Exclusão dos emigrantes das listas dos médicos de família: “Não vamos limpar listas. Vamos organizar listas”
Ministra da Saúde afirma que emigrantes vão continuar a ter acesso ao centro de saúde, mas que é preciso organizar as listas de utentes para conseguir dar médico de família a quem reside em Portugal.
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Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, a ministra da Saúde fala das medidas que o Governo está a trabalhar para dar um médico de família a cada utente, a medida "mais difícil" do programa. Vai avançar com 15 unidades de saúde familiar modelo C, que podem ser geridas pelo sector privado e social, e está a criar uma bolsa de médicos convencionados para atender quem não tem clínico atribuído. Mas sem revelar quantos já fazem parte desta bolsa. Em Junho há nova ronda negocial e Ana Paula Martins não exclui a possibilidade de discutir a grelha salarial.
Prometeu dar um médico de família a todos os portugueses até ao final da legislatura. Onde é que vai buscar médicos para conseguir cumprir essa promessa?
Vamos abrir agora mais um concurso para 900 médicos de família.
Acho que já sabe que vai ficar semi-vazio porque não há candidatos.
É importante o concurso ser aberto porque é preciso dar um sinal de que queremos que estes médicos venham para o Serviço Nacional de Saúde. Mas penso que a Medicina Geral e Familiar pode olhar de uma maneira positiva para este concurso, porque estamos a generalizar os centros de saúde nova geração, os de modelo B, e os médicos gostam deles, nomeadamente porque trabalham em equipa com os enfermeiros e com outros profissionais, desde a nutrição à psicologia. A propósito, vamos contratar 100 psicólogos para os cuidados de saúde primários.
E quanto aos centros de saúde modelo C?
Serão 15 nesta fase, distribuídos por várias zonas do país. Este modelo C são centros de saúde com características e com requisitos diferentes, que vêm da iniciativa dos próprios médicos ou do sector social ou privado. Vamos abrir poucos para podermos ter uma comissão de acompanhamento que avalie os seus resultados. Pode haver grupos de médicos, alguns deles até se calhar mais séniores, que se interessem por fazer parte destes modelos C. Além disso, estamos já desde há algumas semanas a fazer convenções com médicos (individualmente ou em grupo), que disponibilizam a sua agenda. Essa agenda, estando disponibilizada sob o ponto de vista digital, permite-nos dar resposta aos inscritos nos centros de saúde que não têm médico de família e que precisam de uma consulta e de meios complementares de diagnóstico.
Quantos médicos tem esta bolsa de convencionados?
Esta bolsa está a ser construída por médicos que se estão a inscrever todos os dias e a todo momento. Tenho um número, mas entendo que só o devo divulgar na altura certa.
Também vão retirar das listas os não-residentes em Portugal e os estrangeiros que não vão ao centro de saúde há mais de cinco anos.
Nós não vamos retirar das listas.
Vão colocar numa lista paralela.
Com certeza, é bem diferente. Falou-se muito, em determinada altura, em limpar listas. Nós não vamos limpar listas, vamos organizar listas. E aqueles que não estão a residir em Portugal continuam exactamente como qualquer outro a ter direito a ir aos nossos centros de saúde e aos nossos hospitais. Há utentes que não residem em Portugal, mas que querem continuar a ter médico de família com quem fazem teleconsulta. Estamos preparados para tudo isso. Mas temos de ser ágeis e não deixar que haja listas que têm duzentas ou trezentas pessoas que não estão sequer cá ou interessadas em ir aos centros de saúde. Seria uma péssima gestão não colocar nesse lugar as pessoas que temos ao lado e que vão à urgência quando querem ter uma consulta: uma grávida, uma criança e um idoso diabético.
Um emigrante que seja colocado na lista sombra quando vem a Portugal e quer ter consulta com o seu médico de família, poderá tê-la ou será visto por outro médico de família?
A questão é a continuidade de cuidados. Um emigrante, quando vem a Portugal uma vez ou duas vezes por ano, tem todos os seus direitos acautelados, se não for exactamente com o seu médico de família, porque ele não está naquele dia ou porque já se reformou ou não tem vaga, será com outro médico. Alguém que vive fora do país e que só vem cá uma vez por ano, a única coisa que não pode nunca perder, porque são cidadãos portugueses, é o acesso aos cuidados de saúde. Há um tempo, quando se falava nisto, as pessoas diziam ‘Ah, mas os emigrantes nunca têm a porta fechada, porque se quiserem vão à urgência do hospital’, mas não pode ser dessa maneira. O emigrante vem, vai ao seu centro de saúde, tem o seu médico de família, e, se não for este, pelas razões que eu já disse, será outro, mas terá, sim, uma resposta.
Com médicos convencionados, listas de reserva e mais 200 utentes por médico - a quantas pessoas é que contam conseguir dar médico de família?
A proposta de mais 200 utentes por médico é uma proposta que é trabalhada com os próprios médicos. Estamos interessados que aconteça neste momento é que os directores clínicos dos cuidados de saúde primários que fazem parte das Unidades Locais de Saúde possam, até para o contrato de programa de 2025 que vai começar a ser discutido agora, dizer-nos quais são, dentro dos médicos que estão na sua região e nos seus centros de saúde, os médicos que podem ter mais destes utentes ou cidadãos, de acordo também com o nível de complexidade.
Aquilo que está legislado é muito claro em termos do que é o máximo de utentes por médico de família e o máximo de unidades ponderadas. E por isso estas questões discutem-se na contratualização. O que os médicos de família nos têm revelado é estarem disponíveis para olhar para os indicadores de acesso e também para os indicadores de qualidade para que possamos construir um novo índice de ponderação. E é isso que nós vamos fazer. Se serão 50, 100 ou 200, resultará da negociação que tem que ser feita, com os médicos, um a um.
O OncoStop vai permitir dar resposta a todos os doentes que esperavam por uma cirurgia em oncologia que já tinham ultrapassado o tempo máximo de resposta garantido, e o que é que vai acontecer em relação aos restantes inscritos e que são mais de 89 mil?
Nós hoje usamos um modelo, o SIGIC [Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia], que nos últimos tempos não tem funcionado muito bem. O que é que faz este modelo? Sempre que um utente chega ao tempo máximo de espera definido por lei, é emitido um vale-cirurgia que ia para casa da pessoa. No novo modelo, que passou para SINACC [Sistema Nacional de Acesso a Consulta e Cirurgia], a pessoa que está nas listas de espera para cirurgia ou para consulta de especialidade é contactada por telefone com as opções que tem mais perto da sua área de residência. Isto porque - e eu vivi isso enquanto estive no Hospital de Santa Maria, na área da neurocirurgia – muitas vezes os doentes não aceitavam o vale-cirurgia porque era para irem para Braga. Se é um doente de Lisboa que vai para Braga, a família tem de o acompanhar, e muitas vezes as pessoas não têm posses para o fazer. Agora o utente será encaminhado dentro da sua área de residência e pode ser noutro hospital público.
A linha SNS24 que vai ter novos serviços, como a linha SOS Grávidas, contactar utentes para consultas e cirurgias e teleconsultas. Com quantos profissionais vai ser a linha reforçada?
Com todos os profissionais que forem necessários e nas especialidades que forem necessárias.
Vão ter que contratar médicos por causa das teleconsultas?
Não, as teleconsultas não são feitas com profissionais que estão sentados no centro de atendimento SNS24. Já hoje é possível. Eu, como tenho médico de família, faço as minhas teleconsultas através da App.
É o que estão a propor?
Claro. Como estamos a propor também (o serviço está montado, só que ainda não foi lançado) o chamado centro de saúde virtual, onde uma grande parte do trabalho pode ser feito através de profissionais que estão a trabalhar à distância. Isto já hoje é possível, é uma questão de intensificarmos esta possibilidade de marcarmos as nossas consultas via App SNS24 e optarmos por teleconsulta que pode ser marcada pelo próprio utente.
A questão salarial vai voltar a entrar na negociação com os sindicatos médicos ou está completamente fora de questão?
Nunca nada está completamente fora de questão quando se iniciam negociações. Nós levámos muito a sério essa chamada de atenção e estamos a trabalhar para apresentarmos na próxima reunião o protocolo de negociação. Uma coisa é certa, neste momento, temos a dedicação plena, que foi muito bem aceite por uma parte dos médicos. Creio que temos cerca de 5 mil médicos que aderiram à dedicação plena. Mas temos todos os outros que não aderiram e temos vindo, com os sindicatos e também com a Ordem dos Médicos, a perceber porquê. O que nos leva a pensar que, além das questões salariais, que não estamos a dizer que não são importantes, existem outras questões que interessam aos médicos, sobretudo aos médicos mais jovens.
Portanto, sem excluir a possibilidade de virmos a ter de considerar matérias de natureza salarial, é preciso também olhar para outras formas de vinculação. Nós temos hoje, e isso às vezes nem sempre é fácil, até para os serviços, médicos recém-especialistas que nos dizem ‘se não nos derem um horário diferente, só de X horas, nós vamos para o privado’.
Já disse que quer uma Direcção Executiva do SNS mais pequena e com menos orçamento. Que competências vão passar desta entidade para outras?
Aproveitámos o estatuto que Marta Temido, enquanto ministra da Saúde fez, para desenhar ou redesenhar a Direcção Executiva. Está lá muito bem caracterizado aquilo que se pretendia da direcção executiva. E é exactamente isso que vai aparecer agora na nova portaria que vai definir, em termos de lei orgânica, aquilo que são as atribuições e competências da nova direcção executiva.