A greve geral de jornalistas é uma necessidade democrática

Greve foi aprovada por mais de 500 jornalistas em congresso. Mais de 250 apelam em carta aberta à paralisação de dia 14. É preciso garantir colectivamente condições dignas para um jornalismo digno.

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LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO
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A degradação das condições laborais de quem faz jornalismo corre em paralelo com a degradação do jornalismo que publicam. Nas redacções, vive-se em sobrecarga, com graves dificuldades de conciliação entre a vida profissional e a familiar, salários baixos e falta de estabilidade, da entrada à saída da profissão. Ao mesmo tempo, exige-se cada vez mais notícias produzidas em menos tempo e com menos apoio para resolver dilemas éticos. As condições laborais tornam-se uma questão editorial quando põem em causa o direito constitucional de qualquer cidadão a ser informado.

É por isso que na greve geral de jornalistas desta quinta-feira, 14 de Março, se pede a solidariedade de todas as cidadãs e cidadãos em defesa do jornalismo de qualidade e da democracia. Nas concentrações em várias cidades do continente e ilhas, vamos exigir condições para produzir jornalismo digno e que sirva o interesse público.

Uma redacção precária perde a capacidade de definir o seu critério editorial. Sem contratar mais profissionais, saímos cada vez menos em reportagem, aprofundamos e investigamos pouco. A constante exigência de hiperprodutividade desvirtua o jornalismo, tira tempo para verificar factos, procurar novas fontes, desenvolver pensamento crítico. O resultado é um jornalismo repetitivo, pouco explicativo, imediatista, monotemático e sensacionalista, que representa progressivamente menos as diferentes realidades da sociedade. Todo o país perde com isso.

Uma grande parte das pessoas que fazem jornalismo tem visto os seus direitos comprimidos. Cerca de um terço recebe entre 701 e 1000 euros líquidos; 15% dizem ser alvo de assédio moral; quase metade tem níveis elevados de esgotamento, com 38% a declararem ter problemas mentais decorrentes da profissão; e 48% sentem-se inseguros com a sua situação laboral. A precariedade limita a liberdade profissional de jornalistas.

Não há democracia que sobreviva sustentada por precariedade, seja no jornalismo ou noutras profissões. Não há democracia sem escrutínio dos poderes económicos e políticos, sem informação verificada, rigorosa e diversificada que ajude a tomar decisões informadas. O jornalismo responsável desempenha um papel fundamental no combate à mentira, às meias verdades e às falsas notícias. No ano em que celebramos 50 anos de democracia, o jornalismo depara-se com novas ameaças. Há merecidas críticas à sua perda de qualidade, mas, para que sejam justas, é preciso olhar-se para dentro de todas as redacções do país, ver as reais condições de trabalho praticadas e reparar naquilo que jornalistas e outros profissionais suportam para continuarem a cumprir a profissão.

Mais de metade dos concelhos do país não tem ou está na iminência de não ter qualquer órgão de comunicação social. Além da escassez de informação local, tornou-se insustentável para muitos jornalistas viver em Lisboa e no Porto, onde estão as grandes redacções. Uma das consequências é a cada vez menor pluralidade de origens, percursos e conhecimentos entre jornalistas. Os baixos salários tornaram-se insuficientes para comportar as despesas galopantes com habitação, alimentação, transportes, saúde.

Entre viver com dignidade ou sobreviver para trabalhar, muitos jornalistas acabam por desistir aos primeiros anos de profissão. Em 2018, quase metade estava extremamente insatisfeita com as condições de trabalho e mais de 60% já tinham ponderado abandonar o jornalismo. Entre 2017 e 2023, a profissão perdeu mais de 400 profissionais, jovens e veteranos (e há nas redacções todos os dias menos veteranos para formar jovens). Os baixos salários, a degradação da profissão, a precariedade contratual e o stress foram as principais razões apontadas. Há jornalistas com 20 ou 30 anos de experiência a receber entre 1200 e 1500 euros de salário líquido. A progressão salarial é uma miragem.

É por isso que mais de 250 jornalistas de todo o país assinaram uma carta aberta, promovida pelo grupo informal Jornalistas Sem Papel (criado para este efeito) e publicada no site do Clube de Jornalistas, apelando à Greve Geral de Jornalistas deste 14 de Março.

No 5.º Congresso de Jornalistas, em Janeiro, mais de 500 profissionais votaram a favor da paragem do trabalho. Um momento histórico de unidade, de uma classe que não convocava uma greve geral desde 1982. Rompeu-se também o tabu de que os jornalistas não faziam greve, algo que não acontecia há mais de 40 anos, desde 1983 (aliás, uma paragem de cinco dias que nunca chegou a acontecer, já que os patrões da imprensa acabaram por aceitar aumentos salariais de 19%).

Em 2024, exigem-se aumentos salariais, progressão na carreira, pagamento de horas extraordinárias, vínculos estáveis e recursos técnicos e humanos para dar notícias. Exige-se a intervenção pública para financiar o jornalismo e a revisão das leis que o regem e regulam, de forma a garantir que se defende a qualidade da informação produzida. Esta semana, veremos que força será dada pela classe e pela sociedade civil à exigência de um jornalismo digno.

Aline Flor, jornalista no PÚBLICO; Claudia Carvalho Silva, jornalista no PÚBLICO; Helena Bento, jornalista no Expresso; João Diogo Correia, jornalista no Expresso; Margarida David Cardoso, jornalista no Fumaça; Nuno Viegas, jornalista no Fumaça; Pedro Miguel Santos, jornalista freelancer; Ricardo Cabral Fernandes, jornalista no Setenta e Quatro; Rita Pereira Carvalho, jornalista no Observador.

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