Mãe, sentiu-se “velha” quando se tornou avó?

Se tivesse de escolher de entre esses medos, diria que o que mais me angustia, de momento, é a possibilidade de vir a sofrer de uma demência. O resultado é que nos policiamos a toda a hora.

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— Mãe! Mãe!

— Sim?

— Estou a chamar há horas. Acha que pode estar a ficar surda?

— Não, Ana, posso é ter ficado traumatizada com o excesso de uso da palavra “mãe”, e agora que vocês já estão grandes, o meu cérebro resiste ao chamamento. Neste momento, só respondo depressa quando chamam "avó"!

— Hum, mas, mãe, sentiu-se "velha" quando se tornou avó?

— Durante as primeiras 24 horas fiquei um bocadinho desorientada, não sabia se ainda podia usar sapatos encarnados, e se me teria de tornar adulta do dia para a noite. Depois passou-me. Tu sentes-te velha o suficiente para ser mãe de quatro filhos?

— Não, ainda me sinto com 16 anos. Então, será só o nosso corpo que envelhece? Sabemos que envelhecemos porque sentimos correntes de ar, apetece-nos um casaquinho e temos menos paciência para fretes?

— Ou quando nos cruzamos com o espelho!

— Ah! É isso! Tem razão! A melhor técnica de antienvelhecimento é nunca olharmos para o espelho!

— Descansa, inventei uma solução: substituir o espelho da casa de banho por um retrato nosso em que achamos que estamos bem, porque o mal dos espelhos é que refletem uma cara parada, sem emoção, e uma cara sem emoção parece sempre mortiça e triste.

— Mãe, a sério! Devíamos acabar com os espelhos. Finalmente percebi a moral da história de A Fada Oriana, da Sophia de Mello Breyner. Se ficarmos presas ao nosso reflexo, deixamos de ser fadas!

— Não quero deixar de ser fada, uma avó que não é um bocadinho fada, não tem graça nenhuma.

— Lembra-se de lhe ter falado da história do blogue de uma universitária que se ia casar e sofria muito de acne? Decidiu ficar o ano inteiro de noivado sem olhar para um espelho, reflexos ou fotografias. Sentiu-se mais confiante, mais presente, mais "ela própria", porque a imagem que tinha de si não estava sempre a ser corrigida e comparada com a que via ao espelho.

— Lembro-me disso! Sendo assim, sugeres que, se não nos olharmos ao espelho, não passamos o tempo a "corrigir " a idade que sentimos, é isso?

— Sim! Acha que pode funcionar? Mas como resolvemos o resto, a menor agilidade ou as dores nas costas? E acima de tudo... O que fazemos com o medo?

— Um problema de cada vez, filha. Para a agilidade recomendo ter netos! Bem sabes voltei a subir às árvores à conta dos teus filhos! Para as dores nas costas recomendo não ter netos, mas és nova e também te estás sempre a queixar, por isso, olha, aconselho uma fisioterapeuta ou osteopata. Sobre o medo... Qual deles?

— De envelhecer. De ficar sozinha. Da morte dos nossos amigos. Da dependência. De morrer.

— Ah esses? Tenho-os todos! Mas vai já buscar o De Olhos Postos no Sol, do Irvin Yalom, o melhor escritor-psicoterapeuta do mundo. Se tivesse de escolher de entre esses medos, diria que o que mais me angustia, de momento, é a possibilidade de vir a sofrer de uma demência. O resultado é que nos policiamos a toda a hora, e a cada palavra que fica presa debaixo da língua, a cada nome que se varre, ficamos assustados.

— Mãe, se a sossega, acontece-me todos os dias.

— Ai que bom. Nem imaginas a alegria que a tua filha me deu quando, no outro dia, me veio pedir uma coisa e esqueceu-se do que era. Abracei-a como se fosse Natal. Na verdade, talvez te interessem duas informações que aprendi com um neurocientista. A primeira é que é preciso perceber se o lapso resultou de falta de atenção no momento da aprendizagem — ou seja, nunca fixámos —, ou de falta de memória. São causas diferentes.

— Ou seja, mais concentração, e menos multitasking, concordo. E a segunda?

— A segunda é, oh não, esqueci-me!

— Mãe, está a gozar comigo.

— Pois estou, desta vez, estou! Porque o sentido de humor é um dos melhores antídotos para tudo, envelhecimento inclusive. A segunda é arranjarmos maneira de andar menos “pré-ocupados” porque, como a palavra indica, quando a cabeça está ocupada por ansiedades e medos, não cabe lá mais nada. E depois é um círculo vicioso.

— Perfeito. Acho que quero ser como a avó Maria José, que aos 90 anos ainda dizia “Quando eu for velhinha, vou fazer isto e aquilo”! Comprometer-nos a adiar a velhice e a fazermos birras juntas durante muitos, muitos e muitos anos. Love you.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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