Bastonária dos advogados: “Discurso de que Portugal é um país corrupto tem de acabar”

Fernanda Pinheiro diz que manifesto para a justiça subscrito por 50 personalidades lhe suscita muita desconfiança.

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Fernanda Pinheiro, bastonária dos advogados Matilde Fieschi
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A bastonária dos advogados, Fernanda Almeida Pinheiro, considera inaceitável o discurso segundo o qual Portugal é um país de corruptos.

“É um discurso que assusta e que não corresponde à realidade”, garante a bastonária, que falava numa conferência na Ordem dos Advogados dedicada precisamente ao fenómeno da corrupção. Quando se diz que todos os políticos metem dinheiro ao bolso está a afastar-se destes lugares as pessoas de bem que temem ver o seu nome enlameado, avisou.

Para a dirigente máxima dos advogados, os principais problemas da justiça radicam na falta de investimento no sector: “Não temos pessoal, não temos meios informáticos e depois diz-se que a justiça não funciona. Precisamos de mais meios técnicos e humanos”. Fernanda Pinheiro defende a introdução desta matéria nos currículos escolares de educação cívica.

Também lamenta que o actual Governo esteja a pensar em apresentar medidas contra a corrupção quando o plano estratégico destinado a debelar o fenómeno que está em vigor desde 2021 não foi sequer avaliado. “Estamos a mudar as leis só porque sim, sem vermos se as que já existem funcionam. Antes de se fazer este tipo de anúncios, tem de se olhar para o que já existe, por muito que possa ser melhorado. Mas o discurso anti-corrupção é algo que cai sempre muito bem”.

Questionada sobre o manifesto que 50 personalidades lançaram na semana passada, apelando a uma reforma do sector e exigindo maior escrutínio da actividade do Ministério Público, a bastonária manifestou desconfiança perante a iniciativa: “Suscita-me muita desconfiança. Se houve excessos nalguns processos [por parte do Ministério Público ou dos juízes], a lei tem mecanismos” para os identificar e punir. De mais a mais, acrescenta Fernanda Almeida Pinheiro, vários dos signatários que agora vêm lamentar o estado a que chegou a justiça exerceram no passado, e durante vários anos, funções governativas sem que tivessem tentado alterar este estado de coisas.

Entre as figuras que assinam o protesto estão três ex-presidentes da Assembleia da República: Augusto Santos Silva, Ferro Rodrigues (ambos do PS) e Mota Amaral (PSD). O ex-presidente do Tribunal Constitucional João Caupers é outra personalidade que integra o manifesto, tal como o advogado Daniel Proença de Carvalho, o constitucionalista Vital Moreira, o ex-ministro da Educação David Justino e o investigador e cronista José Pacheco Pereira.


Há ainda signatários que, de uma forma ou de outra, já se viram a braços com a justiça. A reitora do Instituto Universitário de Lisboa – Iscte, a socialista Maria de Lurdes Rodrigues, chegou a ser condenada por prevaricação por ter contratado por ajuste directo o irmão do ex-ministro Paulo Pedroso para fazer uma compilação legislativa quando era ministra da Educação, tendo acabado por ser ilibada em segunda instância; o ex-líder do PSD Rui Rio viu no ano passado a sua residência ser alvo de buscas por suspeitas da prática de crimes na gestão do partido; o ex-juiz e antigo deputado social-democrata Fernando Negrão foi arguido num caso de violação do segredo de justiça, o processo da Universidade Moderna, tendo visto a juíza que agora se tornou ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, arquivar as suspeitas por não conseguir chegar a nenhuma conclusão; Leonor Beleza, que não chegou a responder em tribunal no caso da morte dos hemofílicos por os crimes terem prescrito; e por fim Ferro Rodrigues, que, muito embora nunca tenha tido a qualidade de arguido no processo Casa Pia, chegou a ver-se envolvido nele.

Todos entendem que investigações como as que levaram recentemente à queda do Governo liderado por António Costa e do Governo Regional da Madeira “consubstanciam uma indevida interferência no poder político” por parte do poder judicial. Por isso, querem que a actuação do Ministério Público passe a ser mais escrutinada, em particular pela Assembleia da República.

“Sem qualquer mandato constitucional, os magistrados do Ministério Público têm, na prática, um poder sem controlo, desde logo pela assumida desresponsabilização da Procuradora-Geral da República pelas investigações”, criticam. “Apesar desta perigosa realidade, nem qualquer órgão de soberania, nem qualquer partido político relevante têm mostrado a necessária vontade e coragem políticas para encetar uma verdadeira reforma” do sector.

Esta quinta-feira, são divulgados mais cinquenta subscritores, entre os quais Richard Zimler, Manuela de Melo, Pedro Marques Lopes, Miguel Cadilhe, Teresa Caeiro e Valente de Oliveira.

O grupo irá pedir uma audiência ao Presidente da República.

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