Procurador do TPI diz que “ameaças” comprometem “independência” do tribunal

Publicação na rede social X não refere Israel, mas é público que o tribunal está a ser pressionado por causa da guerra em Gaza.

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O procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan Pool / REUTERS
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O gabinete do procurador do Tribunal Penal Internacional, Karim Khan, fez esta sexta-feira uma publicação na rede social X, antigo Twitter, dizendo que “a imparcialidade e independência do tribunal são comprometidas” quando “indivíduos ameaçam retaliar”.

A publicação, que não nomeia directamente Israel, acontece quando o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, aludiu à possibilidade de emissão de mandados de captura do TPI contra responsáveis israelitas, e depois de congressistas americanos dizerem que estão a preparar medidas contra juízes do tribunal.

O site Axios detalhou, entretanto, o tipo de pressão israelita sobre os Estados Unidos, que não são signatários do Estatuto de Roma que criou o TPI: se o TPI emitir mandados de captura para líderes israelitas (fala-se do primeiro-ministro, ministro da Defesa e chefe das Forças Armadas), Israel “levará a cabo medidas de retaliação contra a Autoridade Palestiniana que podem levar à sua destruição”.

Segundo os media israelitas, Netanyahu está muito preocupado com esta possibilidade de acusação. Mas o diário israelita Haaretz diz que esta não é partilhada pela generalidade das pessoas responsáveis por questões legais e de segurança, algumas das quais lembram um “pânico” semelhante no Verão de 2014, quando nada aconteceu.

O TPI decidiu em 2021 que tinha jurisdição sobre crimes graves cometidos em Israel e Palestina, depois de um longo processo. O período a investigar começa em 2014, inclui crimes levados a cabo pelos dois lados, e incluirá a actual ofensiva de Israel na Faixa de Gaza.

Ao contrário do Tribunal Internacional de Justiça, da ONU, que decide sobre disputas entre países (e impôs recentemente a Israel medidas provisórias no caso apresentado pela África do Sul no âmbito da Convenção contra o Genocídio), o TPI julga indivíduos.

O gabinete do TPI tinha declarado, em reacção aos rumores, que “a confidencialidade é um aspecto fundamental do trabalho do procurador” e por isso não iria “discutir publicamente as [suas] actividades”.

A agência Reuters diz que foram ouvidos pelo tribunal vários elementos das equipas de saúde dos hospitais Al-Shifa, na Cidade de Gaza, e Nasser, em Khan Younis, os dois maiores hospitais do território que foram cercados e alvo de incursões militares de Israel, que alegava que eram usados por combatentes do Hamas. Os hospitais têm protecção especial no direito internacional humanitário.

Guterres pede investigação a valas comuns

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, falou esta semana da descoberta de valas comuns nos dois hospitais, dizendo que é “imperativo” o “acesso imediato de equipas forenses para determinar as circunstâncias exactas da morte de centenas de palestinianos e como foram enterrados”.

“As famílias das pessoas mortas e desaparecidas têm o direito de saber o que aconteceu”, declarou Guterres, e o mundo tem o direito de ver a responsabilização de quaisquer violações do direito internacional que possam ter acontecido.”

Quanto ao procurador do TPI, Karim Khan tinha já feito duas visitas à região, sublinhado a necessidade de que a população de Gaza tenha “acesso a alimentação básica, água, e a medicamentos, sem demora”. Numa delas, deixou mesmo um aviso a Israel: “Se não o fizerem, não se queixem quando o meu gabinete for obrigado a agir”, lembra o antigo director da Amnistia Internacional Kennet Roth no jornal The Guardian.

A revista The Economist cita um responsável israelita, sob anonimato, a dizer que Israel não tem como saber se há mandados iminentes. “Certo é que Netanyahu pensa que há — e está em pânico.”

Por isso, tanto a Economist como o Haaretz põem a hipótese de acções recentes de Netanyahu estarem ligadas à pressão de potenciais acusações pelo TPI (combinadas com pressão dos EUA): o aumento da entrada de ajuda para a Faixa de Gaza, o adiamento de uma ofensiva em Rafah, e o concordar com termos mais flexíveis para um potencial acordo com o Hamas para libertação de reféns e uma trégua nos combates.

Ainda assim, os problemas causados pelas restrições mantém-se, já que a ajuda continua a não ser suficiente para minorar a grave situação de fome no território palestiniano, disse Arif Husain, economista-chefe do Programa Alimentar Mundial, numa entrevista à revista New Yorker.

Husain congratula-se pelo aumento de ajuda e diz que já se vêem consequências, como o preço dos alimentos nos mercados a descer, e que há uma melhoria no consumo alimentar. Mas não chega: “Os sistemas imunitários destas pessoas estão extremamente fracos. Estão muito susceptíveis a surtos de doenças. Temos de nos assegurar de que conseguem o alimento de que necessitam, e isso não pode ser durante um ou dois dias ou uma semana. Tem de ser em todos os dias no futuro previsível”, declarou.

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