“Se queremos reclamar no resto do ano, temos de participar neste dia”
O valor do voto passou de geração em geração. Henrique Martins dos Santos tem 19 anos, vota pela primeira vez e leva o avô, de 96, a votar.
Henrique Martins dos Santos acordou com um propósito este domingo. Passar com o pai em casa do avô Alberto e da avó Helena e ir votar ao Centro Escolar de São Miguel de Nevogilde, na zona Ocidental do Porto. Ia ser a primeira vez que ia exercer aquele direito/dever.
A avó Helena está impecável nos seus 85 anos. O avô Alberto é que exige alguns cuidados. Conta 96 anos e várias maleitas. O aparelho auditivo ajuda-o a comunicar, mas não faz tudo. Para andar, precisa de um par de braços, de um andarilho ou de uma cadeira de rodas.
Encontrando o velho médico a tomar café na sua sala e perguntando-lhe se iria votar este domingo, nem sombra de hesitação: “Vou, vou.” Ia por sentido de dever, não por estar interessado em sair, que o tempo não convidava a deixar o conforto daquele quinto andar virado para o oceano Atlântico. “Tem de ir votar para ajudar a definir o futuro do seu neto”, compunha o seu filho mais novo, Miguel, economista que no princípio deste ano celebrou 50 anos, tantos quantos o país está a celebrar de democracia.
Costuma votar, o avô. “É uma atitude democrática”, disse ele, como se não fosse preciso dizer mais, como se o resto fosse perder-se em detalhes. Já não tem memória de como era votar no tempo do partido único. Sendo médico na maternidade de Luanda, em Angola, com certeza votava.
O direito não era livre nem universal. Isso Henrique não tem forma de não saber. A mãe, Joana Morais e Castro, é uma jurista empenhada nos direitos humanos, orgulhosa da bisavó sufragista, Irene Castro, da avó cientista, Maria Adelaide Ribeiro, e da mãe artista, Maria Conceição Aires.
A mãe não estava ali. Ficara com as três irmãs em casa. Quando regressassem iria ela votar, com a mãe dela. Estava, todavia, convencida de que o filho ia bem acompanhado. “Para o Henrique é um bom exemplo", comentara. "O avô e o pai não deixaram de votar. Acham que a coisa é mesmo importante.”
Não dar por adquirido
“Não convém darmos por adquirido este direito, que foi uma luta para conseguir”, repetia agora o jovem de 19 anos, estudante de Economia na Universidade do Porto. “É a nossa obrigação também. É ir lá pôr uma cruz no papel, dobrá-lo e colocá-lo na caixa. Acho que é o mínimo.”
Estava ciente da utilidade daquele acto. “Temos de fazer parte de decidir quem nos vai governar, aquilo que se vai fazer. É o dia em que efectivamente temos uma voz. O resto dos dias ficamos mais por casa a reclamar ou a dizer que está a correr bem ou não. Se queremos reclamar no resto do ano, temos de participar neste dia.”
O pai, ainda à mesa, reafirmava a lição de vida. “Temos o dever de estar informados e de participar nestes processos. A pessoa informa-se, envolve-se, vota e depois observa, avalia o que está a acontecer.”
É algo que lhe parece que se tem perdido. Em 1975, nas primeiras eleições livres e universais, a sociedade portuguesa votou em peso para a Assembleia Constituinte. A taxa de abstenção ficou-se pelos 8,5%. Em 2022, 48,6% votou para a Assembleia da República.
Na opinião do pai, há uma relação entre o exercício deste direito/dever e o envolvimento no rumo da sociedade. “Se todos votássemos, todos teríamos mais responsabilidade. Praticamente metade do país não quer participar, ou porque não acredita ou porque não está informada, não sei, mas é uma pena.”
Com ajuda, o avô saiu do seu apartamento. Serviu-se de um andarilho e do cuidador para entrar no elevador e descer até à garagem. Entrou no carro e foi conduzido por Miguel até à porta da escola de primeiro ciclo. Entrou no edifício com o neto, na sua cadeira de rodas. Cada um votou numa mesa, mas tudo decorreu de forma ordeira, com fluidez, sem demoras.
No fim, a sensação de dever cumprido sobressaia no rosto de cada elemento da família. “Foi fixe”, sintetizava Henrique. A partir dali, era esperar. “Pelas sondagens, estamos todos à espera para ver, primeiro, qual é o partido mais votado, depois, de que lado está a maioria”, explicara já o pai. “E de facto é uma incógnita. Só mesmo logo à noite é que vamos saber. Mais uma razão para todos irem votar.”