A bolha Taylor Swift ocupa o mundo todo

Está em todo o lado, com força gravítica própria. Fez das canções, letras e algoritmos um gigante jogo colectivo – explorando as regras do mundo pop e digital a seu favor. Em Lisboa, sexta e sábado.

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Taylor Swift actua sexta-feira e sábado no Estádio da Luz, em Lisboa Kevin Mazur/TAS24/Getty Images for TAS Rights Management
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São as primeiras palavras que ecoam no estádio, ainda antes de Taylor Swift subir a palco: “It’s been a long time coming”. Neste caso são particularmente verdadeiras: os concertos da Eras Tour, esta sexta-feira e sábado, vão ser os primeiros da norte-americana em Portugal em 18 anos de carreira. E embora possa ajudar a explicar por que é que os bilhetes para os espectáculos no Estádio da Luz se esgotaram em apenas algumas horas, esse está longe de ser o único motivo.

O universo de Taylor Swift é como um buraco negro: suga para dentro dele. Uma vez lá dentro, é difícil sair; Swift é um dos mais rentáveis bens de consumo da actualidade e os algoritmos sabem-no, aproveitam-se disso. Há cantos das redes sociais em que é impossível escapar-lhe. Dois scrolls e aparece um vídeo dela. Sem música para ouvir no Spotify? Não há problema, ele muito provavelmente vai recomendar Taylor Swift.

Isto não é um problema para quem vive neste universo de livre vontade. Há fãs colados aos ecrãs a seguir cada passo que Swift dá, a analisar cada palavra que diz ou canta, cada peça de roupa, à procura da chave que vai desbloquear o próximo nível do jogo, o próximo Easter egg. Os fãs de Swift são descritos como os mais fiéis do mundo da pop actualmente – e a cantora sabe disso. Depende deles. A carreira que construiu está toda baseada na relação que tem com o seu fandom. Nisso e num controlo apertado sobre a própria imagem – apenas um dos muitos elementos que contribuem para a aura. Porque o que está em causa aqui é mais do que música.

Dizer que 2023 foi o ano de Taylor Swift não é sequer uma afirmação polémica. Alcançou um estatuto reservado a poucos: o da ubiquidade. Foi o ano em que arrancou com uma das digressões mundiais mais lucrativas da história – 152 espectáculos no total, embora este número ainda possa aumentar, que terão rendido cerca de mil milhões de dólares (920 milhões de euros). Cada espectáculo da Eras Tour, que passa em revista praticamente todos os álbuns da sua carreira, dura mais de três horas. Cada segundo é gravado e acaba algures no TikTok. Ou no X.

Ou numa sala de cinema. O filme da Eras Tour estreou-se nos cinemas (incluindo em Portugal, com um preço por bilhete de 13 euros e 13 cêntimos – 13 é o número preferido de Swift) a 13 de Outubro de 2023 e, até 5 de Abril deste ano, gerou 262 milhões de dólares (cerca de 241 milhões de euros). A 15 de Abril chegou à Disney+ — com quatro canções que não tinham entrado para a versão nos cinemas – e tornou-se no filme musical mais visto da plataforma de streaming.

Não é de estranhar que tenha sido em 2023 que se tornou multimilionária, de acordo com a Bloomberg, que sublinha que se trata de “um cálculo conservador” e que se baseia apenas nos rendimentos que terá obtido com a música.

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Taylor Swift num concerto em Paris, 12 de Maio Kevin Mazur/TAS24/Getty Images

Mas este aparente toque de Midas vê-se também nas pequenas coisas. O interesse por ela é tanto que a Gannett, um dos maiores grupos de media nos Estados Unidos, contratou um jornalista apenas para cobrir tudo o que ela faz. Fez mexer a economia dos locais por onde passava na sua tournée. As pulseiras artesanais que se trocam durante os concertos (“So make the friendship bracelets” pediu ela, e os fãs ouviram) fez disparar a procura por missangas em 500% nas lojas da especialidade em alguns estados dos EUA.

Por tudo isto, a Time fez dela Pessoa do Ano de 2023. E descreveu-a de forma sucinta: “Ela tornou-se a protagonista do mundo.”

