Mais uma centena de jornalistas sindicalizados num contexto de crise “pode ser um bom prenúncio”

O Congresso dos Jornalistas arranca nesta quinta-feira em Lisboa com preocupações sobre a sustentabilidade do sector. O presidente do sindicato fala num “momento perigoso para o jornalismo livre”

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Luís Simões diz não ver como é que "uma redacção sem cabelos brancos possa ser saudável" Rui Gaudêncio
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Com a ameaça de despedimento de duas centenas de trabalhadores do grupo Global Media, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Filipe Simões, fala num dos momentos mais perigosos para o jornalismo e pede, em entrevista ao PÚBLICO, que se debatam soluções. Congresso reúne em Lisboa mais de 600 jornalistas para discutir o presente e futuro da profissão.

Sete anos depois os jornalistas voltam a reunir-se em congresso. Há falta de tema de debate que justifique esta espera?
Não, infelizmente falta de tema para debatermos nunca há. O que aconteceu é que tínhamos a perspectiva de o fazer ali a cada quatro anos, porque é uma realização muito exigente, que envolve muitas pessoas e muito dinheiro. Mas provavelmente, e digo isto com a maior das preocupações, este congresso surge num momento em que se eu escolhesse não podia ser melhor. Estamos num dos momentos mais perigosos para o jornalismo livre, independente, sério e, já agora, de qualidade.

Que solução tem o sindicato para situações com a da Global Media?
Eu creio que essa é a discussão que nós temos de ter. Não há fórmulas mágicas que de um dia para o outro resolvam todos os problemas. Vamos atravessar momentos complicados? Eu tenho a certeza que sim, mas nós nunca tivemos tantas pessoas a terem acesso a jornalismo. O que temos é o problema de saber como o financiar. Alguma alma teve a ideia peregrina de abrir o jornalismo e achar que a informação é dada de graça, quando é um bem tão precioso e que dá tanto trabalho e investimento. Não há democracia sem jornalismo e não há jornalismo sem democracias. O Estado, nós, a sociedade, têm que de alguma forma apoiar o jornalismo.

E que formas são essas?
Há algumas medidas que, não sei se resolvem a crise nos media, mas sei que se devem discutir, como a ideia do vale de dez euros a cada cidadão para gastar em jornalismo. Percebendo a resistência de quem diz: ‘Mas isso é pôr dinheiro numa empresa e não propriamente nos jornalistas e no jornalismo’, mas nós também podemos ter capacidade de criar obrigações para que esse dinheiro seja canalizado para empresas com mais jornalistas. Depois a via que me parece mais fácil é atribuir benefícios fiscais para empresas jornalísticas e criar prémios e incentivos directos aos jornalistas.

Com a crise no sector como está a evoluir o número de sindicalizados?
Em 2023, tivemos mais 75 novas sindicalizações, não contando com as readmissões que serão qualquer coisa como 30 – no total há cerca de 2500 sindicalizados. Num contexto de crise ter mais 105 sindicalizados pode ser um bom prenúncio.

O novo contrato colectivo de trabalho tem um o salário de referência para novos jornalistas de 913 euros, quando o salário mínimo nacional está nos 820. Não é um salário baixo?
Sim, é muito baixo. Mas é o possível. É fruto de uma negociação muito dura e, em alguns casos, é um avanço muito significativo. É uma profissão exercida por licenciados, mas cada vez é mais exercida por mestres e doutores. Agora é muito raro ver alguém apenas com uma licenciatura a entrar na profissão. Eu acho que neste momento já devia ser a mil euros, porque nós vamos ter o salário mínimo a mil euros daqui a quatro anos. Eu aí quero estar os 15% acima [do SMN].

Estamos a caminhar para um cenário em que o jornalismo não é uma profissão atractiva?
O ser jornalista é muito mais do que uma profissão. É preocupante porque é a democracia que está em causa. Eu gosto muito de ser optimista e, sobretudo, de ver motivos para ser optimista. Estes são os salários mínimos e exigíveis, ou seja, desejavelmente uma empresa de comunicação que queira valorizar o seu produto devia começar pelo valorizar os seus trabalhadores e não pagar os mínimos.

É comum ouvir jornalistas mais seniores queixarem-se de estarem a ser substituídos nas redacções por jovens, menos bem pagos e com menos poder reivindicativo. Existe um conflito geracional entre jornalistas?
A jovialização das redacções é um problema. Há uma coisa que as redacções têm mesmo que ser: o espaço em que algumas pessoas com memória e cabelos brancos ajudam quem é mais novo e que não pode ter a memória que eles têm. Eu não vejo como é que uma redacção sem cabelos brancos possa ser saudável, falta ali uma troca de experiências e de discussão.

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