Nos pedidos de cidadania, analisar quatro documentos pode demorar três anos

Não basta ter cinco anos de residência ou estar casado há três com um cidadão português para conseguir a naturalização. É necessário esperar até o pedido ser analisado, o que pode levar anos.

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Para ter direito a um passaporte português demora anos Helder Olino/Público
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Há mais de 420 mil pessoas que pediram a nacionalidade portuguesa. Em vários dos casos, trata-se de um processo simples. Para quem está casado com um português ou uma portuguesa há mais de três anos, apenas são necessários quatro documentos: o formulário do pedido de nacionalidade, a certidão de casamento, a certidão de nascimento e o atestado de antecedentes – ou, como é chamado em Portugal, o registro criminal.

Alguns desses documentos podem ter apenas uma folha, como é a certidão de casamento. No entanto, a simplicidade do processo não torna a sua conclusão mais rápida. Os dados da Conservatória dos Registros Centrais de Lisboa indicam que neste momento estão sendo analisados os pedidos de nacionalidade por casamento de setembro de 2021. Ou seja, nestes casos, a análise por parte dos serviços está demorando mais de três anos.

É um processo que leva tempo a mais considera a advogada Izabela Vasconcelos especialista pós-graduada em direito da nacionalidade e dos estrangeiros. “Um funcionário com experiência poderia analisar e despachar um processo desses em cinco minutos”, avalia.

Segundo o advogado Diego Bove, deveria ser muito simples para concluir a respeito do processo. “É necessário ler o formulário, verificar os nomes, conferir as certidões e, no caso de documentos brasileiros que são apostilados, há um QR code do notário que faz o apostilamento e que garante a legitimidade”, explica.

Em outubro do ano passado, o Instituto de Registros e Notariado (IRN) instalou um sistema de inteligência artificial para acelerar os processos. Só que até agora o novo sistema não conseguiu mostrar os resultados. “O problema é a fila. Tenho clientes de abril de 2022 que pediram a nacionalidade, um descendente de judeus sefarditas e outro neto de português, ambos parados. Os pedidos que entraram com a inteligência artificial estão prontos, mas não podem passar na frente dos processos anteriores e ficam aguardando”, revela Izabela.

Há três formas de pedir a cidadania portuguesa. A pessoa pode entrar na fila da conservatória, que atende um número reduzido de pessoas a cada dia, pode enviar os documentos por correio ou contratar um advogado ou solicitador, que insere os documentos digitalizados diretamente no sistema.

Ainda que seja mais barato fazer o processo pessoalmente, sem pagar os custos do advogado, há desvantagens. Não que com o advogado o processo vá andar mais rápido, mas o candidato à cidadania vai ficar meses sem saber como está o seu pedido. “Se enviar pelo correio, pode demorar meses até enviarem o número de acompanhamento para verificar o andamento do processo no site do IRN. E, quando o processo é entregue pessoalmente, entregam um protocolo de confirmação da entrega, mas o número de protocolo, que permite acompanhar o andamento do processo chega meses depois”, conta Bove.

Para muitos descendentes de portugueses, a maior dificuldade está em preparar o processo de pedido de cidadania. “É necessária a certidão de nascimento do antepassado português ele pode ter sido registrado não em uma conservatória, mas numa paróquia do interior do país. Pode ter que percorrer as freguesias até achar o registro”, relata Izabela.

Vários caminhos para ser português

Os caminhos para poder possuir um passaporte de Portugal são muitos: netos de portugueses, pessoas casadas com portugueses, quem vive no país legalmente há mais de cinco anos ou os descendentes dos judeus que fugiram da perseguição e do extermínio levado a cabo pela Inquisição.

Neste momento, na Conservatória de Lisboa, o processo mais rápido é o de inscrição dos filhos de portugueses nascidos no exterior. No final de outubro de 2024, já estavam concedendo a nacionalidade para os processos que tinham dado entrada em setembro. Em compensação, os mais lentos são os de Timor Leste: estão em análise os pedidos que foram feitos na segunda quinzena de dezembro de 2019.

O maior gargalo, atualmente, está nos casos dos descendentes de judeus que fugiram da Inquisição, os sefarditas. Como houve uma mudança na Lei da Nacionalidade em março de 2022, com um prazo até setembro para esta se tornar efetiva, aconteceu uma corrida à nacionalidade. Neste momento estão sendo analisados os processos de 2021, mas a maior parte dos processos são posteriores. “Triplicou o número de processos que entrou depois do anúncio da mudança da lei”, diz Izabela.

A partir de setembro, além de ter ascendência sefardita, os candidatos a serem portugueses terão de viver por três anos em Portugal, o que pode ser substituído por demonstração de pertença a uma comunidade portuguesa, o que inclui sobrenome, idioma familiar ou descendência. No que diz respeito ao idioma familiar, além do português, muitos judeus sefarditas falavam o ladino, língua latina próxima do que era falado na Península Ibérica durante a época medieval.

Questionado a respeito do prazo para análise dos processos, o Ministério da Justiça respondeu que "não é aceitável nem desejável que se leve esse tempo a decidir. Os processos de nacionalidade estão com um atraso de dois anos. Todos os processos têm um período de análise que infelizmente está muito demorado".

O ministério afirma que não trabalha com o conceito de processos mais ou menos complicados. "Não há processos simples e processos complexos. Há processos prioritários e não prioritários de acordo com os critérios decididos pelo IRN", acrescenta.

Texto atualizado para incluir as respostas do Ministério da Justiça.

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