Centros clínicos para retirar doentes das urgências vão arrancar em Lisboa e no Porto

Os novos centros de atendimento clínico vão resultar de protocolos com a Misericórdia do Porto e com o Hospital das Forças Armadas, em Lisboa. Incentivo a pagar por cada parto a mais será de 750 euros

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Ana Paula Martins, ministra da Saúde, garante que as medidas previstas no plano de emergência para a saúde têm cabimentação orçamental Daniel Rocha
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Dois dias depois de ter apresentado o Plano de Emergência e Transformação na Saúde, a ministra da Saúde revela, em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, que conta anunciar em breve os primeiros centros de atendimento clínico, um novo modelo para ajudar a retirar dos hospitais os casos classificados como não urgentes. Com Junho à porta, o Governo acredita que os incentivos que estão a estudar vão permitir ter mais maternidades abertas. Quanto ao Inverno, o objectivo, refere Ana Paula Martins, é conseguir libertar os hospitais dos muitos "casos sociais" que têm. "Só esta medida, se conseguimos tirar estes doentes dos hospitais, paga pelo menos dois eixos estratégicos: partos e o OncoStop 2024", diz.

Apresentou o plano de emergência, mas não fez qualquer referência ao plano de Verão. O mapa das urgências de ginecologia/obstetrícia e pediatria termina esta sexta-feira. O que é que vai acontecer?
O plano de Verão faz parte daquilo que é este plano de emergência. Uma das medidas mais emblemáticas, que é o SNS Grávidas, o que pretende é garantir que a partir deste mês [Junho], as grávidas tenham uma via preferencial de contacto antes de se dirigirem à maternidade que, mais perto da sua área de residência, está disponível.

Já não teremos os mapas previamente conhecidos? É o SNS Grávida que vai informar?
Temos um plano e vai ser disponibilizado muito em breve.

Com encerramentos rotativos das urgências?
O conceito de rotativo não nos parece aplicável ao plano que vamos apresentar. Os hospitais estão abertos 24 sobre 24 horas e também nunca fecham os serviços de obstetrícia. O que fazemos é garantir, através da nossa plataforma digital, que está ligada ao SOS Grávidas mas também ao INEM, que a grávida que nos contacta sabe exactamente, de acordo com a triagem que é feita através deste algoritmo, qual é o local que mais perto da sua área de residência a pode receber. Isto porquê? Porque a ideia de que temos hospitais que estão fechados não corresponde à realidade. Têm obstetras, anestesistas, pediatras e neonatologistas lá dentro. O que temos mesmo de melhorar, e é essa a nossa aposta através deste modelo mais digital de gestão, é a comunicação entre as equipas.

Em termos concretos, o que é que muda?
São dois temas muito relevantes. O primeiro, o contacto prévio com o SNS24 - o SNS grávida. Em termos de equipas, o que muda é a dotação das equipas. Fizemos um trabalho prévio com a Ordem dos Médicos, que fez uma reavaliação das equipas necessárias para a obstetrícia de cada hospital. Obviamente, sempre em função do número de partos. Mas há um aspecto que não nos parece nada irrelevante, até porque foi uma proposta que veio das equipas de obstetrícia, que é o modelo de financiamento a partir do número médio de partos que a equipa já faz e que permite um incentivo por cada parto a mais realizado.

De quanto?
O valor que está estabelecido neste momento são os 750 euros. É para toda a equipa.

Vai permitir abrir mais maternidades ao fim-de-semana?
A nossa perspectiva é que vai permitir uma maior disponibilidade e um maior equilíbrio das equipas. Todos os que fazem parte das equipas de saúde têm os seus horários de trabalho e, finda aquela obrigação que têm para com a sua instituição, tudo o que fazem para além disso é voluntário. Na saúde, temos sempre precisado de mais horas do que aquelas que estão nos contratos de trabalho. E vamos continuar a precisar, porque não é só uma questão de mais abertura de vagas. É que os nossos hospitais têm de estar abertos 24 sobre 24 horas.

Haverá mais blocos de partos abertos ou não, a partir de agora?
Os blocos de partos estão todos abertos, sempre estiveram todos abertos.

