Esta segunda-feira, Inês Aires Pereira tem mais uma vida na série Erro 404
E se uma aplicação permitisse viver outras vidas (reais)? Patrícia Sequeira ao leme, humor e drama num embrulho sci-fi perigosamente próximo cujo terceiro episódio agora chega à RTP.
Na noite das eleições legislativas, muita gente partilhou um meme com Bruno Aleixo (quando o que saiu das urnas desagradava a emissores e destinatários) que dizia, brejeiramente, “calhou cocó”. Cada uma das experiências que Rita vive em Erro 404 tem esse potencial. Os espectadores da RTP e da RTP Play já a viram na pele de uma mulher em trabalho de parto ou numa festa desbragada, de uma operadora de caixa de supermercado ou, cliffhanger da semana passada, no corpo de um homem. Tudo graças a uma aplicação que lhe permite encarnar, literal e temporariamente, vidas alheias.
Erro 404 é a mais recente estreia da continuada linha de ficção em série do canal público. Inês Aires Pereira é a protagonista, dando um lado lunar à sua habitual presença mais ligada à comédia — não só nos seus espectáculos ao vivo, em que já colaborou com os brasileiros Porta dos Fundos, mas também pelas participações em programas como Taskmaster ou, neste caso como jurada, Got Talent Portugal. Ei-la a quebrar as regras e a usar leggings sem ser ao domingo em casa, deprimida pela perda que sofreu e que desencadeia uma história sobre luto, solidão e tecnologia.
“É uma série realizada e protagonizada por uma mulher portuguesa”, dizia a actriz, ainda em 2023, na apresentação da nova grelha da RTP. “Não é uma comédia, mas ao mesmo tempo… sim. É uma história dramática, pesada, não é ficção científica”, explicava aos jornalistas. O motor da história é a Appy, “uma aplicação que tem algo de Black Mirror", mas cujas consequências "têm um lado muito cómico", pondo os espectadores a "rir de coisas trágicas”, completava, evocando a série sobre os efeitos da tecnologia que se tornou uma categoria ficcional em si mesma.
A app de Erro 404 permite viver outras vidas por períodos à escolha, mas sempre sem saber que experiências dali poderão advir. Como a Worldcoin, que anda pelo mundo, Portugal incluído, a coligir as imagens das íris de quem quiser entregar os seus dados mais biometricamente pessoais a troco de “dinheiro” (são dezenas de euros, mas em criptomoeda), a Appy é algo misteriosa e está em fase experimental. Portanto, as consequências das fugas de Rita à realidade começam a surgir. Como um mundo virtual que começa a sangrar para a realidade. Sexo mais ou menos sem consentimento, emprego, quem sabe o que vem aí?
Tal como Black Mirror, as séries Years and Years, Carbono Alterado, Westworld, The One e até várias produções portuguesas já jogaram com a tecnologia e o mundo das aplicações e da inteligência artificial. Nesta temos o magnetismo de Inês Aires Pereira, a amizade de Rui Maria Pêgo, os convidados especiais — Marisa Liz e Dino D’Santiago — e um elenco central e alargado interessante.
O terceiro episódio de Erro 404 chega esta segunda-feira à RTP1, pelas 21h01 (assim, certinho). A série estreou-se a 11 de Março, entrando no top dos dez mais vistos do canal e ultrapassando os 400 mil espectadores. A eles juntam-se os milhares que terão visto a série na RTP Play, em diferido ou até em adiantado, mostrando que Erro 404 está a fazer um caminho que granjeia simpatia e interesse.
A esse efeito não será alheio o dedo de Patrícia Sequeira, que de uma perninha como realizadora em Rabo de Peixe às séries O Clube ou Prisão Domiciliária, passando pelos filmes Bem Bom ou Snu, se vem firmando como autora de ideias originais para histórias, realizadora e produtora com a sua Santa Rita Filmes. Quando alguém no sector do entretenimento parece de repente estar em todo o lado, fala-se de “hardest working”. E não há de facto canal que Patrícia Sequeira não tenha tocado, nem plataforma que lhe escape. Realizadora e autora da ideia original de Erro 404, assina os guiões com Tota Alves e Guilherme Vital.
Mas o fenómeno Erro 404 também não é dissociável de Inês Aires Pereira. A actriz tem 34 anos e a sua Rita tem 33. A sua tracção como influenciadora digital (tem mais de meio milhão de seguidores só no Instagram) é um factor de alavancagem da série, assim como a marca de telemóveis e a rede de supermercados que aparecem cosidas nas bainhas do enredo. Juntam-se-lhes os apoios do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), os incentivos à rodagem do PicPortugal e a parceria com a Câmara de Lisboa.
Erro 404 ainda vai no adro, e tem a difícil tarefa de se seguir a Matilha, já uma das melhores séries do ano. Ainda a fazer upload, está longe de ser um erro.