Nas rádios, justiça uniu partidos, e financiamento da Segurança Social distinguiu-os
O segundo dia de campanha arrancou com o derradeiro debate, desta vez nas rádios. Os oito partidos com assento parlamentar foram convocados, mas o Chega não compareceu.
Ao segundo dia de campanha, as caravanas dos partidos juntaram-se todas em Lisboa, para um debate nas rádios (Antena 1, Renascença, Observador e TSF). O encontro arrancou com um ausente (o Chega) e um atraso (o de Luís Montenegro) e dedicou a maior fatia de tempo à discussão de uma reforma na justiça. Numas eleições legislativas antecipadas que decorrem― justamente ― devido a uma investigação judicial que levou à demissão do primeiro-ministro e em que a campanha eleitoral tem ainda colada a crise da Madeira, os partidos concordaram com a necessidade de aumentar meios, e alguns deram nota negativa à procuradora-geral da República. Apesar de procurarem diferenças, PS e PSD acabaram mesmo por concordar na necessidade de um "consenso" entre os grandes partidos.
O encontro entre os líderes partidários ficou também marcado pelas propostas de combate à pobreza, pela sustentabilidade da Segurança Social, sobre o investimento na defesa, sobre o sistema eleitoral e, claro, sobre cenários de governabilidade. Com os partidos à esquerda do PS ligeiramente mais crispados ― em disputa de eleitorado ―, Rui Rocha também aproveitou para se distinguir de Montenegro para esvaziar o argumento do voto útil.
Embora tenha começado por apontar a falta de clareza de compromisso ao presidente do PSD, Luís Montenegro, em representação da Aliança Democrática (PSD, CDS-PP e PPM), Pedro Nuno Santos reconheceu que é preciso "uma reforma" que será "mais sólida, resistente e duradoura", e que esta será "tanto maior" se houver um "consenso" com os partidos da AD. Para o PS, uma das prioridades para a reforma do sistema judicial deverá passar por uma clarificação da "cadeia de poder hierárquico dentro do Ministério Público", por forma "a cumprir a Constituição", dando exemplo "dos últimos casos que tivemos" e pedindo uma "comunicação clara", sem "nunca pôr em causa a autonomia do Ministério Público". E deixou um alerta: "O mau funcionamento do sistema judicial só serve os corruptos, que podem dizer no meio desta confusão que é tudo igual, quando não é."
Para o líder do PS, o que está em causa é "olhar para a justiça e para a confiança dos cidadãos neste poder tão importante". "Temos de fazer debates, pensar em conjunto se é preciso fazer alterações legislativas ou não", disse.
Luís Montenegro assinalou disponibilidade para procurar esse "consenso" com a bancada socialista, ressalvando, no entanto, que não considera existir um problema "do ponto de vista legal do Ministério Público". Não obstante, reconheceu que "o Ministério Público tem muitas vezes visto as suas conclusões contrariadas por juízes", e dá por isso "uma nota mais negativa do que positiva" à procuradora-geral da República, Lucília Gago. "O Ministério Público não existe [só] para acusar. Existe para investigar. E, nesse sentido, os últimos exemplos não têm sido bons", avaliou Montenegro.
O líder liberal Rui Rocha, que entregou uma lista de 10 questões que pretende discutir com o PSD, onde não consta a justiça, garantiu estar "totalmente disponível para o desafio de debater a justiça".
Também o Bloco de Esquerda, PCP e PAN concordaram que a justiça precisa de mais meios, para ser mais rápida, mas também garantias de que consegue ser mais acessível. Pelo BE, Mariana Mortágua apontou para "uma justiça demasiado cara e demorada, preocupações estruturais sobre as quais nos devemos debruçar”, enquanto Paulo Raimundo, pelo PCP, defendeu mais meios e melhores salários para os funcionários da justiça. "É preciso aproximar a justiça das pessoas", diz.
Pelo PAN, Inês de Sousa Real queixa-se do chumbo das propostas do PCP que propunham o aumento de meios. "Temos de garantir que temos uma justiça célere e eficaz, mas também acessível", afirma. Para Inês de Sousa Real, os tribunais administrativos também são um espelho das fragilidades do sistema, pedindo também para eles um reforço de meios.
Partidos afastam regresso de serviço militar obrigatório
Apesar do aumento das tensões geopolíticas, os partidos são peremptórios a afastar um cenário de regresso do serviço militar obrigatório para fazer face ao baixo número de militares nas Forças Armadas, com alguns partidos a propor mais incentivos para recrutar mais portugueses para o serviço militar.
Luís Montenegro defendeu, porém, que o país deve cumprir os seus compromissos internacionais com a NATO e a UE, e desafiou Pedro Nuno a pronunciar-se sobre o apoio dos partidos de esquerda a estes compromissos.
O líder do PS contornou a pergunta e respondeu que Portugal vai cumprir o compromisso de despesa de 2% do PIB até ao fim da década, mas o objectivo é aproveitar essa obrigação de investimento para modernizar e desenvolver a indústria militar, defendendo o aumento da valorização da administração púbica "como um todo", para que seja capaz de "reter e recrutar" gente nova. Pelo PAN, Inês de Sousa Real apontou para as consequências humanitárias "e ambientais" da guerra.
Sistema eleitoral deve mudar?
Embora os partidos com maior representação parlamentar tenham afastado esse cenário, considerando que não é prioritário, os partidos mais pequenos defendem que se deve reflectir sobre a criação de um círculo eleitoral de compensação, que faça uma redistribuição dos votos que não se converteram em mandatos. BE, PCP admitiram essa reflexão, enquanto o Livre, IL e PAN defendem a existência desse círculo. Já a AD e o PS admitiram maior "representatividade", com o PS a ressalvar que não se pode perder governabilidade.
Na questão da governabilidade, Rui Rocha, da IL, garantiu que os liberais chumbarão uma moção de rejeição a uma maioria de esquerda apresentada pelo Chega. "A IL, se considerar que estão reunidas condições, apresenta a sua própria moção de rejeição. Não vale a pena convocar quem não está cá e quem não quis estar com falta de respeito pelos ouvintes”, disse.
O debate abordou ainda a sustentabilidade da Segurança Social, com a AD a não acompanhar a proposta da IL de privatização parcial da Segurança Social, admitindo apenas que irá "estudar" um novo modelo de financiamento, e com os restantes partidos a concordarem na diversificação de fontes de financiamento, ora através do dinheiro das portagens, ora através de um imposto sobre grandes fortunas, ora através da privatização da Caixa Geral de Depósitos, ora do aumento de salários e pensões.
À esquerda, o momento de divisão aconteceu com a proposta do Livre de implementar um imposto sucessório, sobre as grandes heranças, o que valeu interrupções por parte do BE e do PCP, que desvalorizaram a proposta.
A caravana dos líderes partidários regressou à estrada, depois de um debate a sete, mais objectivo. com Maria Lopes