Lacerda Sales: “O meu estatuto de arguido confere-me o direito de manter o silêncio”

Lacerda Sales negou ter falado com o Presidente da República, com António Costa e com Marta Temido sobre o caso das duas gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria.

Foto
O antigo secretário de Estado da Saúde foi constituído arguido pelo Ministério Público Rui Gaudêncio
Ouça este artigo
00:00
04:00

António Lacerda Sales foi chamado para uma audição, nesta segunda-feira, na comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso das gémeas, mas começou por invocar o seu estatuto de arguido para manter o silêncio. O antigo secretário de Estado foi constituído arguido no inquérito aberto pelo Ministério Público na sequência de buscas feitas pela Polícia Judiciária no Ministério da Saúde, no Hospital de Santa Maria e em sua casa.

Lacerda Sales, que esteve para depor na CPI a 6 de Junho, começou por negar que tenha adiado a sua presença na comissão por ter sido constituído arguido. O antigo secretário de Estado argumentou que pediu o adiamento logo no dia 1 de Junho e só se tornou arguido no dia 4. “Cai por terra a tese de que pedi o adiamento” na sequência do processo no Ministério Público, insistiu.

Lacerda Sales deixou fortes críticas à auditoria da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), que confirmou irregularidades no acesso das gémeas à consulta no Santa Maria. Para o ex-governante, o relatório “apresenta conclusões sem justificação plausível” e é “fundamentado em suposições”.

O antigo secretário de Estado recusou “aceitar as responsabilidades” que o relatório da IGAS e a auditoria interna do Santa Maria lhe imputam e disse que as “regras clínicas” foram cumpridas. “Ninguém passou à frente de ninguém, não havia lista de espera.”

“Não estou disponível para servir de bode expiatório” num processo político e mediático, atirou. “A minha conduta não é susceptível de nenhum tipo de censura.”

Lacerda Sales refugiou-se na lei, que lhe permite não responder a nenhuma questão nesta comissão. “O meu estatuto de arguido confere-me o direito de manter o silêncio.”

Depois de alguma insistência por parte dos deputados, que argumentaram que o estatuto de arguido permitia a Lacerda Sales não responder a questões “caso a caso” e não arbitrariamente, o antigo secretário de Estado acabou por ceder em alguns casos.

Lacerda Sales nega contacto com Marcelo

“Nunca falei com o senhor ex-primeiro-ministro sobre esta matéria”, frisou Lacerda Sales, acrescentando que também "nunca" falou com o Presidente da República nem com Marta Temido, antiga ministra da Saúde, sobre o caso das gémeas. “Nunca chegou nenhum email nem nenhum processo formal ao meu gabinete”, insistiu, em resposta a André Ventura, pedindo-lhe que o olhasse “bem nos olhos”.

Em resposta ao líder do Chega, que se serviu de uma passagem bíblica para tentar convencer Lacerda Sales a responder às perguntas dos deputados — “a verdade libertá-lo-á” , o antigo secretário de Estado cita um poema de Fernando Pessoa: “Sigo o meu destino. Rego as minhas rosas e o resto serão as sombras das árvores.”

Sobre o facto de a sua antiga secretária, Carla Silva, ter dito que foi a seu pedido que marcou a consulta das gémeas junto da directora do departamento de pediatria do Santa Maria, Lacerda Sales, que assumiu a "responsabilidade política" por ser essa a obrigação de um secretário de Estado, remeteu para a portaria 95/2013.

A portaria em causa indica que “os pedidos de primeira consulta de especialidade em papel são rejeitados e devolvidos aos respectivos prestadores". Assim sendo, “qualquer pedido deveria ter sido rejeitado”, vincou Lacerda Sales, acusando o relatório da IGAS e a auditoria do Santa Maria de omitirem esta indicação. “Quero acreditar que foi por ignorância.”

“Estou muito convicto de que este processo se iniciou muito antes da minha tomada de posse [a 26 de Outubro de 2019]”, sustentou, “basta que se olhe para a cronologia”. Recorde-se que o primeiro contacto da família das gémeas com o SNS aconteceu quando uma familiar recorreu a uma pediatra do Hospital de Faro, que terá reencaminhado o caso para o director de neuropediatria do Dona Estefânia.

Lacerda Sales questionou ainda o porquê de a consulta no Hospital dos Lusíadas, marcada para 6 de Dezembro de 2019 com a médica Teresa Moreno, que acompanhou as crianças no Santa Maria, ter sido desmarcada. “Coincidência ou não? Quem desmarcou as consultas?"

O antigo secretário de Estado da Saúde disse ainda que “recebia toda a gente”, admitindo ter encaminhado “centenas” de processos. “Um governante quando vai governar sabe as linhas vermelhas”, mas está no cargo “para ajudar as pessoas”.

Sugerir correcção
Ler 49 comentários