A política de imigração e o seu impacto na emigração portuguesa

Os imigrantes trabalham mais, com piores ordenados e correm mais riscos. Contudo, nas redes sociais apresentam-se cheques da Segurança Social como alegada prova de que parasitam os apoios sociais.

Ouça este artigo
00:00
06:49

O Observatório da Emigração publicou em janeiro o Atlas da Emigração Portuguesa: só nos últimos 20 anos, o país viu sair mais de 1,5 milhões de cidadãos. No total, existem cerca de 2,2 milhões de cidadãos na diáspora portuguesa.

A França continua a ser o país com o maior número de imigrantes residentes nascidos em Portugal (573.000), seguindo-se a Suíça (204.000), os Estados Unidos (184.000), o Reino Unido (156.000), o Brasil (138.000), o Canadá (134.000) e a Alemanha (115.000), mas também a China, Luxemburgo, Venezuela, África do Sul... Cerca de 20.000 emigrantes portugueses regressam anualmente ao seu país, na sua maioria com menos de 40 anos, não vêm ricos, nem beneficiam de nenhum programa global para a sua reintegração.

A Secretaria de Estado das Comunidades, em 2023, contabilizava 2.240.152 pessoas com Cartão de Cidadão nacional a residir no estrangeiro e um total de cerca de 5 milhões, ao somar-lhe os que se identificam como lusodescendentes de imigrantes portugueses, entre os quais, segundo a FLAD, há 1,3 milhões de cidadãos americanos.

As remessas de emigrantes nacionais em 2022 elevaram-se a 3.892,2 milhões de euros, 1,6% do PIB português (Relatório do Banco de Portugal), com origem em França mais de mil milhões, valor semelhante vindo da Suíça e, do Reino Unido, €458 milhões.

Os imigrantes estrangeiros, embora tenham uma taxa de desemprego que é mais do dobro que a dos portugueses, têm vindo a aumentar o seu contributo para a Segurança Social. Nesse mesmo ano, contribuíram com 1.861 milhões de euros e só beneficiaram de cerca de 257 mil euros. Um saldo positivo de 1.604,2 milhões de euros para a Segurança Social, que é quase o dobro de há quatro anos.

Citando ainda o Observatório: os imigrantes pesam 7,5% no total da população, trabalham mais, com piores ordenados e de maior risco. Contudo, circulam nas redes sociais cópias de cheques da Segurança Social, verdadeiros ou falsos, com quantias que rondam os mil euros, endereçados a nomes que soam a imigrantes, apresentados como prova irrefutável de que parasitam os apoios sociais.

Neste quadro e à escala da nossa própria emigração, uma outra verdade emerge, com uma obscura ameaça que pode atingir em ricochete os milhões de portugueses da diáspora:

Portugal é hoje o país europeu que, proporcionalmente, tem maior número de emigrantes e o oitavo em todo o mundo.

Esta dimensão, deveria conduzir os dirigentes políticos a um debate cauteloso e pudente, sobre “a necessidade de controlar a emigração”, de “impor regras mais restritivas”, e, sobretudo, aos avisos hostis, “o risco de perder a identidade nacional, com o crescimento da sua comunidade, e a disseminação da sua religião, usos e costumes…”, “os perigos da imigração, que põem em causa a segurança nacional e dos portugueses”, “a exigência de contratos de trabalho prévios” …Quando a nossa tradição, desde os anos sessenta, é “emigrar a salto”, então contra a miséria e a guerra, promovidas pelo regime fascista e colonialista.

É que, num mundo globalizado, todas as medidas tomadas pelos governos da nossa República Democrática, vão bater à porta, dos portugueses emigrantes e lusodescendentes.

“Ei-los que partem” mais jovens e instruídos

Ainda segundo o Observatório, cerca de um terço (850 mil) dos jovens nascidos em Portugal (dos 15 aos 39 anos) vivem neste momento no estrangeiro, tornando-se um fator decisivo do nosso inverno demográfico.

Portugal era nos anos 60 um país subdesenvolvido, que exportava camponeses e operários, ilegalmente e “a salto”, com qualidades excecionais de trabalho, mas de baixo nível técnico e educacional. Face à crise financeira ocidental e à política de austeridade que nos impôs a troika, os governos nacionais e as forças económicas que predominam, não cuidaram dos seus obreiros, nem dos quadros médios e de alto nível, e a sua emigração cresceu exponencialmente.

Temos hoje associações científicas portuguesas em muitos países, mas as políticas dos nossos governos não integram uma opção estratégica para estabelecer e aproveitar a sua ligação umbilical com a pátria.

Num tempo em que o voto eletrónico está ao alcance de um clic, o obsoleto sistema de voto consular e por correspondência, está montado para restringir a mobilidade do cidadão expatriado e tornar irrisório o seu contributo eleitoral. Olhemos de frente os números das últimas eleições: Parlamento Europeu: 29.727 votantes, em 910.138 inscritos. Legislativas: 333.520 votantes, em 1.546.747 inscritos.

A crise da globalização como causa das vagas continentais de imigrantes

A caraterização de imigrantes económicos e refugiados imbricou-se uma na outra, porque toda a economia é economia política e as guerras e o subdesenvolvimento têm como uma das suas causas fundamentais nas políticas hegemónicas e na disputa geoestratégica entre as potências mundiais.

A política neocolonial das grandes potências em África gerou fome extrema e os primeiros refugiados climáticos, dívida soberana e decomposição dos novos Estados em fações dos senhores da guerra. Pelas fraturas nacionais causadas por esta política, entraram em força as organizações radicais e terroristas que se reclamam do islamismo, a Federação Russa pela via da cooperação militar e a China, com o projeto da Nova Rota da Seda que, ao evoluir para os programas de desenvolvimento industrial sustentável e o apoio às funções sociais do Estado, segundo o modelo da Etiópia, conseguiu em África a adesão de 53 dos seus 54 países. Obviamente, tal mudança ainda não logrou suster a vaga intercontinental que chega às costas europeias e transforma o Mediterrâneo num mar de cadáveres.

Outra vaga continental de emigrantes varre de sul para norte o continente americano, como resultado da doutrina Monroe de sujeição continental e de um modelo económico neoliberal, que gerou miséria endémica, imposto muitas vezes através de golpes militares.

As guerras pelo petróleo e as terras raras (o Afeganistão, segundo o Pentágono, é “a Arábia Saudita do Lítio”) no Oriente e Médio Oriente provocaram, elas também, novas vagas, que só encontram refúgio nos países vizinhos, e partem ao assalto dos novos “muros da vergonha”.

É que os artigos 13.º a 15.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), como se reafirma nos seus artigos 29.º e 30.º, concedem ao direito à emigração e à condição de refugiado o estatuto superior de Direitos Humanos inalienáveis. As elites políticas da época, sob as campas de 80 milhões de vítimas da II Guerra Mundial, juraram sujeitar os seus interesses nacionais ao dever de solidariedade para com todos os seres humanos. Se os recusarem hoje, mesmo invocando as dificuldades (reais) das suas nações, não podem simultaneamente reclamar-se do título de defensores da DUDH.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Ler 1 comentários