“Chegou a um nível de fama que nem ela achou que ia chegar”, afirma Rodrigo Abreu, de 24 anos, um dos administradores de uma das páginas de fãs portugueses mais activas no Twitter, Taylor Swift Portugal. “Em 2019 ela achava que tinha a sua última oportunidade para ter o nível de fama que conquistou em 2014.” Enganou-se.

O estudante natural da Madeira está desde 2020 à espera dela em Portugal. Tinha bilhetes para o Nos Alive, cancelado devido à pandemia, e que seria a estreia da cantora da Pensilvânia em Portugal. Conseguir esses bilhetes “não foi esta loucura”, descreve. Até a página que gere registou um “boom” desde que foi anunciado que a Eras Tour passaria por cá: “Estava toda a gente a mandar mensagens para a página, imensos likes, retweets, respostas…”. Actualmente somam mais de 16 mil seguidores.

É fã desde 2017. “Reputation foi o primeiro álbum que comprei fisicamente”, afirma. Desde então já sabe que vai ficar “acordado até às 5h” para ouvir os álbuns assim que são libertados nas plataformas de streaming. “Já é tradição.”

No dia 19 de Abril, cumpriu-a. Saiu The Tortured Poets Department (TTPD), o 11.º álbum de estúdio da cantora. “Estava cheio de sono, mas ouvi tudo. Houve músicas que me ficaram logo na cabeça, mas vou ser sincero: gostei mais de The Anthology, a extensão que saiu às 2h [7h em Portugal]. No entanto, gostei muito de tudo”, avalia. No total, são 31 músicas, duas horas e dois minutos de duração. TTPD estreou-se no primeiro lugar da Billboard, foi o álbum mais ouvido numa semana no Spotify e foi o primeiro nessa plataforma a conseguir mil milhões de audições numa semana (na verdade menos, apenas cinco dias).

Apesar do sucesso e de ter caído nas boas graças dos fãs, a crítica não foi tão positiva. O Ípsilon deu-lhe duas estrelas e Pedro João Santos descreveu-o como “duas horas de verborreia e reciclagem melódica”. Chris Richards, do Washington Post, arranca o seu texto com uma pergunta irónica: “Quem está a torturar quem aqui?” E termina-o com uma provocação: “Há muito tempo que esperamos por um álbum da Taylor Swift que pareça minimamente interessado no mundo que ela domina.”

Mas que mundo é esse? O que compõe o universo de Swift?

Em primeiro lugar, a música

Quando perguntamos a Rodrigo por que é que gosta de Taylor Swift, a primeira resposta que dá é “as letras”. “Uma coisa que adoro num artista é a escrita.”

Este é daqueles pontos em que parece haver consenso entre os fãs, a crítica e até mesmo a academia: Taylor Swift sabe escrever uma canção, porque sabe contar uma história.

Prova número um: Sam Lansky, que a entrevistou para a Time, começa o texto por lembrar uma curta história que ela lhe contou: “Demorou apenas 30 segundos a contá-la, mas esses 30 segundos continham um mundo narrativo inteiro. Não estou surpreendido. Swift tem uma capacidade sobrenatural para encontrar uma história.”

Já Rob Sheffield, da Rolling Stone, que fez uma lista das 274 canções que Swift já compôs ou interpretou (da pior para a melhor), descreve-a assim: “Com todo o respeito pela Taylor, que é um mito, um ícone, um dos elementos principais dos tablóides que fazem passadeiras vermelhas, celebremos a verdadeira Taylor – a compositora que ela nasceu para ser.”

Stephanie Burt, crítica literária, poetisa e professora de Inglês em Harvard (e que dá uma cadeira sobre ela), acredita que Swift tem “um ouvido fantástico no que toca à forma como as palavras soam quando estão juntas”, disse à The Harvard Gazette.

“Uma das coisas que são mesmo notáveis para mim é que, em termos harmónicos, ela não é assim tão interessante. São progressões pop normais”, fez notar. “As suas inovações e brilhantismo como compositora são melódicos e verbais.”

