Ataque israelita a escola da ONU em Gaza faz mais de 40 mortos
Israel afirma que atacou escola onde existia base do Hamas e que matou combatentes envolvidos no ataque de Outubro. Grupo islamista diz que edifício abrigava pessoas deslocadas.
Pelo menos 40 pessoas morreram num ataque aéreo nas primeiras horas da manhã contra uma escola da agência da ONU para os refugiados palestinianos em Gaza, avançou o Hamas, tendo o Exército israelita confirmado o ataque contra um local que continha “uma base” do Hamas.
“Os aviões de guerra do Exército efectuaram um ataque preciso contra uma base do Hamas no interior de uma escola da UNRWA na região de Nusseirat esta madrugada”, declarou o Exército em comunicado, referindo que “vários terroristas foram mortos”.
“Os terroristas do Hamas e da Jihad Islâmica, pertencentes às forças de Nukhba, que participaram no ataque mortal às comunidades do Sul de Israel em 7 de Outubro, operavam no complexo. Os terroristas dirigiam a campanha de terror a partir da zona da escola, explorando-a e utilizando-a como abrigo”, acrescentou o Exército israelita.
Os militares disseram que, antes do ataque com caças israelitas, “tomaram medidas para reduzir o risco de danos civis”, incluindo a “realização de vigilância aérea e recolha de informações adicionais de inteligência”. Fontes militares também afirmaram que os caças efectuaram um “ataque preciso” e partilharam fotografias de satélite em que destacaram duas partes do prédio onde disseram que os combatentes teriam a sua base.
A versão de Israel foi imediatamente contestada pelo Hamas. Ismail Al-Thawabta, director do gabinete de imprensa do grupo islamista na Faixa de Gaza, rejeitou as afirmações de que existiria um posto de comando do Hamas na escola da ONU em Nuseirat, no centro de Gaza. “Os ocupantes mentem à opinião pública através de histórias falsas e fabricadas para justificarem o crime brutal que levaram a cabo contra dezenas de pessoas deslocadas”, disse Al-Thawabta à Reuters.
Al-Thawabta avançou que pelo menos 27 pessoas foram mortas e muitas ficaram feridas no ataque, número que entretanto já foi actualizado. “Um número considerável de mártires e de feridos continua a afluir ao hospital dos Mártires de Al-Aqsa”, situado na cidade de Deir al-Balah, perto de Nusseirat, declarou o gabinete de imprensa do Hamas, acusando o Exército israelita de ter cometido um “massacre horrível”. Pelo menos 14 crianças e nove mulheres estarão entre as vítimas deste ataque a um local que, segundo Philippe Lazzarini, chefe da UNRWA, abrigava cerca de 6 mil pessoas deslocadas.
Mais de 300 feridos deram entrada em hospital
Horas depois do ataque, o tenente-coronel Peter Lerner referiu que os militares israelitas “avaliaram que existiam entre 20 e 30 combatentes” na escola atingida pelo ataque aéreo e “muitos” foram mortos. Lerner disse, citado pela Reuters, não ter conhecimento de vítimas civis do ataque. “Não tenho conhecimento de quaisquer vítimas civis e seria muito, muito cauteloso em acreditar em qualquer coisa que o Hamas divulgue”, disse.
Também esta quinta-feira um porta-voz do Hospital dos Mártires de Al-Aqsa, na cidade vizinha de Deir al-Balah, declarou que cerca de 300 feridos deram entrada nas últimas 24 horas, numa altura em que existe uma “avaria de um dos seus geradores eléctricos”, o que podia complicar o tratamento dos doentes vulneráveis e provocar “uma catástrofe humanitária”. Segundo o porta-voz, citado pelo diário israelita Haaretz, também foram levados para o hospital cerca de 140 corpos.
Os corpos das pessoas que morreram estão a ser depositados no chão do necrotério do hospital, que actualmente está a funcionar três vezes acima da capacidade normal.
Nos últimos dias, o hospital já tinha recebido “pelo menos 70 mortos e mais de 300 feridos, na sua maioria mulheres e crianças, na sequência dos ataques israelitas nas zonas centrais da Faixa de Gaza”, de acordo com a publicação dos Médicos sem Fronteiras na rede social X (antigo Twitter).
