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ABVP Travel Fest: Somos turistas e “temos enraizada a visão do colonizador”

A quarta edição do festival foi por ali, pelo Turismo de Base Comunitária, pelas nossas raízes, pelas viagens metafóricas e pelos paraísos que procuramos e ajudamos a arruinar.

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Florica. "O caminho faz-se de pessoa a pessoa", diz Bernardo Conde Bernardo Conde
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Uma turista chega a uma aldeia e pede ao guia local:
— Podes levar-me até à família mais pobre?
— Aqui, não temos pessoas pobres. Temos tudo o que precisamos e na comunidade olhamos uns pelos outros.
Vinte anos depois, a turista faz a mesmo pedido na mesma aldeia. A resposta:
— Somos todos pobres. Não temos nada.

Alguém contou a história — foi Shivya Nath — e podia ter sido contada por quase todos os que passaram pelo palco e por muitos de nós na plateia que esperavam sair deste fim-de-semana com respostas para algumas das suas dúvidas existenciais e ansiedades de viajantes, comodistas, curiosos, devoradores, transformadores de paisagens e de pessoas, ávidos exploradores do mundo e, como tal, de alguma forma também colonizadores como há 500 anos.

"Colocar as comunidades no centro da questão", lançava Filipe Morato Gomes no cortar da fita da quarta edição do ABVP Travel Fest com a "responsabilidade acrescida" de, no Teatro Jordão, Guimarães, palco e plateia, estarem bloggers e youtubers, líderes de viagens e produtores de conteúdos, instagrammers com mais de cem seguidores, mais de mil, de cinco mil ou mais de 800 mil seguidores — só uma pessoa voltou a sentar-se quando a escritora indiana provocou o exercício e começou por perguntar quem não tinha conta de Instagram —, milhões de potenciais viajantes, para o bem e para mal.

ABVP Travel Fest,ABVP Travel Fest Marília Maia e Moura
Vicente Fraga Marília Maia e Moura
Cris Marques Marília Maia e Moura
Shivya Nath Marília Maia e Moura
Rui Batista e Filipe Morato Gomes Marília Maia e Moura
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ABVP Travel Fest,ABVP Travel Fest Marília Maia e Moura

Ainda bem que Cris Marques, turismóloga brasileira, abordou bem cedo o conceito de Turismo de Base Comunitária (TBC) e também a "vulnerabilidade" das comunidades mais protegidas do turismo massificado e daquilo que ele é capaz. A pairar no Travel Fest esteve sempre a pergunta que saltava da plateia para o palco e de volta para a plateia sem resposta.
— Sabendo o que sabemos, devemos ir?
— Boa pergunta.

Para ser a sério, o TBC tem que o ser "do início ao fim", diz-nos Cris, pela "preservação" da paisagem e, ao mesmo tempo, da economia local dos sítios que a encantam e onde ganha algumas raízes. "É preciso convencer a liderança", explica, referindo-se ao "seu João", madeireiro hoje "orgulhoso nos três filhos por nunca terem derrubado uma árvore" da Amazónia. "Agora ele sabe que se mantiver a floresta em pé, ganha mais do que se a derrubar."

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ABVP Travel Fest Marília Maia e Moura

O trabalho de sensibilização tem que ser "profundo" e desde as "entranhas", a partir da cascata no quintal da dona Antônia e do seu Davi, em Serras Gerais, Tocantins, na noite em que se pernoita em redes em casas de locais no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e nas transformações que partem de dentro para fora, do Quilombo Kalunga Engenho II, no município de Cavalcante, Goiás, para o turismo, "grande fonte de renda, de riqueza, de fartura e de emprego" de que Cirilo dos Santos Rosa ouvia falar no rádio, e que bem açaimado pode melhorar "praticamente tudo". "Não havia dinheiro. Todo o mundo ganhou. Só trouxe benefício para a gente. É um ajudando o outro". Uns criam o frango caipira, uns cultivam arroz, feijão, abóbora, jiló, quiabo... outros cozinham a farofa, a salada do umbigo de banana e a carne de panela e há os que guiam e alojam os visitantes. "Hoje a gente pode ter mais um confortozinho em casa." Educação, estudos, conhecimento, pessoas mobilizadas na conservação e jovens que foram e que vão voltando à terra.

"Fihavanana", suspira Bernardo Conde, com quase dez anos de viagens a Madagáscar. Amizade e boa vontade. Das muitas paisagens que o "esmagam", Conde viaja "por causa das pessoas", com as quais vai "estreitando laços". O fundador da agência Trilhos da Terra e do Exodus Aveiro Fest lembra-se de pensar "'se calhar eu podia ajudar aqui'" — "nós, os afortunados..." — e de nunca mais ter deixado de observar a "resiliência" das comunidades que "arriscam a vida para trabalhar" e que "viram paisagens à pá", socalcos lavrados junto a rios que teimam em desaparecer.