A cantora de 34 anos, que acumula 14 Grammys, nunca escondeu que escreve compulsivamente: “Comecei a escrever canções aos 12 anos e desde aí que são o compasso que guia a minha vida. Por seu turno, a minha vida guia a minha escrita. Tudo o que faço é uma extensão da minha escrita”, revelou, em 2022, quando recebeu um doutoramento honoris causa em Belas-Artes pela Universidade de Nova Iorque. “Às vezes uma fiada de palavras enreda-me de tal forma que não consigo focar-me em mais nada até a gravar ou apontar.”

Taylor Swift não inventou as técnicas que usa – é apenas extremamente boa a usá-las. Num estilo abertamente confessional (e que, ao longo de anos, se tornou numa das janelas mais fidedignas para o seu mundo pessoal), quase sempre na primeira pessoa, as canções debruçam-se sobre temas intemporais — amor e desamor, rejeição, luto ou incerteza — de forma detalhada e, às vezes, cirúrgica.

No fundo, faz “músicas que ficam no ouvido e com uma ponte intensamente catártica”, palavras da própria.

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A Eras Tour já rendeu 920 milhões de euros Mazur/TAS24/Getty Images

Mas é só isso que prende os fãs? Bem, sim, mas não só. Alimentam-se também da discussão, análise e fóruns de debate que se criam sempre que há música nova. Nas redes sociais, no site especializado em letras de canções Genius ou nos fóruns do Reddit esmiúça-se cada frase, partilham-se teorias, referências, provas. “Não fico obcecado com as letras para vir dizer que a canção é sobre alguém ou como se ela se estava a sentir, não sou assim”, afirma Rodrigo. Mas há quem seja.

Os algoritmos alimentam e alimentam-se deste comportamento. Nas semanas em que Swift lança música é difícil fugir-lhe. Multiplicam-se os vídeos no TikTok com excertos de músicas, com teorias sobre os significados. É fácil ficar enredado na teia.

“Os nossos algoritmos e redes sociais estão desenhados para produzir clubes de fãs ao redor de bens de consumo”, disse Petter Törnberg, professor de Ciências Sociais Computacionais na Universidade de Amesterdão, citado pela The Atlantic. Mas por detrás disto tudo está também o trabalho de milhões de fãs dedicados.

“Parece que estou a ler o meu diário”

Georgia Caroll acumula dois epítetos que a tornam qualificada para falar sobre Taylor Swift: é fã desde os 14 anos (ou seja, desde 2008) e escreveu uma tese de doutoramento sobre a cantora e os seus fãs — especificamente sobre a forma como estão dispostos a gastar dinheiro para pertencer a um fandom.

“Há três formas de pensar os clubes de fãs”, começa por explicar, em entrevista ao Ípsilon por videochamada a partir de Sydney, onde vive. “Os das raparigas adolescentes, os geeks e os dos adeptos de desporto.”

Carroll descreve os fandom femininos como sendo os mais “privados” dos três. Não há jogos para ver em estádios, nem convenções para se estar com pessoas que gostam do mesmo que nós. Há muita gente, sim, mas a produzir e a partilhar conteúdos a partir das suas casas. “Sempre foram obrigadas a criar os próprios espaços”, explica.

“O fandom da música pop sempre foi muito feminino, até historicamente, com as fãs apaixonadas de Elvis, dos Beatles ou das boys bands dos anos 1990. Mas nessa altura era mais aceitável que as mulheres se comportassem desta forma”, acredita. Agora, nem por isso.

É errado pensar que Taylor Swift tem apenas fãs adolescentes – eram-no, sim, quando começaram a segui-la, mas hoje terão entre os “30 e os 35 anos”, estima a académica. As que têm mais tempo a dedicar à comunidade de fãs, no entanto, são ligeiramente mais jovens (na casa dos 20), que também é quando é “mais socialmente aceite” ser fã de uma celebridade.

“Alguns fãs dizem que não se sentem à vontade para dizer que gostam dela em locais como o emprego porque muitas vezes falamos deles num sentido estereotipado, baseado no que vemos online”, acredita. E como descrever os swifties? “Fiéis” é a primeira palavra que lhe ocorre. Dispostos a defendê-la publicamente, também. E a investir muito tempo e dinheiro nela.

