América do Norte pára para ver o seu último eclipse solar total dos próximos 20 anos

Eclipse total de segunda-feira será visível do México ao Leste do Canadá, e é um jackpot turístico fora de época. Em Portugal, a melhor oportunidade chega em 2026.

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Mãe e filha espreitam através de óculos solares gigantes em Dripping Springs, no Texas, um dos estados americanos na rota do eclipse solar total de segunda-feira ADAM DAVIS/EPA
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Serão dois ou três minutos de escuridão total em pleno dia, com estrelas visíveis no céu, talvez mesmo com um Mercúrio luminoso à espreita, uma queda brusca da temperatura e o ruído de animais noctívagos com as horas trocadas. Um eclipse solar total é um espectáculo raro, uma oportunidade que não se repete para a esmagadora maioria dos mortais. “Se ficar quieto num sítio e esperar que um eclipse solar total venha até si, vai ter de esperar 360 anos em média”, explicava esta semana ao jornal Seven Days o astrofísico John Perry, da Universidade do Vermont, nos Estados Unidos.

Nesta segunda-feira, a Lua cobre o Sol por completo ao longo de uma populosa faixa da América do Norte, desde o Norte do México ao Leste do Canadá, passando por cidades como Mazatlán (México), Austin, Dalas, Indianápolis, Cleveland, Burlington (Estados Unidos) e Montreal (Canadá). Mais de 30 milhões de pessoas vivem ao longo desse corredor com milhares de quilómetros de comprimento e apenas 185 (115 milhas) de largura.

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Em Dalas, no Texas, a fase parcial do eclipse começa às 12h23 locais (18h23 em Portugal continental) e a total decorre entre as 13h45 e as 13h49 (mais seis horas em Lisboa). Em Montreal, no Canadá, já na ponta Leste da faixa, a fase total do eclipse dá-se a partir das 15h26 locais (20h26 em Portugal continental) e prolonga-se por cerca de três minutos.

É só naquele estreito corredor que o eclipse solar será visível a 100%, e são só esses 100% que proporcionam o espectáculo de uma curta noite em pleno dia. Uma oclusão de 99% não basta para obter esse efeito, têm repetido ao longo das últimas semanas os astrónomos norte-americanos, que desafiam quem mora perto da faixa de escuridão total a deslocar-se os quilómetros em falta para assistir ao fenómeno na sua plenitude.

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E os norte-americanos, tal como os mexicanos, canadianos e não só, têm correspondido ao desafio. Desde o final da semana que milhões de pessoas têm acorrido a estados e cidades na rota do eclipse solar total, esgotando hotéis e alojamentos locais, animando o comércio, mas apresentando também um quebra-cabeças logístico e securitário às autoridades.

No lado canadiano da fronteira, o município canadiano de Niagara declarou preventivamente o estado de emergência, logo na última quinta-feira, perante a previsão de engarrafamentos nas estradas, de equipas de segurança e de socorristas esgotadas, e de redes de telecomunicações móveis entupidas.

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Foi assim na Califórnia em 2017, ano do último grande eclipse solar nos céus norte-americanos Reuters

No pequeno estado norte-americano do Vermont, com pouco mais de 600.000 habitantes, esperam-se esta segunda-feira até 200.000 visitantes atraídos pelo eclipse solar e por uma previsão meteorológica favorável à sua visibilidade (já os texanos, segundo os prognósticos mais recentes, não terão sorte com o tempo). As autoridades estaduais aconselham os moradores a evitarem deslocações e pedem a estes e aos turistas que, se saírem de carro, que o façam com o depósito de combustível cheio e com água e alimentos suficientes para muitas horas de trânsito nas estradas. Muitas escolas e universidades estarão encerradas, bem como várias fábricas e empresas privadas, e os funcionários públicos não essenciais vão ficar a trabalhar a partir de casa.

Pink Floyd e Bonnie Tyler na playlist das festas do eclipse

Mas apesar do caos, o ambiente é de entusiasmo. Não só pela espectacularidade e raridade do fenómeno celestial, mas porque este movimento inusitado de massas é um jackpot turístico fora de época. Em Burlington, a maior cidade do estado do Vermont, onde são esperados 50.000 visitantes, os hotéis estão lotados, muitos restaurantes têm reservas completas e, já na quinta-feira, era visível a falta de alguns produtos nos supermercados.

