Psicóloga que equiparou homossexualidade a doença participa em congresso católico em Fátima

Maria José Vilaça, psicóloga que comparou a homossexualidade a uma doença mental, é uma das oradoras de um congresso de jovens católicos em Fátima. Diocese noticiou evento, mas distanciou-se depois.

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Peregrinos no Santuário de Fátima. A Diocese de Leiria-Fátima distancia-se do evento, que chegou a anunciar Paulo Pimenta / PUBLICO
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Em 2016, Maria José Vilaça disse que ter um filho gay "é como ter um filho toxicodependente". Na altura, disse ter sido mal interpretada. Três anos depois, uma reportagem da TVI mostrava a psicóloga a orientar uma sessão de "orientação espiritual" a homossexuais, descrita como uma sessão de “conversão ou reorientação sexual”, na Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Lisboa. Estará agora num congresso para jovens católicos, que decorre em Fátima entre esta sexta-feira e domingo, para falar sobre homossexualidade. Luca di Tolve é outro dos congressistas, apresentado como um “ex-gay” que mudou “o rumo da sua vida” depois de se “voltar para Nossa Senhora” – agora é “pai de família”. Isabel Moreira, deputada do Partido Socialista e uma das autoras da lei que proíbe "terapias de conversão", apela à intervenção da Ordem dos Psicólogos.

Na reportagem da TVI transmitida no dia 10 de Janeiro de 2019, a psicóloga surge a dizer frases como esta: "Conheço um rapaz que disse à mulher, e a certa altura assumiu-se como homossexual publicamente e, de repente, passou-lhe tudo e voltou para casa." Compara a homossexualidade à doença bipolar, afirmando que, na fase “maníaca”, a pessoa é homossexual e defensora “do lóbi gay” e que na “fase normal […] volta para casa, quer ser outra vez heterossexual.” Uma posição que não é partilhada pela comunidade clínica: a homossexualidade deixou de ser considerada doença a 17 de Maio de 1990, e não é algo que possa ser alvo de uma terapia.

Em 2019, na sequência da transmissão da reportagem, a Ordem dos Psicólogos Portugueses analisou disciplinarmente o caso.

Lei proíbe "terapias de conversão"

Neste sábado, Maria José Vilaça será oradora na palestra “Homossexualidade: o que nunca vos foi dito”. No dia seguinte, é a vez de Luca di Tolve subir ao palco: o mote é “Eu fui gay… Hoje sou um pai de família!”. Antes mesmo de decorrer, o evento suscitou críticas, quase todas referindo a ilegalidade das chamadas "terapias de conversão". A prática acarreta penas de até cinco anos de cadeia e a proibição, por parte de quem as pratica ou promove, do exercício de profissões ou actividades que envolvam qualquer contacto regular com menores, por um período de dois a 20 anos.

A prática ou promoção destas terapias constituem um crime público, por isso qualquer pessoa pode denunciá-las. “Criminaliza-se não apenas os médicos que fazem, os psicólogos que fazem, mas também a simples promoção”, explica André Dias Pereira, jurista e professor da Universidade de Coimbra que, contudo, crê que “o direito penal não serve para se meter em tudo”, assumindo dúvidas sobre onde começa e acaba o espaço da liberdade de expressão.

Críticos pedem intervenção da Ordem dos Psicólogos

“Muitas vezes, estes encontros em que se tenta promover aquilo que é uma suposta cura, para uma coisa que não é uma doença, são uma ameaça para nós enquanto pessoas LGBT”, lembra Daniela Bento, presidente da ILGA – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo. Perante estes eventos, é peremptória: “as práticas de conversão são um crime público”, “uma queixa ao Ministério Público deveria funcionar.” E frisa que a população mais jovem “muitas vezes está numa situação muito vulnerável, podem surgir problemas muito graves.”

Nas redes sociais, várias figuras públicas como os actores Rui Maria Pêgo e Manuel Moreira manifestaram-se contra a realização do congresso, que decorre em Fátima. Este último classificou Maria José Vilaça como “criminosa” e instou a Ordem dos Psicólogos “a fazer alguma coisa definitivamente”. Apelo secundado por Isabel Moreira, deputada do PS, que sublinha “estar presente [na iniciativa] uma psicóloga que vai difundir algo que é profundamente contrário ao código deontológico da Ordem dos Psicólogos”. A parlamentar sublinha que “as ordens [profissionais] não são sindicatos” e que “servem precisamente para zelar pelo cumprimento dos deveres deontológicos dos seus associados”.

A Ordem dos Psicólogos tem directrizes claras quanto à prática profissional no âmbito da intervenção psicológica com pessoas da comunidade LGBTQIA+: tem um documento inteiro sobre isso. Trinta e duas páginas de enquadramento, definição de conceitos, papel dos psicólogos e orientações relevantes para lidar com cada identidade. Quando questionado sobre a possibilidade de Maria José Vilaça estar a incorrer numa violação do código deontológico, Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos diz não “poder fazer uma consideração sobre o caso específico”.

“Não me compete a mim fazer”, sublinha. Casos de eventual infracção deontológica são analisados pelo conselho jurisdicional, um órgão independente da Ordem.

O bastonário sublinhou que, apesar de não poder pronunciar-se sobre a situação específica, da qual sabe “pouco”, “a existência desse tipo de práticas [terapia de conversão], para além de constituir crime, é inaceitável”.

“Constituirá sempre uma violação do código deontológico, isso é claríssimo”, garante. No limite, explica, o caso poderá levar à expulsão da profissional pela Ordem, mas “não há uma tabela que defina as sanções” a aplicar nesta circunstância.

Diocese de Fátima distancia-se do evento

A Diocese de Leiria-Fátima noticiou, no dia 4 de Abril, a realização do II Congresso dos Jovens da Família do Coração Imaculado de Maria, com o tema “Homens e Mulheres de Verdade!”. Depois das críticas surgidas nas redes sociais, a diocese católica acrescentou à publicação uma “nota do editor”, na qual esclarece que “não integra a organização do [evento] e apenas veiculou a informação, como faz habitualmente com outros movimentos e associações”. A nota continua: “não inferimos, em momento algum, que haja divulgação e/ou promoção de terapias de conversão sexual”.

O PÚBLICO tentou contactar a Conferência Episcopal Portuguesa, mas não obteve qualquer resposta em tempo útil.

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