Portugal mantém redução nos casos de tuberculose, mas regista aumento entre os imigrantes

Portugal continua com cada vez menos casos de tuberculose, mas a incidência está acima do aconselhado pelo Organização Mundial de Saúde. Números estão a aumentar entre os imigrantes.

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Os casos entre a população nativa não estão "a reduzir tão rápido" como o desejado para atingir os objectivos traçados pela OMS DIOGO VENTURA
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Portugal manteve em 2022 a redução progressiva dos casos de tuberculose, totalizando 1518, mas ainda se mantém como um dos países europeus com maior incidência da doença, revela um relatório da Direcção-Geral da Saúde (DGS).

Dos 1518 casos notificados, 1403 eram novos casos e 115 eram retratamentos, correspondendo a uma taxa de notificação de 14,5 casos por 100 mil habitantes e a uma taxa de incidência de 13,4 casos por 100 mil habitantes, adianta o Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal 2022, que é apresentado nesta sexta-feira no encontro Tuberculose: uma doença actual, promovido pela DGS para assinalar o Dia Mundial da Tuberculose, que se comemora a 24 de Março.

Apesar da redução que tem sido consistente nos últimos seis anos, "Portugal mantém-se como um dos países europeus com incidência acima dos dez casos por 100 mil habitantes", realça o documento publicado pelo Programa Nacional para a Tuberculose (PNT) da DGS.

Além disso, adianta o relatório, os casos de tuberculose na população imigrante em Portugal aumentaram em 2022, totalizando 457, o que representa 30,1% do total de situações diagnosticadas.

"A população imigrante manteve-se como uma população em situação de maior vulnerabilidade, com uma taxa de notificação quatro vezes superior à média nacional (58,5 casos por 100 mil imigrantes em 2022), verificando-se também um aumento na proporção de casos, em comparação com 2021 (30,1% em 2022 e 25,9% em 2021)", salienta a DGS. Dos 457 casos notificados, 189 casos (41,4%) pertenceram a imigrantes com entrada em Portugal há menos de dois anos.

Maioria dos doentes é homem e de Lisboa

Em declarações à agência Lusa, a directora do PNT, Isabel Carvalho, afirmou que os casos entre a população nativa não estão "a reduzir tão rápido" como o desejado para atingir os objectivos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe de reduzir, até 2035, 95% as mortes por tuberculose e 90% a taxa de incidência, tendo como valores de base os de 2015.

"Apesar de tudo (...), desde 2015 até 2022, conseguimos ter uma redução de cerca de 31% e de 30,7% na incidência da doença em Portugal e uma redução de 43% das mortes causadas por tuberculose, o que dá um decréscimo percentual anual de cerca de 4% em relação à incidência e por volta dos 6% em relação à mortalidade", mas, sublinhou, "o ideal" seria uma diminuição "mais acentuada, perto dos 5,6%" por ano.

Os homens continuam a ser mais afectados do que as mulheres (65,7% do total de casos notificados em 2022), especialmente na idade adulta, observa o documento, acrescentando que 3,3% do total de casos ocorreu em crianças e adolescentes até aos 15 anos. Em 2022, foram registadas 91 mortes por tuberculose, o que corresponde a uma letalidade de 8,6% na totalidade dos casos.

Quanto à distribuição dos casos notificados pelas sete regiões do país, manteve-se o predomínio de Lisboa e Vale do Tejo e Norte. "Entre 2021 e 2022, na região de Lisboa e Vale do Tejo verificou-se uma subida da taxa de notificação de 16,8 para 17,8 casos por 100 mil habitantes, enquanto na região Norte se identificou um decréscimo de 17,5 para 15,8 por 100 mil habitantes", salienta o documento.

Os autores do relatório apontam como explicação para a subida da taxa de notificação em Lisboa e Vale do Tejo o aumento do número de casos no distrito de Lisboa (495 em 2022 contra 440 em 2021), valores semelhantes aos de 2020 (mais de 20 casos por 100 mil habitantes). O distrito do Porto apresentou uma ligeira diminuição dos casos notificados (376 em 2022; 384 em 2021), correspondendo a uma taxa de notificação de 20,7 casos por 100 mil habitantes.

O número de dias até ao diagnóstico manteve-se elevado em 2022 (82 dias), embora menos do que em 2021 (86 dias), uma descida que Isabel Carvalho defendeu que devia ser mais acentuada. A responsável explicou que os profissionais de saúde demoram cerca de 12 dias para fazer o diagnóstico, mas isto só acontece quando o doente entra nos cuidados de saúde.