Ao exterior.
Ao exterior estarão abertos aqueles que forem necessários para aquilo que está previsto em cada semana. Ou seja, nenhuma grávida deixará de ter o seu bebé ou de ser assistida nos nossos blocos de partos.

Então vamos ter urgências metropolitanas na área de ginecologia-obstetrícia?
Não lhe chamaria urgências metropolitanas. Na urgência metropolitana assumimos que as equipas se mobilizam de uns locais para outros. Neste momento, não estamos ainda nessa fase. Estamos na fase de um modelo de pré-contacto, no fundo referenciado, e de um modelo de incentivo para que os profissionais possam optar por ficar nas suas equipas a fazer o trabalho na área da obstetrícia. Esta portaria de incentivos vigora até ao final do ano. Vamos separar a obstetrícia da ginecologia. Isto não é irrelevante, porque 40% da procura que temos na urgência é de ginecologia e, por isso, contamos ter uma maior previsibilidade na questão obstétrica. E vamos trabalhar, essa é a proposta que nos é feita quer pela Ordem dos Médicos quer pelos próprios médicos, no sentido de desenvolvermos os Centros de Responsabilidade Integrados (CRI).

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O plano de emergência fala na hipótese de os profissionais do quadro poderem trabalhar em regime de prestação de serviço na própria unidade.
Estamos a estudar isso há cerca de um mês, também com a administração pública, com o Ministério das Finanças e com o Ministério do Trabalho. O modelo tradicional também terá de continuar a vigorar. Vamos precisar de refazer aquilo que já acontecia até ao final do ano, que era termos um valor suplementar a partir das horas obrigatórias [extraordinárias]. Mas além disso, gostávamos de ir mais longe. Ou através de um modelo remuneratório, por via de um suplemento, ou por via de alguma flexibilidade em termos, por exemplo, de dias de férias. Ou seja, estamos a estudar um pacote que possa ser interessante para a mobilização dos profissionais. Mais uma vez, é voluntário.

Esta possibilidade da dupla vinculação seria para alargar a todos os médicos que fazem urgência, independentemente da especialidade?
Caso possamos vir a ter esse modelo, será para todos os médicos e enfermeiros em serviço de urgência, para que em vez de irem fazer serviço no hospital ao lado, pudessem ficar nas suas equipas com um, vou-lhe chamar assim, valor hora de prestação de serviço que seja em tudo equivalente àquilo que já pagamos hoje por despacho, que vem do anterior Governo e que deixei que continuasse. Nós temos algumas urgências, em algumas zonas do país, que vivem exclusivamente neste momento de tarefeiros.

Os médicos e os enfermeiros não querem e o Governo também não quer continuar a alimentar este modelo de organização através de tarefeiros. Mas não conseguimos, de um dia para o outro, terminá-lo. Temos que encontrar formas de fazer essa transição. A dedicação plena veio trazer mais horas de trabalho em termos suplementares e há outros modelos, em cima da dedicação plena, que temos de estudar com os sindicatos para garantir as 24 sobre as 24 horas.

Quais?
A reorganização das urgências, que é uma das áreas que nós temos no nosso plano de emergência, é um dos nossos eixos estratégicos.

A ideia é que os doentes triados com pulseira verde e azul sejam encaminhados para os centros de saúde com a garantia de uma consulta em 24 horas ou para os Centros de Atendimento Clínico. Quando é que serão criados e onde é que vão ficar?

Estes centros clínicos de proximidade serão feitos um em Lisboa e outro no Porto. Além de serem as zonas mais pressionadas nesta fase, também temos de voltar a testar o modelo, que tem algumas inovações mas não é completamente novo porque no passado já tivemos os SAP [Serviços de Atendimento Permanente].

Temos mesmo de conseguir separar o que é urgente e aí requalificar, humanizar e ter não só a especialidade de urgência que vai, com o acordo da Ordem dos Médicos, finalmente ser implementada, os centros de responsabilidade mais autónomos [CRI]. Da anterior Direcção Executiva havia cinco em piloto a serem testados e agora vamos alargar a todos os hospitais que têm urgência polivalente e que queiram fazer este projecto.