Segundo testemunhas e funcionários do hospital, o ataque da madrugada atingiu a escola Al-Sardi, gerida pela agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos. O edifício albergava cidadãos palestinianos que tinham fugido das ofensivas e dos bombardeamentos israelitas no Norte de Gaza, disseram fontes locais citadas pela Associated Press.
Ayman Rashed, um homem deslocado da Cidade de Gaza que estava abrigado na escola, disse que os mísseis atingiram salas de aula no segundo e terceiro andares, onde as famílias estavam abrigadas. O sobrevivente disse que ajudou a retirar cinco mortos, incluindo um idoso e duas crianças. “Estava escuro, não havia electricidade, e tivemos dificuldade em retirar as vítimas”, disse Rashed.
O jornalista Tareq Abu Azzoum, da Al-Jazeera, esteve junto ao hospital e descreve os eventos das últimas horas como “outra manhã trágica”. “Conversámos com várias famílias no hospital que nos disseram que não houve nenhum aviso prévio antes do ataque. Uma mulher que perdeu o filho disse que se tinham dirigido para os centros de evacuação administrados pelas Nações Unidas para garantir alguma protecção, mas acabaram por ser atacados.”
Este novo ataque dá-se pouco depois de Israel anunciar uma nova campanha militar no centro de Gaza e de afirmar que não haverá interrupção dos combates durante as negociações de cessar-fogo.
Na passada sexta-feira, o Presidente dos EUA, Joe Biden, divulgou uma proposta de cessar-fogo em três fases para que Israel e o grupo islamista palestiniano Hamas ponham fim à guerra em Gaza que matou dezenas de milhares de pessoas e criou uma crise humana. A proposta inclui um cessar-fogo, a libertação dos reféns israelitas e de prisioneiros palestinianos, e a reconstrução de Gaza.
O dirigente do Hamas Sami Abu Zuhri criticou os pedidos de Washington e do Ocidente para que o grupo aceite a proposta avançada pelo Presidente dos EUA, dizendo que “é como se fosse o Hamas que estivesse a impedir o acordo”.
Em declarações citadas pelos canais de comunicação do Hamas, Abu Zuhri disse que Israel não está a falar a sério sobre alcançar um acordo sobre Gaza e continua a manobrar sob a protecção dos EUA.
No domingo, os EUA disseram que, se o Hamas aceitasse o plano proposto, Israel iria seguir o mesmo exemplo. “Esta foi uma proposta israelita. Temos todas as expectativas de que, se o Hamas concordar com a proposta, tal como lhes foi transmitida, então Israel irá dizer sim”, disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby, à ABC News.
Espanha pede intervenção do TPI
Esta quinta-feira, Espanha solicitou a intervenção do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) no pedido urgente de aplicação de novas medidas contra Israel e em defesa do povo palestiniano feito pela África do Sul, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros Exteriores, José Manuel Albares.
Albares disse que Madrid quer apoiar o TIJ na aplicação de medidas, incluindo a ordem para que Israel cesse a sua operação militar em Rafah.
“Estamos a fazê-lo por causa do nosso compromisso com o direito internacional, do nosso desejo de apoiar o tribunal como a entidade jurídica máxima no sistema e fortalecer as Nações Unidas”, disse, numa conferência de imprensa em Madrid. “Queremos apoiar o tribunal na concretização das medidas cautelares, em particular a cessação das operações militares em Rafah, a fim de restaurar a paz, a cessação dos obstáculos à entrada de ajuda humanitária e a cessação da destruição de infra-estruturas civis.”
Também esta quinta-feira, os líderes de 17 países, incluindo Portugal e Brasil, apelaram ao Hamas para que aceite o acordo de cessar-fogo anunciado por Joe Biden e liberte os reféns detidos em Gaza.
“Não há tempo a perder. Apelamos ao Hamas para que feche este acordo, com o qual Israel está pronto para avançar, e inicie o processo de libertação dos nossos cidadãos”, disseram numa declaração conjunta divulgada em Londres e Washington.
Alemanha, Argentina, Áustria, Brasil, Bulgária, Canadá, Colômbia, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Polónia, Portugal, Reino Unido, Roménia, Sérvia e Tailândia apelaram “aos líderes de Israel e do Hamas para que façam os compromissos finais necessários para concluir este acordo”.