Governo de clareza relativa

Na prática, tanto Pedro Nuno Santos como Luís Montenegro estão a mostrar-se desobrigados de agir com clareza sobre governos de minoria. É pena. Os portugueses merecem mais.

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Os portugueses vão ser chamados às urnas daqui a três semanas, sabendo que a possibilidade de haver maioria absoluta de um partido ou coligação é cenário delirante. É, pois, normal que se discutam alianças pós-eleitorais, como se tem vindo a fazer, mas também se seria possível (e como) termos um governo de maioria relativa.

Perante estas incógnitas, o que temos visto dos líderes dos dois maiores partidos e coligações, PS e AD, é tudo menos clareza.

Depois do turbilhão em que o PS se viu envolvido por causa dos resultados saídos das eleições regionais dos Açores, dia 4 de Fevereiro, Pedro Nuno Santos tentou separar águas e o frente-a-frente televisivo com Luís Montenegro de segunda-feira ficou marcado precisamente pela declaração tonitruante de que viabilizaria um governo minoritário da AD (viabilizar, sublinhe-se, significa não deitar abaixo através de moções de censura). Com isso, o PS daria as condições mínimas de governabilidade e, ao mesmo tempo, ajudava a reforçar a ideia de irrelevância do Chega num futuro quadro parlamentar.

O impacto dessa veemência durou, porém, pouco tempo. Esta quarta-feira, enredou-se em contradições, chegou a dizer que estava “desobrigado”, afinal, de vir a fazer essa viabilização se Montenegro não dissesse o mesmo, invocando até o princípio da reciprocidade de forma, no mínimo, original. Acabou a corrigir-se a si mesmo uma hora depois, voltando à posição de segunda-feira, num exercício menos feliz que em política tem o nome técnico de “trapalhada”, cunhado nos idos de 2004-05.

Do outro lado, não se sabe o que pensa Luís Montenegro, presidente do PSD. Recusa-se a falar na hipótese de ganhar as eleições com maioria relativa - alegando que não lhe passa pela cabeça admitir cenário de derrota, o que não faz sentido pois uma maioria relativa não é uma derrota.

Montenegro livrou-se do fantasma do Chega, ao recusar uma aliança com o partido de André Ventura nos Açores e ao garantir na cara daquele líder partidário que a linha vermelha nunca será ultrapassada no governo da república. Só dessa forma se dissipou a névoa que estava criada e que persistia em não desaparecer. E fê-lo bem.

O líder do PSD, contudo, não conseguiu ainda explicar o que fará se o PS ganhar as eleições com maioria relativa, parecendo querer deixar a porta aberta a repetir o que António Costa fez a Passos Coelho em 2015 apesar dele próprio, Montenegro, já ter dito mais do que uma vez que não formaria governo se fosse o segundo partido mais votado.

Na prática, tanto Pedro Nuno Santos como Luís Montenegro estão a mostrar-se desobrigados de agir com clareza nesta matéria. É pena. Os portugueses merecem mais.

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