O Pacto Europeu para as Migrações e Asilo: uma oportunidade perdida?

Mantém-se, se não se aprofunda, a orientação que inspirou as respostas da UE à crise de 2015: contenção na entrada, externalização, aposta nos regressos e reforço das parcerias com países terceiros.

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Com as eleições de junho para o Parlamento Europeu como pano de fundo, as instituições europeias concluíram finalmente a prolongada e difícil negociação com vista à reforma da política europeia de migração e asilo. O processo, marcado por anos de tensão e de discordâncias entre os Estados-membros, terminou com a aprovação de um pacote legislativo designado por “Pacto em matéria de Migração e Asilo”.

A iniciativa partiu da Comissão Europeia, em 2020, e foi então apresentada pela presidente Ursula von der Leyen como “um novo começo” nesta área, particularmente politizada desde os acontecimentos de 2015. Mas será que este conjunto de diplomas que compõem o novo Pacto constitui finalmente a estratégia que permitirá à União Europeia (UE) encontrar o equilíbrio certo entre responsabilidade e solidariedade, por um lado, e entre os interesses europeus e as prioridades nacionais dos Estados-membros, por outro? Ou trata-se de uma oportunidade perdida?

Em 2015, mais de um milhão de pessoas chegou à Europa, a maioria oriunda da Síria, em fuga à guerra civil. Pela sua geografia, a Grécia e a Itália sofreram particularmente com este afluxo súbito de pessoas. Perante a descoordenação e o insucesso das soluções adotadas internamente pelas instituições europeias, a UE acabou por tomar uma série de decisões — nem todas dentro do quadro legal europeu — que procuraram sobretudo evitar as entradas de pessoas (contenção) e reforçar a cooperação com países terceiros, a quem passou a caber o acolhimento de pessoas (externalização). O acordo (de tão má memória para os defensores dos direitos humanos) celebrado em 2016 com a Turquia, então considerada pelos líderes europeus um país seguro para refugiados, é disso um exemplo.

Mas a própria Comissão reconheceu que a crise de 2015 expusera as fragilidades e deficiências estruturais do Sistema Europeu Comum de Asilo, que geram fortes assimetrias no acolhimento de pessoas entre os Estados-membros. Segundo Von der Leyen, os acontecimentos de 2015 revelaram “sérias lacunas, bem como a complexidade da gestão de uma situação que afeta diferentes Estados-membros de modo diferente”. De facto, e de acordo com as regras de Dublin — um dos pilares estruturantes do sistema — é nos países de chegada à UE que devem ser apresentados os pedidos de asilo. Como tal, países como a Grécia e a Itália, cujas fronteiras coincidem com as fronteiras externas da União, estão particularmente expostos numa situação de chegada massiva de pessoas. A expectativa seria a de que a própria crise de 2015 pudesse funcionar como motor de transformação, conduzindo a reformas substanciais — desde logo, a uma alteração das regras de Dublin.

Mas o que diz a nova reforma? De acordo com o Pacto em matéria de Migração e Asilo, pretende-se “uma abordagem abrangente das políticas europeias de asilo e migração, com base em três pilares:

  • em primeiro lugar, a criação de procedimentos eficientes de asilo e retorno;
  • em segundo, o reforço da solidariedade e a partilha justa de responsabilidades;
  • e, por fim, o estabelecimento de parcerias reforçadas com países terceiros.

Uma análise do Pacto leva-nos a concluir que ele mantém, quando não aprofunda, a orientação que inspirou as respostas europeias à crise de 2015: contenção na entrada de pessoas, externalização, aposta nos regressos e reforço das parcerias com países terceiros. O Pacto também mantém quase inalteradas as regras de Dublin, pelo que não são esperadas modificações na situação dos países da linha da frente.

As principais inovações são duas: um alargamento do uso de procedimentos acelerados e de fronteira e o estabelecimento de um sistema de “solidariedade flexível” entre os Estados-membros. A ideia subjacente aos primeiros é a de que os pedidos de asilo possam ser processados ​​muito rapidamente: aqueles que virem os pedidos aceites podem entrar na UE; os que forem rejeitados podem ser rapidamente devolvidos ao país de origem ou a um país terceiro de trânsito. Mas há outras consequências prováveis: a de que mais pessoas sejam colocadas sob detenção de facto nas fronteiras da UE, incluindo famílias com crianças e pessoas em situações vulneráveis. Tratando-se de procedimentos acelerados, é menos provável que as pessoas vejam as suas necessidades de proteção verdadeiramente reconhecidas, uma vez que dificilmente haverá uma avaliação exaustiva e integral dos seus pedidos de asilo. Tendo lugar nas fronteiras, vão também levar a uma maior sobrecarga dos países da linha da frente.

E se é certo que a outra novidade do Pacto se traduz na criação de um sistema permanente de solidariedade entre os Estados-membros que visa compensar os desequilíbrios de Dublin, a verdade é que esta solidariedade, sendo obrigatória, é “flexível”: os Estados que não enfrentam pressão migratória podem optar por prestar financiamento — desde logo, aos Estados de fronteira — em alternativa a acolher requerentes de asilo. Dada a impopularidade das recolocações de pessoas, entre acolher e pagar é mais provável que os Estados se inclinem para a última opção e é mais improvável que o novo mecanismo conduza finalmente a uma distribuição mais justa dos requerentes de asilo em toda a UE.

Paralelamente, iniciativas que visam transferir a responsabilidade pelo controlo das fronteiras e pela proteção dos refugiados para países fora da UE têm vindo a multiplicar-se: é o caso dos acordos celebrados com a Tunísia, no verão passado, e já este ano com o Egipto e a Mauritânia ou o Líbano. São práticas de externalização e de outsourcing do asilo que têm levado à retenção de pessoas em países onde os seus direitos humanos estão seriamente em risco.

Todas estas “soluções” contrastam fortemente com a resposta que a UE adotou em 2022, aquando da invasão russa da Ucrânia. Socorrendo-se de uma diretiva nunca até então usada, a UE respondeu desde o primeiro minuto de forma unânime, solidária e supranacional, repartindo o acolhimento de mais de quatro milhões de ucranianos por todos os Estados-membros e ilustrando como é possível responder aos movimentos massivos de pessoas em necessidade de proteção com uma estratégia que respeita o quadro legal europeu, o direito internacional e os direitos humanos. Tanto mais que, nos próximos anos, devido à sua posição geográfica e à sua reputação de estabilidade, generosidade e abertura, a Europa continuará certamente a representar um refúgio seguro para requerentes de asilo e migrantes, em fuga a conflitos internos e internacionais, às alterações climáticas e à pobreza global.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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