“Há a sensação de que cresceste com a Taylor porque ela era muito nova quando começou a lançar música”, justifica. “Todos os álbuns que lança são sobre algo que já vivemos ou que estamos prestes a viver. E muitos dos fãs com quem falei para a minha tese de doutoramento disseram que era como se estivessem a ler o seu próprio diário. Diziam coisas como: ‘Sinto-me tão ligada a ela, claro que vou continuar a apoiá-la’.” Tudo isto promove a identificação.

Carroll acredita que as letras “falam muito” aos fãs, especialmente “às mulheres”, porque “está a escrever sobre si própria e sobre as próprias experiências”. É-lhe difícil despir a pele de fã quando fala como académica: “A primeira vez que ouvi Love story [do álbum Fearless, de 2008]… Ela cantava sobre paixonetas e amizades complicadas, percebeu o que é ser uma rapariga adolescente.”

Mesmo agora, já nos 30, ouvir essa mesma canção traz-lhe “de volta todos esses sentimentos”.

O mercado da nostalgia — e as regravações

Não há nada que alimente mais a nostalgia do que... regressar ao passado. Literalmente: Swift tem-lo feito ao longo dos últimos anos com o chamado projecto das regravações. Mas para entender porquê é preciso recuar a 2019, quando se tornou pública a disputa com a sua editora de sempre, a Big Machine Records, até então detida por Scott Borchetta.

Nesse ano, a editora foi vendida a Scooter Braun, agente de Kanye West, que ganhou, desta forma, acesso aos masters (as gravações originais) dos seis primeiros álbuns de Swift. Foi ele quem passou a decidir como é que essa música podia ser usada – por exemplo, num filme – e a receber os pagamentos correspondentes.

Taylor Swift e Kanye West têm, desde 2009, uma das relações mais tumultuosas do mundo da música. E tudo começou quando o rapper interrompeu um discurso de agradecimento da cantora numa cerimónia de prémios da MTV.

A relação entre os dois azedou de vez quando, em 2016, Kanye lançou a canção Famous (com a infame passagem da letra “I feel like me and Taylor might still have sex/ Why? I made that bitch famous”) e um videoclip onde se vê uma boneca de cera de Swift deitada numa cama, nua. West disse que pediu autorização para avançar, Swift desmentiu. Tudo escalou quando Kim Kardashian publicou no Snapchat uma parte de uma chamada entre os dois – e que iniciou uma campanha de ódio online contra Swift.

“Descobri hoje que Scooter Braun comprou os meus masters”, escreveu a cantora no Tumblr. “Só conseguia pensar no bullying incessante e manipulativo que sofri às mãos dele durante anos”, continua, citando o videoclip de West, que descreve como “pornografia de vingança”. “Agora Scooter tirou-me o trabalho de uma vida, que nem tive oportunidade de comprar. Essencialmente, o meu legado musical vai ficar nas mãos de uma pessoa que o tentou destruir.”

Foi com uma nova editora, a Republic Records, onde é dona “de tudo o que criar”, que começou o projecto das regravações. Como manteve os direitos de composição musical, Swift arranjou, assim, uma forma de recuperar o controlo sobre o seu passado. Os álbuns regravados passaram a ser identificados com “Taylor’s Version” – com apelos aos ouvintes para que consumam estas versões em vez das originais – e vêm acompanhados de canções extras, que ficaram de fora do alinhamento original e passaram a ser identificadas com um “From the vault” (do cofre).

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As “pulseiras da amizade” trocadas nos concertos a seu pedido fizeram disparar a procura por missangas Lisa Maree Williams/Getty Images
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Denholm/TAS24/Getty Images

“Respondo à dor extrema com desobediência”, justificou em entrevista à Time, em 2023.

Desde 2021, já regravou quatro dos seis primeiros álbuns: Fearless (2021), Red (2021), Speak Now (2023) e 1989 (2023).

Todos estes lançamentos são mais uma oportunidade de fazer dinheiro. Todos eles tiveram direito a uma “robusta campanha promocional”, que inclui “mais merchandising e versões múltiplas de edição limitada de cada álbum para que os fãs possam coleccionar”, escreveu Kate Pattinson, estudante de doutoramento de Indústria Musical na Universidade RMIT (Melbourne, Austrália), num ensaio para o site de divulgação científica The Conversation.

Na sua tese de doutoramento, Georgia Carroll também olhou para a forma como os fãs de Swift são incentivados (e até “treinados”, afirma) a gastar dinheiro com ela.

