“A pizza pode ser qualquer coisa” e a da Lupita está no Top Pizza da Europa
Diferenciam-se pela irreverência, a começar pela ausência de talheres, mas também em combinações pouco prováveis. São só 40 m2, mas a Top Pizza elegeu a Lupita para 3.ª melhor pizzaria de Portugal.
Na mesa ao lado, três turistas acotovelam-se para ver quem tira a melhor fotografia às pizzas que acabam de chegar à mesa. “Olha esta que bonita”, elogia uma delas, apontando o círculo perfeito numa azáfama de ingredientes frescos. Observamos a cena, enquanto mergulhamos a côdea estaladiça no molho da casa e contemplamos o tecto trabalhado a gesso do pequeno espaço na Rua de São Paulo, em Lisboa. Lá fora, apesar do calor e de já passar da hora de almoço, a fila continua a estender-se por vários metros. Afinal, a Lupita é a terceira melhor pizza de Portugal, diz a lista 50 Top Pizza Europe, que premiou recentemente o projecto lisboeta.
A irreverência da Lupita começa desde logo quando a pizza chega à mesa e não há talheres a acompanhar. É para comer à mão, o que, inicialmente, causava “alguma estranheza” aos portugueses, conta Duda Ferreira, o pizzaiolo e proprietário do restaurante, que abriu em 2019. Mas, já dizia Fernando Pessoa, primeiro estranha-se e depois entranha-se e o mesmo aconteceu aqui. Todos comem com as mãos, indiferentes a regras de etiqueta.
Uma pizza “é como uma tela em branco”, ainda que a base seja o mais importante. “Fomos uma das primeiras pizzarias a usar farinha de moleiro nacional”, contextualiza Duda Ferreira, em conversa com a Fugas. Foram precisos alguns meses para acertar a “fermentação natural” que, ainda hoje, continua “a ser uma aprendizagem de todos os dias”. Sem fermento convencional, é a química a encarregar-se do processo e nem sempre tudo é controlável. “Fazemos o máximo de controlo possível, mas cada dia é diferente. Se hoje estão 31º a massa fermenta de uma forma e temos de mudar a receita. Durante um ano, usamos facilmente dez a 12 receitas diferentes”, explica.
O projecto começou com uma amassadeira de 25 quilos, a mesma que mantêm actualmente. Mas, agora, são precisas seis misturas de massa em cada dia, totalizando 84 quilos de farinha por dia ou mais de meia tonelada por semana. E detalha: “Ao contrário da pizza napolitana, usamos uma temperatura mais baixa, a 360º, porque a massa tem alta hidratação e faz uma boa mistura entre crocante e húmido.”
Depois, é hora de “brincar com a cabeça das pessoas” na escolha dos ingredientes. “Tento ao máximo utilizar produtos portugueses e penso que 80% da carta é nacional. Só vamos a Itália buscar o que é melhor, como o tomate ou o queijo grana padano”, destaca. Há alguns ingredientes irreverentes e que chocam os italianos que os visitam, como o ananás, combinado com queijo viso, bacon, picles de cebola rosa e coentros. “A Lupita é para provocar e a pizza pode ser qualquer coisa”, diz, com humor, Duda Ferreira.
“Uma coisa só”
Isto porque a Lupita rejeita quaisquer rótulos e não se quer enquadrar na categoria de pizza tradicional italiana. É, sim, um casamento entre o estilo napolitano e a pizza do Brasil, com um toque de “influência americana”, define o pizzaiolo. “Não sou italiano e a ideia sempre foi juntar tudo numa coisa só”, destaca, evocando as memórias de infância em São Paulo. “A pizza é a primeira memória de infância relacionada com comida. O meu tio tinha uma quinta e fazíamos pizza para mais de 20 pessoas, era uma festa”, reaviva.
Ao chegar a Portugal, há seis anos, depois de uma carreira na restauração pelo Brasil, o objectivo era “resgatar” essa memória e ainda antes de encontrar espaço para inaugurar a Lupita, começou a fazer pizzas em casa, abrindo a porta aos comensais. Quando encontraram este espaço, perto do Cais do Sodré, com pouco mais de 40 metros quadrados, mantiveram as portas abertas, para que quem esteja na fila possa ver tudo o que acontece lá dentro.
E há sempre fila, a qualquer dia, em qualquer hora. Aliás, já faz parte do encanto e “da experiência” da Lupita. “A fila tem um lado positivo, até já nasceram casamentos aqui”, comenta, com humor, o chefe de operações, Luiz Abud. É comum juntarem-se várias pessoas sozinhas numa só mesa e criarem-se novas amizades, como se a Lupita fosse uma aplicação de relacionamentos e a pizza uma paixão em comum.
A cada três meses, as paixões vão mudando e há criações sazonais e frescas, como a Marba, que dá protagonismo à mortadela, acompanhada de cebola roxa, burrata, relish de tomate verde e alho selvagem, com o queijo grana padano a colocar um ponto final. A campeã de vendas é, claro, a Margherita, que, muitos dizem, serve sempre como barómetro de qualidade. Para os mais atrevidos: recomendam-se as picantes Pepperoni ou Spicy Amatriciana. Já para os vegetarianos destaca-se a pizza de cogumelos com creme de limão e vinho branco.
As criações garantiram-lhe o 45.º lugar, na lista das 50 melhores pizzas da Europa (onde também estão a Forno d'Oro, em Lisboa, e a Arte Bianca, no Algarve). “Nunca imaginei que atingíssemos esse patamar, até porque quantos metros quadrados de pizza existem na Europa para notarem estes 40 metros?”, reage Duda Ferreira. Todavia, garante que o foco não está nas distinções, mas na rotina de cada dia. “Digo sempre: somos tão bons quanto a última pizza que servimos. Todos os dias temos oportunidade de perder ou então ganhar um novo cliente. A nossa obsessão é essa.”
Os clientes são um equilíbrio entre portugueses e turistas, ainda que almejem fazer crescer os fregueses nacionais. Como tal, ainda neste ano, vão abrir um segundo restaurante numa localização “residencial”, para já no segredo dos Deuses. “Será um ponto mais fácil de distribuir e que permite uma melhoria do ponto de vista do produto. Estamos sempre à procura de melhorar”, termina Luiz Abud. Resta saber, o que estará na carta da nova Lupita.
A Fugas visitou a pizzaria a convite da Lupita