Reino Unido restringe acesso de jovens trans a terapia hormonal

Decisão do Serviço Nacional de Saúde de Inglaterra motivou críticas de defensores dos direitos LGBTI+.

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Tratamento com bloqueadores hormonais é totalmente reversível Vice
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A partir de 1 de Abril, o Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla original) de Inglaterra vai deixar de prescrever terapia hormonal a jovens trans, numa decisão apoiada pelo Governo britânico.

"Os bloqueadores hormonais não estão disponíveis enquanto medicação habitual para crianças e jovens com incongruência/disforia de género", lê-se num comunicado do NHS, publicado este mês. A decisão é justificada pela "inexistência de evidências suficientes para sustentar a segurança ou eficácia clínica" desta terapêutica, que atrasa o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários na puberdade.

Este tipo de medicação é também usada para tratar doenças ginecológicas como a endometriose, diminuir os níveis de testosterona em mulheres, casos de puberdade precoce ou para combater tumores hormono-sensíveis (como podem ser o cancro da mama ou da próstata). No entanto, o NHS só menciona dúvidas em relação à "segurança ou eficácia clínica" do tratamento da disforia de género.

O tratamento de supressão pubertária passará a ser apenas prestado por algumas clínicas privadas. O mesmo acontecerá na Irlanda do Norte, que optou por seguir a decisão inglesa, e no País de Gales. A Escócia ainda não se posicionou.

Se um adolescente já tiver iniciado a toma de bloqueadores hormonais e se dirigir ao Serviço Nacional de Saúde, o NHS informa que não assume a responsabilidade de prescrever essa medicação.

"Os tratamentos que influenciam tão profundamente a saúde e bem-estar das nossas crianças devem ser sempre fundamentados por provas clínicas", ecoou a ministra da Saúde britânica, Victoria Atkins, num comentário ao comunicado do NHS, sem especificar a que impactos de saúde se refere. "Saúdo a decisão tomada quanto ao fim da prescrição de supressores de puberdade às crianças."

O NHS defende que o processo clínico de transição de género se deve apenas centrar, para os jovens, no apoio psicológico e psicossocial. A terapia hormonal e/ou cirurgia de redesignação sexual poderão chegar mais tarde, já na idade adulta.

A tomada de posição do NHS foi recebida com críticas por parte de defensores dos direitos LGBTI+, incluindo profissionais de saúde, que denunciam o alastrar de discursos transfóbicos no Reino Unido nos últimos anos, dentro e fora do Governo conservador de Rishi Sunak.

"Os bloqueadores hormonais são prescritos há mais de 40 anos para o tratamento seguro e eficaz de condições de saúde incluindo a puberdade precoce. O facto de o NHS visar apenas os jovens trans e não-binários com esta medida suscita profundas preocupações quanto à sua hostilidade perante as pessoas LGBTQ+ e suas famílias", reagiu a World Professional Association for Transgender Health (WPATH), citada pela Associated Press. "Decisões sobre cuidados de saúde devem ser baseadas em dados clínicos, não em política."

O que dizem as entidades de saúde internacionais?

Desde 2019 que a Organização Mundial de Saúde classifica a "incongruência de género na adolescência e idade adulta" e a "incongruência de género na infância" como "condições relacionadas com a saúde sexual". Prevê, por isso, que as pessoas trans tenham acesso a cuidados de saúde de afirmação de género (que incluem terapia hormonal e intervenções cirúrgicas), assim como a seguros de saúde que cubram esses serviços.

Segundo as directrizes da organização médica Endocrine Society, actualizadas em 2017, os adolescentes com disforia de género que procurem tratamento devem primeiro iniciar a toma de bloqueadores hormonais, sendo mais tarde (normalmente, a partir dos 16 anos) avaliada a transição para a terapia hormonal de afirmação de género.

Ao contrário da supressão pubertária, cujo efeito é totalmente reversível, servindo para atrasar ou impedir alterações físicas características da puberdade; a terapia hormonal feminizante ou masculinizante (de afirmação de género) é apenas parcialmente reversível, uma vez que introduz novas hormonas no corpo.

Também a Academia Americana de Pediatria ratificou no ano passado as próprias directrizes sobre cuidados de saúde de jovens trans, publicadas em 2018, reconhecendo a necessidade de mais estudos sobre o tema. "Os dados disponíveis revelam que a supressão pubertária em jovens trans e não-binários leva, de modo geral, a uma melhoria do funcionamento psicológico na adolescência e início da idade adulta", afirma a organização norte-americana, que reúne mais de 60 mil pediatras.

Ainda assim, vários países têm seguido os passos britânicos e recuado na prestação deste tipo de cuidados de saúde a jovens trans, entre eles a Suécia, Noruega, Finlândia ou Dinamarca. Ainda na Europa, o debate que questiona a segurança e eficácia desta terapêutica tem vindo a ganhar força na Alemanha, França e Bélgica.

Em Portugal, a realização de terapia hormonal, seja de afirmação de género ou de supressão pubertária, requer um relatório médico de disforia de género emitido por uma equipa multidisciplinar (que inclui pelo menos um médico e um psicólogo), e que pode ser feito no sector público ou privado. Caso o utente tenha menos de 18 anos, é provável que seja requerida autorização parental, além da declaração de consentimento informado. Se quiseres saber mais, podes consultar o guia da rede ex aequo sobre "saúde e leis trans em Portugal".

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