Mulheres da Lusofonia: “Falar das nossas raízes, de quem nos cantou no ouvido”

Oito cantoras de países de língua portuguesa juntam-se em palco num projecto que homenageia em particular a mulher negra. Esta quarta-feira no CCB, com entrada gratuita.

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Anabela Aya (Angola), Karyna Gomes (Guiné-Bissau), Lura (Cabo Verde), Piki Pereira (Timor-leste), Anastácia Carvalho (São Tomé e Príncipe), Selma Uamusse (Moçambique), Fafá de Belém (Brasil) e Ana Laíns (Portugal) DR
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Chama-se Mulheres da Lusofonia, integra oito cantoras de igual número de países de língua oficial portuguesa, e leva esta quarta-feira ao palco do CCB, em Lisboa (21h), um projecto que, sendo uma homenagem à mulher lusófona, como indica o título, destaca a “Mulher Negra, mãe de uma Identidade que define a construção dos Países da Lusofonia”.

Com entrada gratuita, actuarão neste concerto Anabela Aya (Angola), Anastácia Carvalho (São Tomé e Príncipe), Ana Laíns (Portugal), Karyna Gomes (Guiné-Bissau), Lura (Cabo Verde), Piki Pereira (Timor-Leste), Selma Uamusse (Moçambique) e Fafá de Belém (Brasil), que foi quem teve a ideia de juntar este colectivo.

Com as oito cantoras, estarão em palco os músicos Paulo Loureiro (piano), Rolando Semedo (baixo), Carlos Lopes (acordeão), João Ferreira (percussão) e um quarteto de cordas composto por Ana Filipa Serrão (violino), José Pereira (violino), Joana Cipriano (viola d’arco) e Catarina Gonçalves (violoncelo). As orquestrações foram entregues a Paulo Loureiro, Nuno Tavares, Sérgio Charrinho e Telmo Lopes.

O que levou à criação deste projecto foi um convite feito à cantora brasileira Fafá de Belém para participar num concerto em Cascais, como conta a própria ao PÚBLICO: “Há uns sete ou oito anos atrás, a Ana Laíns me convidou para participar de um evento nas Festas do Mar, em Cascais, com a Orquestra Sinfónica de Cascais e com cantores e cantoras que vinham de vários países de língua portuguesa. Fiquei muito interessada pelas sonoridades que estavam ali e eu não conhecia. Depois conversei com ela, e disse que gostaria de desenvolver um projecto só com mulheres, porque a mulher é a primeira voz que se ouve quando se nasce, é a mulher que nos embala ainda dentro da barriga e eu acredito que África embalou todos nós.”

Por falar em África, uma outra cantora atraiu as atenções de Fafá, Karyna Gomes: “Eu estava na minha roulotte, ela veio e parecia uma cena de filme: enorme, como se fosse uma entidade, parecia ter três metros de altura tal o impacto que me causou. Muito bonita, maravilhosa, com roupas muito coloridas e um turbante, disse que gostava de me conhecer e explicou porquê: ‘Sou presidente do Museu da Escravatura na Guiné-Bissau e a primeira leva de escravos que saiu de África foi da Guiné directamente a Belém do Pará; e às vezes olhando para você, o meu povo te reconhece’. Aí, fiquei encantada. Porque todas as amas-de-leite de Belém eram negras. Tudo isso foi fervilhando na minha cabeça e me deu uma vontade de cantar isso.”

Fosse em Belém do Pará ou em Lisboa. E, em conversa com Ana Laíns, o projecto foi tomando corpo. Finalmente, no início de 2023, conseguiu apoio do Instituto Guimarães Rosa, no Brasil, o projecto avançou. E, com apoio da Missão do Brasil junto à CPLP e do CCB, vai começar por Belém, não a do Pará mas a Belém lisboeta: “Conseguimos lançar no mês da língua portuguesa e no CCB, tudo muito emblemático”, diz Fafá. “As mulheres com disponibilidade, cada uma vindo do seu país, e vai ser lindo. O protagonismo não é meu nem de Ana, é das mulheres. Encerramos todas cantando Raça, de Milton Nascimento e Fernando Brant, que é uma das grandes músicas deles, que encerrava o bailado Maria Maria: E depois, também do mesmo bailado, o Maria Maria, porque essa Maria somos todas nós.”

Conhecer melhor África

Mas Fafá de Belém vê que o Brasil sabe pouco dessa África que partilha com ele e Portugal a mesma língua. “O Brasil não conhece”, garante. “Lembro que, quando eu era criança, com 6 ou 7 anos de idade, vi pela primeira vez uma mulher africana fazendo um sucesso louco no Brasil, vestida com roupas coloridas e turbante, que foi [a sul-africana] Miriam Makeba, com Pata pata.” Mas o conhecimento da África lusófona é reduzido, diz: “Chega lá o Agualusa e o Mia Couto, que são fabulosos, mas não se conhece muito mais. A afinidade que Portugal tem com as Áfricas, e digo Áfricas porque que são muito diferentes, o Brasil não tem.”

Após a estreia em Portugal, Fafá conta levar este espectáculo até ao Brasil. “Acho que Portugal ama a África e o Brasil porque foi buscar neles o colorido, numa época em que tudo era ali muito cinzento”, diz a cantora, procurando uma comparação. “Então, acho que o português foi para o mundo em busca dessa luz. Como senti falta de o Brasil fazer parte dessa conexão, é com muita humildade que proponho que este Mulheres na Lusofonia faça uma invasão poderosa no coração dos brasileiros que estão aqui, das comunidades africanas, dos portugueses, e que a gente viaje de modo a levar esse espectáculo a Belém do Pará, no Brasil, em 2025, durante a Cimeira do Clima. Porque é o meu espectáculo de eleição: falar de quilombolas, das nossas raízes, de quem nos criou e de quem nos cantou no ouvido.”

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