Se é verdade que “todos os fãs” gostam de coleccionar coisas (de cromos a T-shirts), também é verdade que “Taylor aproveita esse desejo e fá-lo de forma inteligente, com as edições limitadas, contagens decrescentes (por exemplo, um vinil com uma canção exclusiva que só está disponível durante 72 horas)”. Alimenta-se algo que vende muito: “O medo de ficar de fora”.

O segredo passa também por “alimentar lentamente a base de fãs, habituando-os a certos comportamentos, a uma certa qualidade de música, a uma certa qualidade de retorno, e treinando-os para interagir de certas formas, recompensando-os com diferentes tipos de atenção, com prémios. Ao longo dos anos, esta construção tem sido muito lenta”, concretiza.

Habituou os fãs a um álbum novo de dois em dois anos. A experimentar com vários estilos e sonoridades – como com 1989, de 2014, quando cimentou a sua entrada na pop ou com Folklore e Evermore, dois álbuns com sonoridades mais folk, lançados durante a pandemia e que lhe “mudaram a trajectória da carreira”, abrindo o universo de Swift a um público mais vasto, defende Carroll.

De 2019 até hoje, e contando com as regravações, Taylor Swift lançou nove álbuns – cinco álbuns de estúdio completos e quatro regravações —, o que não só é “uma quantidade incrível de conteúdo” como “uma forma de se manter sempre na mente das pessoas”.

Tudo é intencional

Ouvimos o sintetizador de Jack Antonoff em Mastermind, a canção que encerra Midnights (2022), e sentimos logo a claustrofobia. A letra parece descrever um encontro fortuito entre dois amantes — mas ouvimos mais sobre a carreira (e vida) da autora, que parece gerir com mão férrea. “Check-mate, I couldn’t lose. What if I told you none of it was accidental?

Tudo parece ser calculado ao milímetro na sua carreira desde os primeiros anos. Vê-se em coisas como a imagem pública de “queridinha da América” que cultivou até aos primeiros anos da vida adulta, afastada de grandes polémicas (excluindo a que inclui Kanye West, mas já lá voltamos) e que a motivou a não revelar sequer a sua orientação política até 2018, quando apoiou publicamente dois candidatos democratas durante os midterms.

Ou quando, em 2015, numa entrevista à People, admitiu que planeia a sua carreira “com um ou dois anos de antecedência”, mas que queria aprender a ser mais espontânea. Em 2016 quebrou essa regra, mas não por vontade sua. Nesse ano, que descreve como o annus horribilis em que não “saiu do apartamento que arrendou uma única vez”, desapareceu aos olhos do mundo, tudo por causa da história do Snapchat que envolve Kanye.

O planeamento que aplicou à sua carreira é, no entanto, um dos seus principais pontos fortes para Kelly McCormick, professora de Empreendedorismo na Escola de Gestão da Universidade de Houston, nos EUA. Desde 2023 que dá uma cadeira baseada nos exemplos da cantora, à qual chamou (talvez de forma hiperbólica) “O génio empreendedor de Taylor Swift”.

McCormick avisa logo: não é uma swiftie hardcore e nem tinha pensado muito na forma como Taylor “conduzia os próprios negócios” até ter presenciado a Eras Tour, em Abril do ano passado. “Nas aulas falamos de uma era específica e vemos como é que ela promoveu e vendeu o álbum daquela era”, explica ao Ípsilon. Com base nos seus exemplos, exploram-se temas como “saber bem quem é o teu cliente, que tipo de valor podes trazer para o mercado ou como te podes tornar uma marca”.

Prova de que nada é deixado ao acaso para Swift são os “Easter eggs”, pistas sobre a sua carreira para os observadores mais atentos, acredita McCormick.

Swift admitiu que deixava este tipo de pistas em 2019, durante uma entrevista com a Entertainment Weekly: “Acho que as melhores mensagens são as crípticas. Os ‘Easter eggs’ podem aparecer em roupa ou joalharia. Estas são algumas das minhas formas preferidas de o fazer porque, quando usamos algo que antecipa uma coisa, as pessoas não entendem logo, mas sabem que provavelmente estás a mandar uma mensagem”, disse. “Há muitos exemplos disto na minha carreira.”

