O vinho chama-se Memórias, chegou ao mercado em Dezembro e foi agora escolhido como o melhor do ano por um grupo de especialistas e jornalistas estrangeiros, escolhidos pela Revista de Vinhos para provar os vinhos a que ao longo do ano a publicação tinha atribuído as melhores pontuações.
É mais um concurso como muitos outros, que têm a virtude de os vinhos serem provados às cegas e, portanto, sem qualquer condicionamento ou pré-juízo resultantes do prévio conhecimento da região, castas ou produtor. Com este grupo de provadores deu este resultado, com qualquer outro poderia dar outro qualquer. São assim as provas e concursos de vinhos.
Com este, no entanto, deu-se a feliz coincidência de, além de chamar a atenção para o vinho, destacar também a pessoa por detrás da obra. Memórias é um tinto da família Alves de Sousa que evoca os 30 anos da Quinta da Gaivosa e remete para a personalidade única do seu patriarca, Domingos Alves de Sousa.
É por isso que o resultado deste concurso acaba por ter um significado verdadeiramente diferente e especial. Trata-se de um vinho que representa muito mais que as suas qualidades. Homenageia também um percurso, uma história de garra e perseverança, a visão de futuro de um produtor, o amor às vinhas e uma inabalável confiança no Douro e nos seus vinhos.
Uma confiança que alimentou a firmeza da aposta nos vinhos do Baixo Corgo num tempo em que isso pareceria mesmo apenas uma questão de fé. Mas que acabou por lhe dar razão. Foi um dos pioneiros no engarrafamento dos DOC Douro e bastará hoje provar os vinhos da Quinta da Gaivosa para perceber que são uma espécie de bálsamo para a região. E, quando os vinhos mais extraídos, opulentos e impactantes, faziam furor e criavam um "estilo Douro" que levou a fama da região a todo o mundo, Alves de Sousa seguiu o seu caminho.
Um rumo que consolidou ao longo destas três décadas, agora reflectidas dentro de cada garrafa deste vinho. Trinta anos em que a região avançou decisivamente na produção dos vinhos DOC, um capítulo da história do Douro em que Domingos Alves de Sousa se assume como destacado protagonista.
A par dos vinhos, também as suas célebres viagens por todas as geografias com a mala cheia de garrafas, fazendo com que o Douro e os seus vinhos gozem hoje de fama e reputação nos quatro cantos do mundo. É um pouco de tudo isso que é feito também este Memória e é por isso que esta escolha como melhor vinho do ano assume também um significado distinto.
Sendo um pouco de história, Memórias não deixa também de ser um grande vinho. Novo e inovador no estilo, juntando várias colheitas, uma espécie de solera, uma memória dos antigos vinhos do Porto que todos os anos recebiam um acrescento até à definição final do lote. Um vinho que reúne no fundo as boas memórias de Domingos Alves de Sousa.
E como o vinho, a cozinha e a gastronomia andam de mãos dadas, esta foi a semana em que, depois de um século agarrado à edição espanhola, o famoso Guia Michelin se focou pela primeira vez de forma exclusiva no território português. Uma desilusão, dizem aqueles que esperavam mais brilho e estrelas, um privilégio, dizem os outros que vêem a atenção do guia como Meca e Olimpo para a nossa gastronomia e restauração.
Sintomático é que precisamente nesta semana – e certamente pura coincidência – a Revista do semanário Expresso faça capa e destaque da sua edição com a coqueluche do momento da cozinha espanhola. Dabiz Muñoz, um cozinheiro pop star que encarna o modelo Michelin, cada vez mais afastado da cozinha quotidiana e a caminho do universo cósmico.
O cozinheiro "rebelde" que já teve uma "relação tóxica" com os seus restaurantes está a "investir 12 a 14 milhões de euros" na remodelação do seu restaurante, o que dá uma ideia dos caminhos para onde conduz o modelo Michelin. Por mais absurdos que sejam os preços das refeições, é claro que nunca o projecto será rentável.
Mas esse é um outro caminho, e por isso é que muitos consideram como irrealista e afastada da realidade a lógica Michelin. Que impõe um estilo gastronómico padronizado, que se afasta e perverte até aquilo que é a matriz do receituário e da cozinha tradicional portuguesa.
Estes são os argumentos dos críticos, que contestam por isso que sejam as entidades nacionais com responsabilidade na gastronomia a patrocinar este modelo e a suportar as despesas da gala Michelin. Só o Turismo de Portugal contribuiu com metade do seu orçamento anual para a área da gastronomia. Ou seja, 400 mil euros para promover um modelo de estrelas que não coincide com a nossa cozinha, nem valoriza a nossa identidade culinária.
Um modelo que se reflecte na escolha do Expresso e levanta a questão de saber o que realmente queremos. A opção entre valorizar o nosso património gastronómico e culinário – que é o que turistas e consumidores em geral parecem procurar – ou antes fomentar o aparecimento de pop stars da cozinha com a bandeira portuguesa. A resposta cabe ao Turismo de Portugal.