Quando vão abrir e onde vão ficar instalados os centros de atendimento clínico?
No Porto, temos um hospital que vai ter praticamente toda a urgência dedicada a ser este centro clínico. É um hospital que tem convenção com o SNS.

Misericórdia?
Exactamente. E em Lisboa, aprofundámos o protocolo com o Hospital das Forças Armadas. Estamos convencidos que, muito brevemente, poderemos fazer esse anúncio.

Os custos desta medida estão avaliados?
Todas as medidas que estão no plano de emergência estão avaliadas em termos daquilo que é o seu impacto financeiro. Os portugueses, através dos seus impostos, hoje, já dedicam à saúde mais de 15 mil milhões de euros e directamente, à prestação de cuidados, mais de 11 mil milhões de euros. Mal seria que aquilo que vamos fazer neste plano não estivesse já incluído no Programa Orçamental da Saúde.

Mas há muitos incentivos que não existiam.
Mas que estão a ser requalificados para gerar eficiência, porque também havia muitos outros desperdícios que existiam e que têm que deixar de existir. Estes protocolos, em algumas situações, reduzem os encargos do Serviço Nacional de Saúde com os doentes. As urgências que são tratadas num hospital central e que não são urgências que ali deviam estar, custam três vezes e, às vezes, quatro vezes mais ao Serviço Nacional de Saúde do que vão custar agora nestes centros de proximidade clínica.

Posso dar outro exemplo. Com o trabalho muito sério que estamos a fazer com o Ministério do Trabalho da Segurança Social já identificámos 237 doentes que vão poder sair dos hospitais onde estão para lares e para apoio domiciliário. Esse trabalho tem de ser feito dia a dia. Mesmo com protocolos activados, com os hospitais a terem camas de rectaguarda, a verdade é que, muitas vezes, não conseguimos tirar estes doentes [dos hospitais]. Estamos a encontrar mais espaços de média e de longa duração para, com o apoio das famílias, podermos libertar estas camas do hospital, que custam quatro a cinco vezes mais do que se tivéssemos a pessoa num cuidado de retaguarda.

O diagnóstico dos "casos sociais" está feito, mas não houve até agora nenhuma solução verdadeiramente eficaz. O que é que propõe que altere esta realidade?
Acho que há duas razões essenciais para não ter havido muitos resultados. Tem de se fazer uma intervenção sob o ponto de vista cívico. Muitas vezes as famílias têm dificuldade em aceitar a troca entre o hospital e a rede de cuidados continuados. E algumas vezes porque a oferta é longe de casa. Outras vezes, pela ideia de que no hospital o familiar está bem cuidado, o que é verdade, mas não precisa daquele tipo de cuidado.

No PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], neste momento, estão em concurso cerca de 7454 camas de cuidados continuados. A taxa de execução era muito baixa. Havia apenas, quando chegámos, oito contratos assinados. Neste momento estamos a dar uma grande força a este processo, até porque o PRR tem uma data, e por isso temos muita expectativa. Esta matéria da rede de cuidados continuados tem estado muito bem desenvolvida pelo sector social e temos um plano para procurar retirar, antes do próximo Inverno, uma grande parte destes cidadãos - não posso dar um número, porque não estaria a ser verdadeira - dos hospitais. Só esta medida, se conseguimos tirar estes doentes dos hospitais, paga pelo menos dois eixos estratégicos: partos e o OncoStop 2024.

Na vacinação, as crianças vão receber protecção contra o Vírus Sincicial Respiratório a partir de Outubro. Quantas serão imunizadas?
Não tenho esse número comigo. Tomámos a medida assim que chegámos, porque era uma recomendação muito forte da Direcção-Geral de Saúde e da sua Comissão de Vacinação.

Admite estender esta medida também aos idosos?
Neste momento, para os idosos, não temos nenhuma proposta da Direcção-Geral de Saúde nesse sentido. O que temos para os idosos foi [o alargamento a beneficiários fora dos lares] a dose da vacina reforçada [contra a gripe].

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