Guerra Civil: a implosão americana como atracção de feira

Espalhafatoso e oportunista, Guerra Civil, de Alex Garland, só oferece sensacionalismo oco.

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O filme Guerra Civil estreia-se esta quinta-feira nos cinemas portugueses
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Em 2024 é relativamente fácil fantasiar com uma nova guerra civil americana, visto que a realidade até já ofereceu alguns ensaios práticos para a consumação dessa fantasia – e podemos supor que sem a invasão do Capitólio em Janeiro de 2021 a Guerra Civil de Alex Garland nem sequer existiria.

Não havia uma onda dessas para cavalgar no final dos anos 1990, época relativamente pacífica, ainda sem o 11 de Setembro para dinamitar a sensação de “fim da História”, e no entanto foi nessa época, há exactamente 27 anos (estreou-se em 1997), que Joe Dante fez A Segunda Guerra Civil Americana, paródia de uma mordacidade política que parecia completamente desajustada ao seu tempo, mas a que o tempo foi fazendo justiça – procure vê-lo ou revê-lo, leitor, é capaz de se surpreender, e já agora encarrile com dois filmes posteriores do grande Dante, Pequenos Guerreiros (1998) e Homecoming (2005), para uma trilogia crítica da política americana pré e pós-11/9 que é duma acutilância devastadora (mas em paródia e sem se pôr em bicos dos pés, razão porque tudo passou mais ou menos despercebido).

Gastar um primeiro parágrafo de uma crítica a um filme mandando o leitor ir ver outros filmes parecerá estranho, mas já é, de certa forma, o essencial da crítica à Guerra Civil de Garland. É apenas um objecto espalhafatoso e oportunista, a explorar um voyeurismo (mais ou menos) caucionário, consumação da fantasia em tons de pesadelo.

Há um cenário de guerra civil, liderado por uma aliança de dois estados (Califórnia e Texas, estranha mistura, dizemos nós), e as forças insurrectas estão prestes a entrar em Washington. Em Nova Iorque, um grupo de jornalistas e repórteres fotográficos enceta uma viagem de automóvel para chegar a Washington a tempo de registar e documentar a queda da Casa Branca e a rendição, ou captura, do Presidente.

Sobre quem são, o que pretendem, o que representam politicamente, todas estas figuras – dos insurrectos ao Presidente legítimo – o filme de Garland é quase totalmente omisso, e essa é uma medida do seu sensacionalismo oco, já que invoca uma figura política (a guerra civil) para depois ser um filme politicamente eunuco, refugiado numa vaga abstracção que nem sequer tem a clareza arquetípica das fantasias de autodestruição americana filmadas por John Carpenter (para não irmos outra vez a Dante, e lembrando que Carpenter já filmou, de facto e mais do que uma vez, a implosão política dos EUA).

A relação com a política em Guerra Civil aproxima-se de uma certa covardia: agita-se um espantalho, mas depois fica-se cuidadosamente longe dele; aponta-se um vespeiro, mas depois não se lhe toca nem com um pau. Interessa a Garland o comboio-fantasma, a encenação do ambiente de guerra com as suas atrocidades dadas como atracções de feira (a sequência com o cameo de Jesse Plemons é, a esse respeito, um mimo).

A viagem de Nova Iorque a Washington é uma miniatura esquálida da viagem até ao coração das trevas de Apocalypse Now, com a carrinha com a inscrição “Press” onde viajam os repórteres no lugar do barquito comandado por Martin Sheen, e em vez dum rio uma estrada, e o tempero, bastante desinteressante e mal desenvolvido, é a relação entre a veterana fotógrafa de guerra (Kirsten Dunst) e a jovem aspirante (Cailee Spaeny) – e que essa relação pareça sempre de uma completa irrelevância face ao quadro em que se desenvolve é mais matéria de decepção, mero suporte, ou pretexto, para distrair do filme que Garland se recusa a fazer.

Vale-nos que o filme que Garland não faz já foi feito, e aí voltamos ao princípio do texto, voltamos a Dante, voltamos a Carpenter.

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