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Ninguém deixa de ser indígena por "trocar o arco e a flecha pelo iPhone" Vítor da Silva

"Que força é esta?" Pelo trilho, deu de caras com a pequena Niri e ajudou-a a sair do carril e estudar. "Mora-mora. Devagar, passo a passo. O caminho faz-se de pessoa a pessoa. Mais vale pouco e bem." Niri, Maria dos Anjos, Florica, Cassy... "É preciso pormo-nos nos sapatos dos outros. Quando viajamos é mais fácil sermos úteis do que aquilo que imaginamos. Juntos podemos fazer a diferença. Nós que passamos ali muitas vezes, somos uma espécie de zeladores. Coisas simples que são simples e... pronto."

Em vez de matar as formigas, vamos vê-las carregar folhas, alguém sugere no documentário 2.5% - A Península de Osa, no Sudoeste da Costa Rica, que se debruça sobre o papel do turismo no "lugar com maior biodiversidade da Terra". O turismo vai salvá-lo ou destruí-lo?

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"Queremos o turismo como força do bem ou de destruição?" Cris Marques

Idealmente, terá que haver uma relação simbiótica entre nós e eles como na aldeia de Baan Talae Nok, aldeia no Sul da Tailândia. "Não os vemos como turistas. Toda a gente na família os recebe de coração aberto", diz Ekarat Cheungyang, líder da comunidade. "Quero que vivam a crueza da natureza, que na sua grande parte se mantém intocada."

Como turistas, cabe-nos "fazer escolhas", ressalvou Shivya Nath, fundadora da Voices of Rural India e da Climate Conscious Travel. "Queremos o turismo como força do bem ou de destruição?" É importante "observar e viver em comunidade antes de interagir", juntou Cris Marques, em plena mesa redonda. "Uma pessoa sentada em Nova Deli não pode decidir a vida do meu vizinho nos Himalaias. É a receita para a desgraça. O mundo está cheio de pessoas que pensam saber o que é melhor para os outros, quer seja em Guimarães, quer seja nos Himalaias", acrescentou Vítor da Silva.

"Temos enraizada a visão do colonizador", concorda Cris, que, no limite, acredita que as comunidades locais nem sequer têm que aprender a língua inglesa. "Não ter que ter o que vem de fora. Manter a língua. Não precisas de mudar. Antes pelo contrário. Vai soar como música. Nós é que temos que nos adaptar. Os lugares são desconfortáveis? Quem estiver mal, que se mude." Quem vem de fora, lança Vítor, etnógrafo e investigador dos direitos indígenas, acha que os povos indígenas "são tentativas falhadas de serem como nós". "Temos que nos sentar, ouvir... coração aberto, sentir na pele. Temos que saber qual é o nosso lugar. Não somos más pessoas, queremos ajudar, mas muitas vezes causamos mais danos do que ajudamos. Estamos na casa dos outros..."

Sem romantismos. Temos consciência de que as comunidades "precisam de recursos financeiros para se estruturarem" (Cris Marques) e que ninguém deixa de ser indígena por "trocar o arco e a flecha pelo iPhone" porque "as culturas não são estáticas" (Vítor da Silva). No limite, no palco e na plateia, é bom termos noção de que a missão do turista deve ser questionada — "Sou um observador. Vou lá aprender. Acho que faço mais bem do que mal", assumiu Joan Torres — e que "o poder que temos enquanto turistas é o de contar histórias", lembrou Phoebe Smith, que já planeou centenas de expedições e que apregoa "plantar sementes, não bandeiras". "Todos beneficiamos com isso."

Se nem todos podemos passar seis meses na Andaluzia de Brandon Li (8'38'' sem respirar) à procura do tom certo, dos acordes certos, do caos certo, dos braceos e do sapateado certos, se nem todos temos a capacidade de sofrimento e o número de seguidores de Eva zu Beck, deixemo-nos levar num livro ("Sintam isto comigo", Raquel Ochoa), mergulhemos no passado, nas raízes, nas tradições, na "viaxe" de Vicente Fraga que também é a nossa "viagem como metáfora de vida". "Voltar a estar em contacto com o mundo dos meus pais e dos meus avós", suspira o fotógrafo galego à medida que vai folheando os cadernos que vai enchendo com histórias de pessoas com nomes de uma "Espanha esvaziada que tem gente", gente "pura e sã". Olga, Celso, Josefa, Laudina, Aurélio, Álvaro, Enrique...

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O ABVP Travel fest regressa a 10 e 11 de Maio de 2025 Marília Maia e Moura
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