Abril, Revolução, Democracia, Corrupção
Ao longo destes 50 anos, o tema da corrupção foi surgindo na praça pública a propósito de suspeitas sobre decisões políticas, gestão e contratação pública, subsídios e fundos europeus...
O título desta crónica versa sobre alguns dos elementos que caracterizam o tempo que vivemos.
Estamos em Abril, a celebrar os 50 anos da revolução que abriu as portas à democracia, e a questão da corrupção, não sendo o problema maior do país (mas é um problema grave!), é inquestionavelmente um elemento que se apresenta com uma forte dimensão circunstancial neste contexto.
Escrevo este texto após a tomada de posse do XXIV Governo Constitucional, liderado pela Aliança Democrática, sem apoio maioritário na Assembleia da República, como se sabe, e, por isso – como é quase unânime entre os comentadores políticos –, com um caminho pela frente que se antevê muito apertado, espinhoso e frágil, e com uma expectativa de vida menos longa do que os quatro anos que a lei constitucional prevê.
Talvez por isso, o tema da corrupção tenha adquirido também neste ato alguma centralidade, que se revelou nos discursos institucionais próprios do momento. O Presidente da República insistiu na necessidade de o Governo procurar os apoios parlamentares necessários e suficientes para a procura de soluções para os diversos problemas do país, destacando particularmente a corrupção. E o primeiro-ministro empossado veio mesmo propor uma solução de compromisso, com o envolvimento de todos os partidos representados no Parlamento, na procura de soluções para o problema – confesso que fiquei agradavelmente expectante relativamente a esta proposta e aos resultados que permita alcançar (ou todos estão efetivamente contra a corrupção, ou alguns estão mesmo só contra o Governo).
Apesar de considerar que a corrupção não é o maior problema com que o nosso país se confronta, confesso que a circunstância de estarmos a celebrar os 50 anos da revolução de abril de 1974 à sombra de sinais da sua presença é estranha, e até incómoda, como venho referindo.
Em primeiro lugar porque o Governo agora empossado resultou de um ato eleitoral que foi precipitado precisamente pela presença de diversas suspeitas de corrupção envolvendo membros do Governo anterior, incluindo colaboradores do gabinete do primeiro-ministro, e o nome do próprio primeiro-ministro.
Depois, porque os presidentes do Governo Regional da Madeira e da Câmara Municipal do Funchal acabaram, pouco tempo depois, por se ver igualmente envolvidos em suspeitas da mesma natureza.
Não admira por isso que o tema da corrupção tinha sido um dos que mais monopolizaram os debates e a campanha eleitoral, quase como se o país não tivesse outros problemas nem outras preocupações. Mas a realidade é o que é.
Indo agora ao momento fundacional da nossa democracia, a revolução de abril de 74, a que celebra agora meio século, verificamos que também aí a corrupção marca presença. De facto, uma das medidas requeridas com caráter imediato que se encontra expressa no Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas (Lei n.º 2/74 e Lei n.º 3/74, de 14 de maio e Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas) é precisamente o combate eficaz à corrupção e à especulação. Deste ponto de vista, parece que 50 anos depois ainda estamos na origem.
Entretanto, ao longo destes 50 anos, o tema da corrupção foi surgindo ciclicamente na praça pública, a propósito de suspeitas sobre decisões políticas, gestão e contratação pública, procedimentos de atribuição de subsídios e fundos europeus, gestão empresarial e bancária, entre outras, revelando aquilo que afinal se sabe sobre a universalidade deste problema. Que é natural, na medida em que não existem seres humanos perfeitos. E que, por isso, a todo tempo e em todo o lado (entidades, funções e posições hierárquicas) podem existir (e é muito natural que existam) pessoas menos competentes do ponto de vista da integralidade.
Em paralelo, os sucessivos governos do País não têm deixado de procurar adotar soluções para controlar, prevenir e reprimir o problema, no quadro das denominadas medidas de combate à corrupção. Estas medidas têm sido sempre necessárias e importantes, e requerem uma avaliação permanente quanto à sua eficácia e identificação de oportunidades de melhoria.
Portugal tem sido particularmente criticado pelas avaliações internacionais precisamente quanto a alguma incapacidade e incompetência na avaliação de eficácia das medidas que tem adotado.
Uma rápida pesquisa que realizei na plataforma do Diário da República Eletrónico com o termo “corrupção”, por associação a atos normativos publicados na Série I, entre 25 de abril de 1974 e 31 de março de 2024 revelou a presença de um total de 601 documentos, de que se destacam 152 Leis, 142 Decretos-Lei e 106 Resoluções da Assembleia da República, conforme melhor se mostra neste quadro.
Claro que são apenas números, nada nos dizem quanto ao conteúdo de cada documento. Mas não deixam de ser uma evidência de que, melhor ou menos bem, os sucessivos governos e lideranças políticas do país têm procurado soluções para enfrentar o problema.
Oportunamente procurarei apresentar uma análise mais detalhada sobre o conteúdo deste acervo documental e fazer a sua conjugação com outros elementos da ação política destes 50 anos para avaliar o percurso que tem sido trilhado sobre o designado combate à corrupção.
A história do mundo está cheia de situações de corrupção. Não se trata de um problema exclusivo do nosso país. Não se pretende significar com isto que não se deva fazer nada para o combater ou controlar. Claro que assim deverá ser! Até porque, se nada se fizer nesse sentido, a opção racional por ações de natureza fraudulenta e corrupta para as pessoas menos integras é muito mais fácil e provável.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico