Sebastião Bugalho: entre a “bolha mediática” e o país real
Se a opinião como modelo de negócio desloca a mediação do jornalismo para o comentário, tal movimento pôs os comentadores no centro da mediatização política.
Em plena crise do dossier “IRS”, Luís Montenegro disse que o seu executivo não ia governar “a pensar na abertura dos telejornais ou das páginas dos jornais do dia seguinte”, nem a “reboque daquilo que, com muita propriedade e com toda a legitimidade, se comenta na praça pública”. Uma semana depois, o primeiro-ministro anunciava Sebastião Bugalho como cabeça de lista da AD às eleições europeias.
A escolha revela a importância que os políticos atribuem ao comentário, que é indissociável da relevância que os media lhe dão. Atualmente, a sua centralidade é tal que a opinião se está a transformar no modelo de negócio dos canais de notícias: é cada vez mais notória a deslocação do foco da produção de notícias para a produção de comentários. No novo figurino, o moderador faz uma breve apresentação da história política em destaque e, de seguida, passa o tema aos analistas, que são os verdadeiros protagonistas das emissões. Principalmente nos horários de fim de tarde, o tempo dos acontecimentos e da sua transmissão funde-se com o do comentário. Por este motivo, os espaços noticiosos já são mais formatos de atualização opinativa do que informativa.
Se a opinião como modelo de negócio desloca a mediação do jornalismo para o comentário, tal movimento pôs os comentadores no centro da mediatização política. Eles modelam, como nunca, o desenrolar dos temas no espaço público: o desempenho dos políticos, a narrativa jornalística e, direta ou indiretamente, a perceção dos cidadãos.
Sebastião Bugalho é uma brand multiplataforma que faz parte deste ecossistema: é reconhecido nas redes tradicionais de influência, tal como nas alternativas já consolidadas no espaço digital. É também um insider dos media: domina a técnica e a arte dos diferentes meios e conhece pessoalmente os seus profissionais. Move-se igualmente bem no espaço digital, e na SIC Notícias mostrou saber produzir comentários com impacto nas plataformas sociais: como comentador televisivo com consciência algorítmica, produzia conteúdos para múltiplos ecrãs. Depois, profissionais da Impresa, influencers e utilizadores anónimos reformatavam e fatiavam as suas prestações em vídeos curtos, alcançando assim quem se afastou da mediação jornalística e passou a perspetivar a política através do filtro das redes.
Montenegro conta com a notoriedade e a competência mediáticas de Bugalho (ponhamos de lado todas as suas outras qualidades e méritos), numas eleições cuja campanha será mais centrada no ecossistema comunicacional. De entre todos os candidatos, ele é, de longe, o que tem mais horas de debate em direto. Num tempo em que qualidades performativas são muitas vezes confundidas com competência política, a experiência televisiva é uma mais-valia para impressionar eleitores mais sensíveis a uma boa prestação mediática.
Por outro lado, ainda que polarizador, Sebastião comunica bem com partes do eleitorado da IL e do Chega (embora esteja a ser fortemente atacado por influencers desta órbita). Numas eleições em que se combate, em particular, a abstenção, ser polarizador gera rejeição, mas também mobilização, e a AD precisa que intenções se concretizem em votos.
Em tese tudo isto faz sentido; resta aferir a relação entre a famosa “bolha mediática” e o país real. Salvo as enormes diferenças, a escolha da AD está em linha com tendências verificadas noutros países, como o Brasil. Em 2022, Nikolas Ferreira foi o deputado federal mais jovem a ser eleito, e também o mais votado no país – tendo as suas visibilidade e protagonismo sido construídos como influencer digital polémico e polarizador. Montenegro testa, assim, outros critérios de recrutamento no contexto do novo sistema partidário e ecossistema comunicacional português. Este é também um teste para os media – não é fácil falar de um colega de profissão (e em alguns casos amigo) – e para o próprio Sebastião, que vai agora verdadeiramente perceber a diferença entre atirar pedras e ser a vidraça.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico