acesso à contratação pública.
O executivo propõe também o alargamento do período de proibição do exercício de funções públicas ou políticas para quem for condenado.
De forma a facilitar a denúncia, será operacionalizado um canal de denúncias único, através de um formulário disponibilizado no Portal do Governo.
Pegada legislativa era ideia de Costa
Ainda em relação à transparência na relação do Estado com privados, o Governo propõe implementar a “pegada legislativa” do executivo (através da publicação na internet das várias etapas de cada processo legislativo). Esta não é, porém, uma novidade. Em Novembro de 2021, o Governo de António Costa tinha aprovado, também em Conselho de Ministros, o projecto-piloto de implementação do princípio da "pegada legislativa" no âmbito do procedimento legislativo governamental. O projecto-piloto tinha a duração prevista de um ano e era divulgado no portal Consulta.Lex.
Não é a única medida recuperada. O Governo quer combater o enriquecimento ilícito. A discussão é já antiga e uma das bandeiras no combate à corrupção. Vários partidos defendem a proposta, mas a ideia já foi travada no passado pelo Tribunal Constitucional. No final da ronda de reuniões com os partidos, a ministra da Justiça admitiu que a constitucionalidade será sempre a “linha vermelha” (antes, já a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, tinha avisado que a criminalização do enriquecimento ilícito e o confisco de bens “suscitam muitas dúvidas de trabalho ao nível da constitucionalidade”.
Tal como os executivos anteriores, a ministra da Justiça, Rita Júdice, insiste no "aprofundamento do princípio do Governo aberto", comprometendo-se com a "disponibilização pró-ativa de documentos e dados administrativos".
Há ainda um conjunto de medidas pedagógicas. De forma a garantir uma sociedade civil "mais exigente face à corrupção", o executivo quer reforçar os conteúdos curriculares no Ensino Básico e Secundário "sobre ética, literacia financeira, os fenómenos de corrupção e a relação dos cidadãos com o Estado" de forma a, lê-se, melhorar a capacidade de escrutínio das futuras gerações sobre fenómenos de corrupção.
Encurtar processos diminuindo recursos
O Governo está também preocupado com a lentidão dos processos judiciais, pelo que propõe "reduzir a amplitude da fase de instrução em processo penal", limitando a possibilidade de apresentar recursos, propondo "obstar à utilização do direito ao recurso com intenção meramente dilatória".
Para garantir "maior eficácia" no combate à corrupção, o executivo de Luís Montenegro quer aumentar o valor das coimas no caso de incumprimento das regras de prevenção da corrupção.
A agenda anticorrupção é anunciada dias depois de a ministra da Justiça, Rita Júdice, se ter reunido com os partidos com assento parlamentar para implementar um plano de combate à corrupção, tal como anunciado pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro.