MP quer absolvição do agente Carlos Canha. Cláudia Simões foi “arrogante” e “exagerada”

Ministério Público considerou que o agente agiu no âmbito das suas funções e que Cláudia Simões não tinha motivo para resistir à detenção ocorrida há mais de quatro anos.

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Carlos Canha na terceira sessão do julgamento no Tribunal de Sintra Daniel Rocha (arquivo)
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A procuradora do Ministério Público (MP) que acompanhou o julgamento do polícia Carlos Canha e de Cláudia Simões no Tribunal de Sintra defendeu nesta quarta-feira que o agente da PSP agiu no exercício das suas funções e deve ser ilibado dos crimes de agressão de que vinha acusado.

Adoptando a versão que foi sendo veiculada pela defesa do arguido Carlos Canha, o Ministério Público considerou que Cláudia Simões não tinha razão para resistir à detenção perto de uma paragem de autocarro na Amadora, feita por Carlos Canha, e que o agente usou da força necessária para a manietar. E acrescentou que as lesões que sofreu foram causadas pela resistência à detenção e não por agressão.

Para a procuradora Maria do Rosário Pires, Cláudia Simões mostrou um comportamento "arrogante" e fez uma descrição "exagerada" dos factos em tribunal. "Do que se verificou nesta sala, podemos perceber o que terá acontecido" no dia 19 de Janeiro de 2020, referiu, sem especificar exactamente os factos que motivaram esta relação.

Sem especificar a pena, defendeu, porém, que Carlos Canha deve ser condenado por ofensas à integridade física a dois cidadãos que o acusaram de agressão no interior da esquadra da Amadora – estes dois foram detidos naquela noite; referiu que o depoimento de um destes homens mostrou grande "humildade" e "ausência de revolta". Também não considerou existirem provas para a condenação dos outros dois agentes, João Gouveia e Fernando Rodrigues, acusados de abuso de poder e de nada terem feito para evitar a agressão.

Logo na descrição inicial do que aconteceu no autocarro, a procuradora do MP considerou que o facto de Cláudia Simões se ter esquecido do passe da filha tinha de ter como consequência duas coisas: ou pagar o bilhete ou sair do autocarro. Disse também que, depois de se recusar a ser identificada, “terá reagido de maneira, se calhar, não muito calma”.

Apesar de as lesões de Cláudia Simões terem sido confirmadas por médicos especialistas, como sublinhou a sua defesa, a procuradora em tribunal considerou um exagero as declarações de Cláudia Simões. Sobre o que classificou de exagero, exemplificou: "disse que, se não mordesse a mão ao agente, morria"; que o agente lhe tentou tirar as calças, que lhe bateu “muito, muito, muito” no carro da polícia quando era levada para a esquadra e que lhe arrancou o cabelo, sendo que ainda hoje tem dores na cabeça.

Num dos vídeos mostrado em tribunal, ouve-se Cláudia Simões a gritar: “Ele quer furar-me um olho.” E ouve-se igualmente Canha a dizer “esta gente não sabe as leis”. E a afirmar: “Levas um balázio.”​ Em tribunal, Canha disse que a afirmação era para outra pessoa que não Cláudia Simões. O vídeo mostra também o agente a dizer à arguida: “Morde, morde, morde.” A procuradora não fez qualquer menção a isto.

Carlos Canha e Cláudia Simões são ambos ofendidos e arguidos neste processo. Carlos Canha chegou a julgamento acusado pelo MP de três crimes de ofensa à integridade física qualificada, três de sequestro agravado, um de abuso de poder e outro de injúria agravada contra Cláudia Simões e contra outras duas vítimas. Cláudia Simões é acusada de ofensas à integridade física qualificada por ter mordido no polícia durante a detenção. Sobre esta acusação, não ficou claro se o MP pretendia a condenação de Cláudia Simões.

Cláudia Simões chorou, juíza pediu contenção

O caso, de Janeiro de 2020, começou com a entrada de Cláudia Simões e a filha num autocarro da Vimeca na Amadora – a filha não mostrou nem bilhete nem passe, porque se esquecera dele em casa, e o motorista terá chamado a atenção para esse facto; chegados à paragem, o motorista interpelou Carlos Canha, que estava a passar na rua, com um casaco por cima da farda, já depois de ter saído do serviço e que procedeu à detenção desta mulher de 46 anos, cozinheira e empregada doméstica. Simões acusa Canha de a agredir nessa altura e dentro do carro a caminho da esquadra, provocando-lhe lesões no rosto e cabeça. Carlos Canha alega que usou a força estritamente necessária para a detenção.

Na primeira sessão, Cláudia Simões descreveu duas agressões da parte de Carlos Canha: a primeira quando a forçou a sentar-se na paragem de autocarro e lhe bateu na mão com que agarrava um telemóvel, apertando-lhe o pescoço "com muita força mesmo". "Foi aí que lhe mordi a mão”, disse. A segunda foi já depois de a terem algemado e dentro da carrinha da polícia. "Começou a bater-me muito”, disse. “Fecharam o vidro e meteram música. Chamaram-me nomes: puta, vaca, macaca, preta do c...”, acusou.

Já Carlos Canha várias vezes disse que os ferimentos no rosto desta mulher foram provocados pela algemagem quando esta resistia à sua detenção. Alegou ainda que Cláudia Simões se atirou para o chão quando chegaram à esquadra, depois de ter sido detida, e que terá sido aí também que se lesionou.

Dois outros agentes, João Gouveia e Fernando Rodrigues, são acusados pelo Ministério Público de um crime de abuso de poder e de nada fazerem para impedir que aquele polícia agredisse a mulher. O MP em julgamento também não viu provas de que tal tivesse acontecido.

Em várias sessões, a juíza presidente do colectivo, Catarina Pires, repreendeu Cláudia Simões – desde logo na primeira sessão, em que se dirigiu à arguida. “Sente-se direita”, “não interrompa”. E, numa altura em que, de costas para a audiência, Cláudia Simões estava a limpar as lágrimas com um lenço, disse a juíza em tom repreensivo: “Todos os dias temos julgamento com matéria grave, o que verificamos é que as pessoas são capazes de ter um comportamento contido. O que lhe peço é o que peço a toda a gente: alguma contenção enquanto estiverem sentados e a ouvir outras pessoas.”

Ao longo do julgamento, a arguida e vítima foi instada a retirar a peruca que diz que usa por ter ficado sem um pouco de cabelo por causa da agressão de Carlos Canha. Juízes, Ministério Público, advogada quiseram confirmar as peladas, solicitaram-lhe repetidamente que tirasse a peruca à frente de toda a gente, provocando a indignação de algumas pessoas na audiência. Cláudia Simões acedeu sempre ao pedido.

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