Procurador do TPI pede mandados de captura para Netanyahu e líder do Hamas

Painel de juízes irá avaliar o pedido. São nomeados Netanyahu e Gallant, do lado de Israel, e Sinwar, Deif e Haniyeh do Hamas.

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O procurador do TPI, Karim Khan REUTERS
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O gabinete do procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, anunciou que, face a uma investigação em que há motivos suficientes para concluir que foram cometidos crimes de guerra quer do lado do Hamas, quer do lado de Israel, pediu mandados de captura para vários responsáveis dos dois lados.

Do lado de Israel Khan mencionou o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, e o ministro da Defesa, Yoav Gallant.

Do lado do Hamas (e o tribunal começou a sua comunicação pelo movimento islamista), referiu-se não só ao líder em Gaza, Yahya Sinwar, e ao comandante da sua ala militar, Mohammed Deif, como a Ismail Haniyeh, o dirigente que vive no Qatar.

Entre os crimes de guerra e/ou contra a humanidade que o procurador diz que os responsáveis israelitas estão suspeitos de ter cometido estão o uso da fome contra civis, causar sofrimento ou usar tratamento cruel, assassínio, ataques intencionais contra a população civil, extermínio e/ou assassínio, incluindo em contexto de mortes à fome, perseguição ou outros actos desumanos.

Do lado do Hamas estão o extermínio, o assassínio, a tomada de reféns, a violação e outros actos de violência sexual, a tortura, outro tratamento desumano e cruel em contexto de guerra.

Especialistas como Michael Becker, do Trinity College Dublin, classificaram a decisão como “um momento de enorme importância na história do TPI”, independentemente do que possa acontecer a seguir, enquanto o diário britânico The Guardian considerava que esta era uma acção “que põe à prova a ordem baseada em valores do pós-II Guerra Mundial”.

Anshel Pfeffer, jornalista do diário israelita Haaretz, sublinha que não há qualquer menção a generais do lado de Israel (ainda que estas sejam as primeiras acusações, há ainda hipótese de surgirem mais, explicam especialistas em direito internacional), numa publicação na rede social X (antigo Twitter).

“Os dois pontos mais importantes no pedido do procurador do TPI para mandados contra Netanyahu e Gallant são a sua ênfase no causar fome e o facto de não haver mandados contra generais”, ao contrário do que acontece com o Hamas, em que a liderança militar é também acusada. “Para já, a questão é sobretudo no nível político e no bloqueio à entrega de mantimentos a Gaza.”

“Gallant, que falou num ‘cerco total’, e, claro, outros ministros provocaram esta situação”, escreveu Pfeffer. “O cerco e a ausência de qualquer plano humanitário, juntamente com os planos de batalha, permitiram ao TPI tomar uma decisão muito mais fácil do que se se tivesse concentrado apenas nas acções militares israelitas.”

Numa entrevista à jornalista da CNN Christiane Amanpour, Khan sublinhou que Israel tem direito a defender-se e “tem todo o direito, na verdade, uma obrigação, de recuperar os reféns”, mas “tem de o fazer cumprindo a lei”.

“O facto de os combatentes do Hamas precisarem de água não justifica que se negue água a toda a população civil de Gaza”, declarou.

Um painel de juízes do TPI irá agora avaliar o pedido. Caso os juízes decidam emitir os mandados, os visados poderão ser presos, se visitarem algum dos 123 países que assinaram e ratificaram o Estatuto de Roma, que criou o tribunal (na prática isso poderá não acontecer, como numa famosa visita do sudanês Omar al-Bashir à África do Sul; por outro lado, a África do Sul terá tentado evitar que o Presidente russo, contra quem há um mandado do TPI, viajasse para o país para um encontro dos BRICS para não ser confrontada com esta obrigação, Putin acabou por não viajar para lá).

O TPI decidiu que tinha jurisdição sobre o conflito israelo-palestiniano em 2021, para crimes cometidos a partir de 2014, ou seja, muito antes de 7 de Outubro, quando o Hamas lançou um ataque sem precedentes contra Israel, marcado por uma grande brutalidade, e quando Israel lançou uma guerra também sem precedentes contra a Faixa de Gaza, com o objectivo de “acabar com o Hamas”.

No final de Abril, surgiram rumores em Israel de que o TPI se poderia preparar para emitir mandados de captura e que estes poderiam incluir o primeiro-ministro.

O TPI analisa crimes de indivíduos, ao contrário do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), que analisa disputas entre Estados e que está a decidir sobre um caso apresentado pela África do Sul contra Israel com base na Convenção do Genocídio.

Nesse caso, o tribunal, a mais alta instância judicial da ONU, decidiu impor medidas provisórias a Israel, o que teve como efeito prático alguns países (Reino Unido, Países Baixos) começarem a questionar a legalidade do seu envio de armas.

A professora de Direito Internacional Juliette McIntyre, da UniSA (Universidade da Austrália Meridional), comentou na rede social X que esta decisão poderá ter ainda mais esse efeito. “Acabou o bussiness as usual, declarou. Nenhum Estado que afirme defender a legalidade deverá mandar armas a alguém com um mandado do TPI a pairar sobre si.

As reacções de ambos os lados foram rápidas. O responsável do Hamas Sami Abu Zuhri declarou à Reuters que a decisão “faz equivaler a vítima ao carrasco” e, do lado de Israel, o ministro do gabinete de guerra e antigo chefe do Exército, Benny Gantz, declarou que a decisão do procurador é “um crime de proporções épicas”.

O Presidente de Israel, Isaac Herzog, disse que a decisão mostra como “o sistema judicial internacional está em perigo de se desmoronar”, cita o diário israelita Jerusalem Post. “Esta acção representa um passo político unilateral que encoraja terroristas pelo mundo, e viola todas as regras básicas do tribunal.”

E mais tarde o próprio Netanyahu considerou que a acusação do procurador era “dirigida a todo o Estado de Israel”. E questionou mesmo directamente Khan: “procurador do TPI, como se atreve a comparar os monstros do Hamas com os soldados das IDF, o exército mais moral do mundo?​

O analista Yossi Melman comentou que a acusação poderia beneficiar Netanyahu no plano interno.

Dos Estados Unidos, o secretário de Estado, Antony Blinken, condenou a decisão do gabinete do procurador. “Rejeitamos a equivalência que o procurador faz entre Israel e o Hamas”, declarou Blinken.

Numa nota no site da Casa Branca, o Presidente, Joe Biden, também bateu nesta tecla depois de considerar a decisão escandalosa”: “Independentemente do que este procurador possa insinuar, não existe qualquer equivalência –​ nenhuma –​ entre Israel e o Hamas. Estaremos sempre ao lado de Israel contra as ameaças à sua segurança.

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