Quando a esperança depende da AIMA e do Tribunal Administrativo e Fiscal

O imigrante indocumentado não pode viver em sossego e liberdade. Mas somos todos – estrangeiros e nacionais –? seres humanos, com direito a condições de vida condignas e à felicidade.

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Todos os portugueses já estão habituados a reformas atribuladas e precipitadas.

Desta vez, extinguiu-se o SEF, criou-se a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), perderam-se – nessa transmissão de competências – dezenas de trabalhadores e, perante a entrada de cerca de 20 mil pedidos de residência de imigrantes por mês, estamos (claro!) perante o caos.

Não é menos preocupante a situação no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Lisboa, onde, sem recursos humanos e meios técnicos adequados, se acumulam os processos de atribuição de visto dos imigrantes. Também aqui não é de admirar. Há quanto tempo não se investe seriamente na Justiça? Faltam 1200 funcionários judiciais, dos quais cerca de 400 nos Serviços do Ministério Público; os quadros de juízes e magistrados do Ministério Público estão deficitários; faltam peritos em várias áreas; os edifícios dos tribunais estão degradados; há falta de gabinetes e as vítimas e menores são ouvidos sem condições de privacidade, etc.

Para resolver o problema dos cerca de 3200 processos judiciais pendentes no TAF, o Governo avançou com a ideia da criação de um novo tribunal dedicado em exclusivo a casos de imigração e asilo. Mas, para que esse tribunal seja efetivamente uma solução, será necessário recrutar novos magistrados judiciais e do Ministério Público e oficiais de justiça, não se caindo na tentação de os ir buscar aos outros tribunais que já se encontram com um quadro humano crítico e em rutura.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu recentemente que a AIMA deve apreciar os pedidos de autorização de residência em 90 dias e que o meio de exigir uma decisão desta entidade em curto prazo é o recurso ao pedido judicial de “intimação”. Mas não tenhamos ilusões, se a AIMA não tinha recursos para decidir o pedido em tempo vai magicamente obtê-los para depois cumprir o prazo que o tribunal fixar?

Mas voltemos à situação que a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras provocou.

Sendo Portugal o país da UE com mais emigrantes em proporção da população residente – cerca de 2 milhões vivem no estrangeiro – cada um de nós tem um amigo ou um familiar que é ou foi emigrante. Mais que não seja por este fator, não concebo como não podemos deixar de ser solidários com as dificuldades, incertezas e sofrimento resultantes de atrasos na regularização da situação dos imigrantes em território nacional.

Os estudos e avaliações – sérios, e não contaminados por preconceitos – permitem concluir que os estrangeiros contribuem positivamente, para a resolução do problema demográfico, para o crescimento económico, para a sustentabilidade da segurança social e para o enriquecimento cultural do nosso país.

Hoje desejamos uma melhor cooperação entre os povos, queremos que se concretize a solidariedade internacional, que se atinja a igualdade entre todos os homens, que se respeite os direitos inalienáveis de todos e que se reconheça e garanta a dignidade de todo o ser humano.

Veja-se que encontramos na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Convenção sobre os Direitos da Criança, no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos declarado que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo”.

Isto é, a proteção da dignidade do Homem está para além do estatuto de cidadão nacional.

Mas como é que Portugal acompanha esta vocação internacional quando mantem os imigrantes indocumentados?

Repare-se que os cidadãos de muitos países terceiros apenas podem entrar em Portugal sem visto se estiverem habilitados com título de residência. Portanto, sem este documento como poderá o imigrante sair do território nacional e deslocar-se, no Natal ou noutras importantes épocas festivas, ao seu país de origem para visitar os seus filhos ou cônjuge? Não pode!

Mais, o nacional de país terceiro enquanto não possuir título válido (visto, autorização de residência, etc.) pode ser detido e expulso do território nacional, não pode celebrar contrato de trabalho e não pode arrendar casa.

Para o nacional de muitos países terceiros só sendo titular de autorização de residência é que pode aceder à educação, ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com a legislação aplicável; ao exercício de uma atividade profissional subordinada ou independente; à orientação, formação, aperfeiçoamento e reciclagem profissionais; e ao acesso à saúde, ao direito e aos tribunais.

Acresce que só a estes é garantida a aplicação das normas de direito português que assegurem a igualdade de tratamento dos cidadãos estrangeiros. Isto acontece, nomeadamente, em matéria de segurança social, de benefícios fiscais, de filiação sindical, de reconhecimento de diplomas, certificados e outros títulos profissionais ou de acesso a bens e serviços à disposição do público.

Para além disto, e não menos vital, apenas o imigrante com autorização de residência válida tem direito ao reagrupamento familiar com os membros da família que se encontrem fora do território nacional, que com ele tenham vivido noutro país, que dele dependam ou que com ele coabitem.

Em suma, o imigrante indocumentado e, portanto, em situação ilegal, não pode viver em sossego, harmonia e liberdade!

Porém, todos – estrangeiros e nacionais –​ somos seres humanos e temos direito à felicidade, a condições de vida condignas, à dignidade e à alegria – e isso só é possível se estivermos junto dos nossos familiares e tivermos acesso a habitação, trabalho, saúde e educação.

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