O Banco Central de Dados, o panótico do Estado vigilante

O 25 de Abril de 1974 foi uma disrupção da política doméstica e colonial, agora acontecem várias disrupções globais que instabilizam a nossa existência, entre elas a chamada colónia virtual.

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Em ano de eleições e de muitas sondagens aconselho os leitores do PÚBLICO a ler o artigo que publiquei no dia 26 de setembro de 2022 sobre A Grande Loja e o Grão-Mestre algoritmo. Estamos, agora, em 2024, muito perto de comemorar meio século sobre o 25 de abril de 1974. Vale a pena marcar a diferença com abril de 1974 e fazer o diagnóstico da sociedade pós-moderna da era digital. Há meio século foi uma disrupção da política doméstica e colonial, agora acontecem várias disrupções globais que instabilizam a nossa existência, entre elas a chamada colónia virtual. Senão vejamos:

1. A tecnologia é fonte de velocidade, a velocidade é fonte de poder

2. O poder delega cada vez mais nas máquinas inteligentes

3. A cada velocidade corresponde uma leitura da realidade

4. A imagem prevalece sobre a linguagem, a emoção sobre a opinião

5. Tudo é transitório, efémero, passageiro, líquido, vivemos o fim do futuro

6. Os ecrãs prevalecem sobre a escrita.

7. A forma prevalece sobre o conteúdo.

8. O reflexo prevalece sobre a reflexão.

9. O instantâneo prevalece sobre o passado e o futuro.

10. As perceções variam com a velocidade e a compressão do espaço-tempo.

11. Os écrans enlouquecem-nos, qual droga eletrónica da colónia virtual.

12. O progresso tecnológico dissimula os acidentes da tecnologia.

13. As bombas de disrupção global generalizam o medo

14. A internet bifurca-se entre as plataformas populares e as plataformas gigantes

15. O espaço seguro declina, a colisão e o acidente estão iminentes

16. As perceções de medo crescem e são muito superiores às ameaças

17. O paradoxo acentua-se, entre a atenção urgente e a distração permanente

18. A insegurança cresce, afinam-se os regimes de urgência e emergência

19. A sociedade da vigilância troca liberdade por segurança

20. O Banco Central de Dados é o panótico do Estado vigilante do futuro

Com efeito, estamos todos colados aos limites da terra-mãe e há cada vez menos espaço-tempo para nos escondermos das bombas de disrupção global que nos atormentam e enlouquecem. Refiro-me às bombas globais que o Homem, através da sua ambição e pretensão, colocou à nossa disposição, a saber, as bombas demográfica e migratória, química e genética, informática e cibernética, nuclear e ciberespacial.

A realidade é cada vez mais paradoxal, vamos viver todos no futuro e não sabemos como lá chegar, pois a tirania do tempo real não nos deixa tempo para nada. Os sistemas políticos democráticos parecem optar pela fuga para a frente e tendem para o automatismo em detrimento do contraditório da democracia. Ora, a democracia reflexa não existe e a confiança não pode ser instantânea, precisa de tempo. A democracia é uma reflexão comum, não um reflexo condicionado. Acentua-se o divórcio entre a política (doméstica) e o poder (extraterritorial).

Cinquenta anos depois do 25 de abril fica a sugestão, não se trata de desacelerar, mas de procurar uma inteligência do movimento, uma economia política da velocidade. Precisamos de nos reencontrar com as dimensões espaço-tempo, pois a desterritorialização e o descontrolo do tempo destroem o sistema de produção e confundem as modalidades de trabalho. Aqui, os ritmos da música podem ser inspiradores. Qual é o melhor ritmo da velocidade, como na música? A música encarna uma economia política da velocidade, devemos, por isso, elaborar uma musicologia da vida, inventar os ritmos que funcionem em cada área da nossa vida. Ou seja, faltam-nos os programadores-compositores.

No mundo em que vivemos já ninguém sabe muito bem onde colocar os limites do razoável e do bom senso. No preciso momento em que se criam modelos de linguagem artificiais, só falta, mesmo, uma novilíngua e o seu Ministério da Verdade, uma máquina semântica de achatar significados. A sua função: mentir. É certo, são os humanos que concebem e programam as máquinas inteligentes, mas, não tenhamos ilusões, a natureza humana não é imune e não fica impune aos efeitos e impactos das máquinas inteligentes. Esteja, pois, muito atento, não malbarate o espírito crítico e preserve, a todo o custo, os direitos e liberdades públicas e privadas e faça da sua existência uma obra de arte como refere o lema da cidade de Évora, vencedora do concurso Capital Europeia da Cultura 2027, a saber, o vagar e a arte da existência.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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