Vendem-se óculos para visualizar o eclipse em segurança (as autoridades repetem que olhar directamente para o Sol, sem óculos protectores adequados, pode causar danos irreversíveis na vista), comercializam-se ou oferecem-se produtos e lembranças alusivas ao fenómeno (t-shirts, sacolas, canecas e até cervejas) e anunciam-se concertos de rua. Não uma, mas várias bandas de covers vão tocar o álbum Dark side of the moon, dos Pink Floyd, na sua totalidade em Burlington. Para quem não for fã de rock progressivo, há uma festa com música dos anos 80 (sim, Total eclipse of the heart, de Bonnie Tyler, será um dos temas na playlist). Na segunda-feira, o aeroporto local estará encerrado durante algumas horas e tornar-se-á recinto para a maior festa do dia, onde são esperadas dezenas de milhares de pessoas.

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Um exemplo entre muitos da venda de t-shirts e de outras lembranças do eclipse, por estes dias, nos Estados Unidos - na imagem, uma loja no estado do Illinois Reuters

O cenário repete-se ao longo desta faixa continental, incluindo nos céus. A Delta Air Lines efectua nesta segunda-feira um voo especial entre Austin e Detroit, esgotado há mais de um mês, em que os passageiros vão poder acompanhar o percurso do eclipse de sul para norte, prolongando os dois ou três minutos do fenómeno por algumas horas. Em terra, o interesse abrange até quem está atrás das grades – no estado de Nova Iorque, seis reclusos apresentaram uma acção em tribunal para exigir que os serviços prisionais os deixem assistir ao eclipse, alegando estar em causa a sua liberdade religiosa. De acordo com o Washington Post, as duas partes chegaram a acordo na sexta-feira e os reclusos vão poder assistir ao fenómeno.

Para os cientistas, o eclipse solar total de segunda-feira será também um momento importante para experiências e observações. A NASA vai lançar três pequenos foguetões, antes, durante e após o auge do eclipse, em intervalos de 45 minutos, para estudar o seu efeito na ionosfera, incluindo potenciais perturbações nos sistemas de telecomunicações (a operação vai ser transmitida em directo no canal da NASA no YouTube, tal como todo o eclipse). Em terra, vários jardins zoológicos, como os de Fort Worth (Texas), Little Rock (Arcansas) e Toledo (Ohio), vão estar atentos ao comportamento dos seus animais durante o fenómeno.

Portugueses terão oportunidade em Agosto de 2026

O entusiasmo geral não é para menos. Mesmo com dois eclipses solares totais, parciais ou anulares a ocorrer anualmente, em média, em algum ponto do planeta, a sua repetição numa região concreta é muito menos frequente. Depois desta segunda-feira, os norte-americanos terão de esperar 20 anos até aos próximos eclipses solares totais nos 48 estados continentais contíguos (exceptuando o de 2033, na inóspita costa árctica do Alasca) a 23 de Agosto de 2044, numa zona remota do Montana e do Dacota do Norte, e a 12 de Agosto de 2045, numa faixa mais habitada, da Califórnia à Florida.

A melhor oportunidade para assistir a um eclipse solar total em território português nas próximas décadas dá-se já a 12 de Agosto de 2026, numa estreita parcela de território no nordeste transmontano. Depois do eclipse de 2026, a Península Ibérica será palco de outro eclipse solar total a 2 de Agosto de 2027 (começa no meio do Atlântico, passa pelo estreito de Gibraltar e segue pelo Norte de África até ao Índico) e ainda um eclipse solar anular a 26 de Janeiro de 2028 (atravessa a América do Sul e o Atlântico, passa na ilha da Madeira e vai até ao Mediterrâneo).

Numa área geográfica restrita, a Península Ibérica, teremos uma sequência de três eclipses solares centrais – ou seja, não parciais –, o que é bastante raro. Depois dessas datas, oportunidade apenas para gerações futuras: a ilha de São Miguel terá um eclipse solar total a 25 de Maio de 2142; em Portugal continental, o espectáculo só se repete a 17 de Julho do longínquo ano de 2205.

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