Desde o início que o faz, com diferentes níveis de sofisticação. Logo no primeiro álbum, lançado em 2006, decidiu “codificar as letras com mensagens escondidas, ao escrever tudo em minúsculas, com maiúsculas aleatórias que soletram os significados das músicas, admitiu em resposta ao Washington Post, em 2022.

Exemplos mais recentes incluem o videoclip de Bejeweled, do álbum Midnights, com uma pista escondida na cor dos botões do elevador: o número 13, a roxo, deu aos fãs indicação de que a próxima regravação a ser lançada seria a de Speak Now.

De cada vez que Swift faz ou mostra algo que parece suspeito, multiplicam-se as publicações nas redes sociais dos fãs, que tentam, em conjunto, completar o quebra-cabeças. “Uma espécie de exército online que só vai falar sobre os ‘Easter eggs’”, descreve McCormick. “Se temos tanta gente a querer falar sobre nós, então temos várias vias abertas para chegar ao nosso público. Ela gosta de planear e ter estas pequenas coisas. É muito intencional na forma como se apresenta.”

E, no fundo, as pessoas

Nesta tentativa de explicar por que é que Taylor Swift é relevante, baralham-se as cartas, mas o resultado é o mesmo: as pessoas. “Ela trabalha na indústria musical há quase 20 anos e há muita promoção e marketing em cada álbum. Mas o mais surpreendente é o que ela faz pelas pessoas há tantos anos”, afirma a académica.

“Para promover o primeiro álbum, em 2006, fazia ‘meet and greets’ de quatro horas em cada concerto, mesmo naqueles em que só fazia a abertura. Ia para parques de estacionamento dar CD às pessoas. Também fez um trabalho incrível com as pessoas que a estavam a promover. Quando fazia a digressão das rádios, queria conhecer cada pessoa envolvida. Lembrava-se do nome dos filhos dos locutores. Esse tipo de relação é benéfico para que as pessoas nos queiram promover, para que continuem a falar de nós de forma positiva.”

Durante anos, até à covid-19, convidava fãs para “sessões secretas”, que aconteciam em sua casa, para ouvir os álbuns novos antes do lançamento e fazer uma festa. Enviava presentes e cartas escritas à mão para alguns fãs. A sua equipa (que inclui a mãe, Andrea Swift) escolhia fãs a dedo, durante os concertos, para que a fossem conhecer nos bastidores.

“Na era 1989, usava muito o Tumblr enquanto rede social e, nessa altura, interagiu com mais de 27 mil publicações. Ela era a única a gerir a sua conta; mais ninguém estava a fazer isto. Ela estava apenas a ser ela mesma, a escrever um álbum, a fazer uma digressão e a interagir com os fãs. Isso cria superfãs, daqueles que vão falar de ti aos amigos”, sublinha McCormick.

Isso acabou quando a disputa com Kanye West começou. Esse foi o ponto de viragem na forma como usa as redes sociais. “Ela já deu entrevistas em que disse que ia simplesmente ter mais controlo sobre aquilo que deixava que a opinião pública soubesse, especialmente porque estavam a especular muito sobre a vida dela. Mas nessa altura ela já tinha muitos superfãs e continuou a criar”, analisa a professora.

Actualmente, praticamente não dá entrevistas a meios de comunicação social (com algumas excepções, como a entrevista que concedeu quando foi considerada Pessoa do Ano para a Time). A via oficial de comunicação com os fãs é através das próprias páginas nas redes sociais ou da Taylor Nation, a página da sua equipa de gestão. “The greatest of luxuries is your secrets”, canta em Dear Reader (2022). E aplica à sua carreira.

A miúda dos “meet and greets” de horas deu lugar a uma adulta eternamente insatisfeita e perfeccionista. Vemo-lo em Miss Americana, documentário de 2019, quando, ao saber que não tinha sido nomeada para os Grammys com Reputation (2017), responde com um “tenho só de fazer um álbum melhor”. Ou quando em Mirrorball (2020) nos canta “I’ve never been a natural, all I do is try, try, try”. O que esperar do concerto em Lisboa? Apenas tudo – tudo pelos fãs; tudo pela máquina que mantém este mundo a girar.

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