África do Sul: um país politicamente violento à espera da possível violência eleitoral

Global Initiative diz que as eleições trazem uma “ameaça muito real de violência” e a decisão de excluir Zuma faz subir o perigo. Ramaphosa espera que o seu antecessor respeite o Estado de direito.

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Apoiantes de Jacob Zuma protestaram contra a decisão à porta do Tribunal Constitucional na segunda-feira Ihsaan Haffejee / REUTERS
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Sendo um país de quotidiano extremamente violento, incluindo o regular assassínio de políticos durante e fora do período eleitoral, os sul-africanos não esquecem tão cedo a explosão de violência de 2021, quando a detenção do ex-Presidente Jacob Zuma desatou uma onda de protestos violentos com destruição de lojas e veículos, saque de lojas e confrontos que redundaram em, pelo menos, 350 mortos.

Desde que na segunda-feira se conheceu a sentença do Tribunal Constitucional sul-africano de excluir a candidatura de Zuma das eleições de 29 de Maio que a ameaça velada de novos protestos violentos paira no país. O Presidente Cyril Ramaphosa busca serenar os ânimos desde que se conheceu a decisão.

“Não estou preocupado com o facto de que isto possa instigar a violência”, disse o chefe de Estado na rádio 702. “Se houver ameaças de violência, as nossas forças de segurança estão prontas para lidar com isso e não vamos medir as nossas palavras ao falar do assunto...” Para Ramaphosa, o homem que substituiu na liderança do partido e do país é alguém que “respeita o Estado de direito”. O Tribunal Constitucional decidiu, a decisão está tomada, “vivemos num Estado de direito” e “Zuma deve ser uma pessoa que respeita o Estado de direito”.

No entanto, à luz do relatório da Global Initiative divulgado esta semana, os sul-africanos podem ficar tudo menos descansados. Tendo em conta que “as eleições na África do Sul se destacam pela ameaça muito real de violência”, devido ao aumento da “influência das redes criminosas e dos intervenientes integrados no Estado na condução da criminalidade”, teme-se pelo resto da campanha e pelo período pós-eleitoral, se se confirmar que o Congresso Nacional Africano não consegue, pela primeira vez desde 1994, mais de 50% dos votos.

Zuma ainda não reagiu à decisão do Tribunal Constitucional. O seu partido, o Umkhonto WeSizwe Party (MK), veio dizer, através do porta-voz, Nhlamulo Ndhlela, que vai recorrer da decisão para o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, usando como precedente um caso no Sri Lanka.

“O Presidente Zuma não precisa de ser o Presidente do país se não quiser, isso é o primeiro. O que vou dizer é que há outras opções e essas opções passam pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU”, disse Ndhlela. “Houve um caso semelhante no Sri Lanka, em que um tribunal manteve uma ordem judicial que impediu um dirigente político do país de se candidatar às eleições”, explicou o porta-voz, adiantando que o conselho anulou a decisão nesse caso, logo, “não é o fim do caminho para o Presidente Zuma”.

Para já, a fotografia de Zuma manter-se-á no boletim de voto junto ao nome do seu partido, mas o ex-chefe de Estado já não encabeçará a lista de candidatos ao Parlamento. Mas, a julgar pela sondagem, os “estragos” do MK, o jovem partido criado para ser o veículo da sua vingança contra o ANC e Ramaphosa, que o obrigaram a demitir-se em 2019 da liderança do partido e da presidência, parecem em velocidade de cruzeiro para ter impacto nas urnas a 29 de Maio.

Os números das sondagens estão mais ou menos estabilizados num cada vez maior grau de probabilidade de o ANC perder a maioria que ostenta desde o fim do apartheid e ver-se obrigado a fazer uma coligação pós-eleitoral para poder reeleger Ramaphosa no Parlamento (o Presidente do país é eleito pelos deputados). Mais certo ainda é que, de acordo com as sondagens, perderá o governo do KwaZulu Natal, a província de Zuma, na que será a segunda província que o ANC deixa de dirigir, já que o Cabo Ocidental continuará nas mãos da Aliança Democrática.

Resta agora saber se o relatório elaborado por Rumbi Matamba e Chawayita Thobela (The Politics of Murder: Criminal Governance and Targeted Killings in South Africa) é ou não premonitório de uma recta final violenta de campanha eleitoral. Porque embora os picos de violência política tendam a ser superiores nas eleições municipais, a verdade é que “o maior número de assassinatos políticos registados na base de dados aconteceu durante as eleições nacionais de 2019, com 42 incidentes assinalados”, dizem os autores.

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