Os motins na Nova Caledónia: porque estão a acontecer e o que têm causado?

Registam-se cinco mortes desde o início dos motins na segunda-feira, uma intensificação dos protestos contra uma reforma constitucional proposta por Macron.

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Para além das vítimas mortais, várias lojas foram incendiadas durante os distúrbios das ultimas noites, tendo danificado gravemente a economia OLIVIA ILOA / OLIVIA ILOA VIA REUTERS
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Desde a madrugada da passada segunda-feira que se têm vivido noites marcadas pela violência na Nova Caledónia devido a motins durante os quais se têm saqueado e incendiado lojas e outros estabelecimentos e se têm organizado bloqueios de estradas.

Representantes do Governo central francês apontam o dedo a um colectivo de independentistas radicais, pertencentes a várias organizações, bem como a uma ingerência do Azerbaijão no apoio às forças independentistas na ilha. O Alto Comissariado da República estima que participaram cerca de 5 mil amotinados nos actos dos últimos dias.

Onde fica a Nova Caledónia?

A Nova Caledónia é um arquipélago composto por sete ilhas da Oceânia que compõem um território ultramarino autónomo de França. A capital, Nouméa, fica na maior ilha do arquipélago, conhecida como Grande Terre, a cerca de 17 mil quilómetros de Paris e a mil quilómetros de Brisbane, na costa leste da Austrália.

Qual é a raiz por trás dos motins?

Os motins têm origem na discussão e aprovação na Assembleia Nacional, câmara baixa do parlamento francês, de uma proposta feita pelo Governo francês e apoiada pelo Presidente Emmanuel Macron que visa uma reforma eleitoral que implica a alteração do estatuto da região, consagrado na Constituição francesa.

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A reforma eleitoral consiste na eliminação do congelamento dos cadernos eleitorais da Nova Caledónia que restringem o direito de voto aos habitantes e descendentes de quem viveu na região entre 1988 e 1998.

O congelamento foi uma das provisões presentes nos Acordos de Nouméa, assinados entre o Governo central francês, os independentistas e as forças leais a França, com vista a acomodar as pretensões dos independentistas representantes dos kanaks, organizados na Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista (FLNKS)

A alteração é altamente criticada pelos partidos independentistas, que consideram que o congelamento do eleitorado é “a essência do processo inovador de descolonização”, disse o senador da FLNKS Robert Xowie. Já Daniel Goa, presidente do partido União Caledoniana, membro da FLNKS, tinha criticado no órgão regional, em Fevereiro, a unilateralidade da decisão do Governo central, considerando uma mudança “brutal de método”.

Macron tinha prometido uma alteração ao estatuto da região numa visita feita ao território em 2023. Desde 2018, a Nova Caledónia teve três referendos pela independência, sendo que nos três o "Não" saiu vitorioso e o último, em 2021, foi boicotado pelos independentistas.

Que consequências têm tido estes motins?

Os motins provocaram a morte de cinco pessoas na Nova Caledónia. Três das vítimas eram pessoas da etnia kanak, de 17, 20 e 36 anos. Os outros dois foram guardas militares, tendo sido um deles vítima de um disparo de “fogo amigo”.

Para além dos danos humanos, os danos patrimoniais também foram grandes. Segundo a estimativa da Câmara de Comércio e Indústria da Nova Caledónia citada pelo órgão regional La 1ere, os danos patrimoniais ultrapassam os 200 milhões de euros, tendo a rede de abastecimento de bens essenciais sido gravemente afectada também.

"Entre 80 e 90% da rede de distribuição de produtos alimentares em Nouméa, desde lojas a armazéns e grossistas, foi "aniquilada", afirmou o presidente da Câmara de Comércio e Indústria, David Guyenne, acrescentando que a própria "estrutura da economia da Nova Caledónia foi afectada".

Nos passados três dias várias lojas foram saqueadas e incendiadas pelos amotinados, assim como carros. Vários habitantes barricaram-se em casa para se protegerem.

Quem tem responsabilidade sobre os motins?

O ministro do Interior e do Ultramar, Gerald Darmanin, apontou o dedo da responsabilidade ao colectivo independentista CCAT (Célula de Coordenação de Acções no Terreno), formado por representantes de vários partidos e sindicatos independentistas.

Darmanin considerou que o CCAT é uma organização “mafiosa, violenta e que comete pilhagens e assassinatos”, tendo informado, numa entrevista ao programa matinal da televisão francesa France 2, que tinha colocado dez “líderes mafiosos” da organização em prisão domiciliária.

Também o alto-representante da República na Nova Caledónia, Louis le Blanc, chamou, segundo a edição francesa do Huffington Post, à CCAT “uma organização de bandidos que comete actos de violência flagrante, com a intenção de matar polícias, guardas militares e outros agentes da autoridade”.

De facto, a CCAT foi o colectivo que apelou aos neocaledónios para saírem às ruas para protestarem nas muitas manifestações independentistas contra a aprovação da alteração estatutária, segundo noticiava, na segunda-feira, a La 1ere.

A CCAT, num comunicado emitido esta quarta-feira, apontou responsabilidades às autoridades, condenando "o uso de violência legítima por parte do Estado contra o povo kanak e o sofrimento infligido pelas forças da ordem", apelando à "mobilização continua e pacífica" contra a medida proposta por Macron.

Na mesma entrevista de Gerald Darmanin, o ministro denuncia ainda uma ingerência do Azerbaijão no território, lamentando que os independentistas tenham feito um acordo com o país. Segundo a France 2, o Azerbaijão já tinha rejeitado estas acusações.

Qual foi a resposta das autoridades francesas? E dos partidos independentistas?

Desde segunda-feira que vigora um recolher obrigatório nocturno, anunciado pelo representante Louis le Franc. No entanto, após a intensificação dos motins, o Presidente Emmanuel Macron declarou estado de emergência na região, dando às autoridades policiais poderes reforçados e permitindo a proibição temporária do Tik Tok pelo ministro do Interior, bem como a manutenção dos suspeitos do CCAT em prisão domiciliária preventiva.

Segundo a televisão France24, o primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, anunciou ainda que iria enviar um reforço policial com cerca de mil polícias para a região. Segundo o Alto Comissariado para a República, mais de 200 pessoas foram detidas desde o início dos motins.

As entidades francesas parecem estar dispostas, no entanto, a dialogar com os partidos locais. O Presidente Macron tinha convidado as forças partidárias da Nova Caledónia para uma reunião na sede do Governo, em Paris, de modo a “criar condições para um diálogo que envolva ambos os lados” sobre a sua proposta de revisão dos estatutos, uma proposta que tinha sido bem acolhida pela FLNKS. Num comunicado conjunto, os partidos independentistas e lealistas condenaram ambos a "situação de insurreição" que se vivia na região.

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