"Até lá, o doente demora uma mediana de 40 dias a procurar ajuda", o que pode acontecer porque tem barreiras ou desconhece como aceder aos cuidados de saúde, no caso dos imigrantes, ou porque o doente não valoriza os sintomas. Isabel Carvalho adiantou que nos países com baixa incidência de casos a "consequência negativa" é que já não se pensa na tuberculose, considerando-se "até, às vezes, erradamente, que a doença está erradicada em Portugal".

"Não está [erradicada em Portugal], não está erradicada no mundo e, por isso, temos de estar mais alerta e continuar a falar sobre tuberculose, porque de facto a doença existe", vincou, sustentando: "Existem menos casos, mas é uma doença que é muito transmissível, especialmente quando somos adultos e temos formas pulmonares da doença."

Incidência aumentou entre as crianças

O estudo alertou ainda para a situação das crianças e das pessoas que estão imunodeprimidas, com as defesas diminuídas, "que com pouco tempo de exposição poderão ficar infectadas, desconhecendo até, por vezes, que aquele contacto fortuito que tiveram tinha tuberculose". De acordo com o relatório, foram detectados 32 casos de tuberculose em crianças menores de cinco anos, correspondendo a uma taxa de notificação de 6,2 casos por 100 mil crianças, segundo um relatório.

É "um aumento na taxa de incidência, comparativamente a 2021 (6,1 casos por 100 mil crianças dos zero aos cinco anos) e a 2020 (4,8 casos por 100 mil crianças). Oito das crianças (25%) com tuberculose notificadas neste grupo etário estavam vacinadas com a BCG. A maioria dos casos de tuberculose ocorreu em crianças portuguesas (81,3%), registando-se também casos em crianças provenientes do Brasil, Alemanha, Angola, França e Uzbequistão.

A directora do PNT, Isabel Carvalho, ressalvou que, apesar do aumento de incidência, são "números pequenos" e realçou o facto de não haver "nenhum caso de tuberculose meníngea", que é o propósito da vacina BCG. "Temos dois casos de tuberculose disseminada que também é uma forma grave de doença, mas o que eu acho relevante é que continuam a existir crianças com tuberculose, crianças mais novas, abaixo dos seis anos, com tuberculose e com a vacinação com BCG", disse Isabel Carvalho.

A responsável explicou que o que acontece é que o adulto com tuberculose "demora a ser diagnosticado" e acaba por infectar mais facilmente os que são mais susceptíveis e entre esses estão as crianças abaixo dos seis anos, que podem desenvolver a infecção com menos tempo de exposição.

"Têm maior probabilidade de evoluir para doença activa (...) e é por isso que as crianças são prioritárias se tiverem a exposição à tuberculose. Prioritárias no seu rastreio e prioritárias a iniciarem tratamento preventivo, independentemente de estarem ou não infectadas", salientou.

Imigrantes mais vulneráveis à tuberculose

A maioria de casos de tuberculose ocorre na população nativa, mas "a proporção de casos em imigrantes tem tido uma tendência crescente", explicou Isabel Carvalho, representando 30,1% do total de casos notificados em 2022. Em declarações à agência Lusa, a directora do PNT afirmou que "a população imigrante não é mais vulnerável apenas e exclusivamente por ser imigrante".

"É mais vulnerável porque tem dificuldade no acesso aos cuidados de saúde, é mais vulnerável porque pode estar em situação de sem abrigo, pode ter outras doenças, nomeadamente a infecção VIH ou hepatites, ou ter mesmo algum tipo de dependência e isso ainda a torna mais susceptível à tuberculose", salientou.

Por outro lado, também não sabe como aceder aos cuidados de saúde, que, no caso da tuberculose, são gratuitos.

Isabel Carvalho defendeu ser necessário que estes cidadãos sejam ajudados para que saibam como e onde aceder aos cuidados de saúde, para poderem fazer o diagnóstico e iniciarem um tratamento, caso lhes seja diagnosticada a doença. "É com esse intuito que estabelecemos cada vez mais parcerias com as organizações de base comunitária e com as estruturas sociais e também com os serviços de apoio ao imigrante, porque de facto não é só ser imigrante que o torna mais susceptível à tuberculose", vincou.

O relatório refere que, à semelhança dos anos anteriores, o maior número de casos de tuberculose em imigrantes ocorreu em cidadãos provenientes de Angola (100), país seguido pelo Brasil (71), pela Guiné-Bissau (66) e por Cabo Verde (38). Para os autores do relatório, "a procura activa de casos através do rastreio de tuberculose activa e de infecção latente nestas populações mantém-se como estratégia fundamental para o controlo e a eliminação da tuberculose em Portugal".

"É procurar quem ainda não está doente, quem ainda não é um caso de tuberculose activa, mas que desconhece que está infectado e que se fizer um tratamento preventivo, que é bem mais simples do que o tratamento de uma tuberculose activa, poderá não desenvolver a doença futuramente ", elucidou Isabel Carvalho.